Todo mundo deveria ter uma amiga como a Elza

Este é o meu 901o post neste blog! E devo levar uns puxões de orelha por ainda não ter escrito sobre Maria Elza Sigrist. Por aqui sempre celebrei a amizade e os grandes amigos e se Elza ficou de fora até aqui é por estar reservado a ela um momento especial para este blog.

Há controvérsias sobre quando a conheci, se foi em 77 ou 79. Do século passado! A gente ri dessas coisas do tempo, da idade, quando o que interessa é estarmos juntos após longos intervalos, mas sempre cúmplices, sempre uma imensa e carinhosa amizade.

Do que ficou da primeira lembrança foi uma frase inesperada de uma mulher linda. Aquele tipo europeu: loira, 1,75, olhos claros, corpo esguio. Um mulherão que séria, e com o devido peso, soltou a frase embargada: “Viver é muito difícil!”. Não me recordo o assunto daquela aula, daquele curso, dos demais alunos. O que ficou em minha vida foi Elza. Ali, naquele momento e com aquela frase que se concretizou nossa amizade.

Forte, Elza não admitia meios-termos, por exemplo, quando desconheciam sua profissão e as respectivas funções de uma Secretária Executiva. Com orgulho e competência, Elza ostentava o trabalho desempenhado em multinacionais lá em Campinas, interior de São Paulo, onde ainda mora. “Imagina se sou menininha de recados! Sou uma Secretária Executiva!” o que, entre outras peculiaridades, era manter gavetas vazias. “Jogo tudo fora! Guardo por três, quatro meses, ninguém pediu, não serve para nada, jogo fora!”

O desapego para com papeis também facilitou mudar de cidade quando o diretor da poderosa Johnson veio para São Paulo. Não abriu mão da secretária e Elza veio morar no Bexiga. A moça alta e bem vestida chamou a atenção da vizinhança e foi avisada pelo porteiro: “D. Elza, a senhora ponha um lenço na cabeça, um chinelo de dedo e vá caminhar pela vizinhança. Assim saberão que a senhora é daqui e a gente evita assaltos”. Ela obedeceu e, devidamente paramentada, visitou açougue, quitanda, padaria, supermercado.  

Inquieta, um dia fui me encontrar com Elza na Praça da Sé. Ela vinha com razoável frequência comprar joias naqueles prédios sombrios, dos quais muita gente tem medo. “Vendo tudo para a mulherada lá da empresa. Vou de mesa e mesa e não sobra nada!” Essa característica de ter uma conversa fácil, sempre objetiva, faz com que ela se oriente pela cidade, pelos lugares onde visita. “Olha que chic! Tive covid em Paris! Fiquei trancada, me tratei, deu tudo certo.”

Um dia, bem antes da pandemia, chegou o momento da aposentadoria. “Uma porcaria! Imagina só a aposentadoria. Prestei concurso e fui ser professora primária aos 60 anos! Você acredita?” Acredito, e imagino o jeito sincero e despachado ensinando inglês para as crianças da escola pública. Não só o magistério, ao invés de fazer terapia, estudou psicanálise. “Melhorei muito e já tive muitos clientes. Atendi até online, durante a pandemia”. Imagino-a nas tarefas, sempre objetiva, indo direto ao ponto. “Ah, não gosto de enrolar, não”.

De repente nos reencontramos. Quanto tempo sem que nos víssemos! Outras tantas controvérsias. Sabíamos da morte de nossos pais, da perda de irmãos. De quem estava casado, quem se separou. O que interessa é seguir em frente: “Quero ler seus livros!” E os leu, com longos telefonemas entre um e outro, no meio de capítulos, fazendo o escritor ir ao céu. Aliás, é bom registrar, quando tive um conto premiado e publicado em uma revista, lá em 1982, foi Elza a primeira a ler e a me dar notícia. Ela estava de férias! “Valdo, li seu conto! Parabéns”. Ler é um vício e, neste momento, deve ter terminado a biografia da Clarice Lispector, escrita por Benjamim Moser.

Elza gosta de falar da família, dos pais, do empenho desses para que ela fosse estudar, da vida dura vivida com dignidade. Do trabalho feito com presteza, das dificuldades em, sendo mulher, viver e enfrentar situações delicadas no mercado de trabalho. Inquieta sempre, segue os rumos da política e lamenta os equívocos de quem está lá, pensando que a terra é plana.

Sendo uma moça feliz, é claro que namora. E foi há poucos dias, quando eu pensava que ela estivesse ainda em tratamento, recebi a notícia. “Estou no Rio!”. Sei bem a motivação carioca e respeitando o momento feliz vivenciado por minha amiga evitei falar do meu atual problema de saúde. Só quando ela voltou é que, com a gravidade de quem nasceu no mesmo dia que Maria Bethânia, narrei minha situação, aguardando a piedade e o consolo da amiga que transcrevo parcialmente abaixo:

“Oi, Valdo, querido! Grande coisa você tá me contando! Esse zumbido, é difícil alguma pessoa que tenha passado dos 60 anos não ter, viu meu querido! Eu já tenho, minha irmã tem muito mais forte que eu e a gente aprende a conviver com isso. Não esquente a cabeça!” Aqui ela, terapeuta e ex-funcionária da Johnson & Johnson,  tratou de me recomendar um remédio para momentos de crise. E após o medicamento, com nome genérico e comercial, concluiu: “E dê-se por feliz, tá bom, querido, vai escutando o barulhinho aí e desliga. Beijo!” E riu, concluindo a gravação.

Meu “drama” foi por água abaixo! E voltei a pensar na boa sorte de ter uma amiga assim, direta, cheia de bom humor e empatia. É assim, a gente tem essas coisas que o tempo nos dá. E que bom estarmos vivos para, se não conseguimos evitar as chateações da vida, em contrapartida temos amizades como a de Maria Elza Sigrist, que nos leva a dormir tranquilos para, acordados, olharmos para o lado bom de viver.

Para Elza e todos os amigos que me acompanham nesses 901 posts!

Obrigado!

Para os melhores amigos…

As melhores canções. Não dá pra escolher uma, porque há muitas e todas são emocionantes. Cada um tem a sua preferida e neste post estão aquelas que me ocorrem sempre quando penso nos meus grandes amigos (todos eles são melhores!)…

Para ler este post, seja manhã, tarde ou noite, clique aqui para ouvir Abílio Manoel. A canção é a inspiração básica para entrar no clima e relembrar outras sobre amizade. “Bom dia, amigo” é uma composição interpretada pelo autor, Abílio Manoel. Cantei muitas vezes essa música com grupos de criança e ao pensar esse texto, foi inevitável relembrá-la. Então, clique e deixe o som de fundo para continuar a ler.

Um lugar assim, para conviver com meus amigos.

Algumas canções são tiro e queda quando o tema é amizade. Em qualquer lista aparece, sem delongas, “Canção da América”, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Quem pode negar que “Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”? O mais difícil desta música é escolher entre a interpretação de Elis Regina (clique para ouvir) e a do próprio Milton Nascimento; mas, essa é outra questão.

Outra que não falta em uma provável lista também é figurinha carimbada, presente em todo e qualquer boteco onde cantar ainda é possível: “Amigo é Pra Essas Coisas”, composta por Silvio da Silva Jr. e Aldir Blanc. Um diálogo transformado em sambinha dos bons;  marcou toda uma geração que sabe que “tua amizade basta” e que “o apreço não tem preço”. A interpretação do MPB-4 é imbatível.

Amigo que é amigo escuta, atentamente, todas as nossas agruras amorosas. Quando apaixonados, se o amor está em crise, diante de uma nova paixão, encucados por uma desavença, só mesmo um amigo pra nos ouvir. Para amores complicados Roberto Carlos e Erasmo Carlos criaram uma verdadeira obra-prima: “Amiga”. Originalmente a música foi criada especialmente pelo desejo de Roberto Carlos gravar com Maria Bethânia. Veja-os, em 1982.

Shangrila, para sonhar um lugar ideal para grandes amigos.

Foi nos anos 80 que Djavan criou “Nobreza”. Talvez a mais bela canção para a amizade verdadeira entre dois homens. Os versos são ousados para ouvidos conservadores e, provavelmente por isso, a música não é tão comum em bares e similares. É difícil para a maioria dos rapazes, mesmo diante do melhor amigo, cantar “uma bela amizade é assim: dois homens apaixonados…” Talvez um dia a coisa mude de rumo; mas que é uma belíssima música, é só ouvir e comprovar.

Chico Buarque, o melhor de todos os nossos compositores, criou com Francis Hime “Meu Caro Amigo”. É uma carta em forma de chorinho, para soltar o gogó amaciado por uma boa cerveja. E como amigo verdadeiro assume a família do outro, “a Marieta manda um beijo para os seus, um beijo na família, na Cecília, nas crianças…”

Se você chegou até aqui já leu minhas escolhas para a música preferida sobre amizade. Sinta-se livre para indicar outra fora desta relação, que talvez eu não conheça ou tenha deixado de fora. Caso indique outra, não deixe de mencionar os autores. Eles merecem.

Nosso Lar, para viver todas as vidas com meus amigos

A vida me presenteou com amigos incríveis – muitos! – só entendo uma música para expressar o que sinto por meus amigos; é a canção que escolhi para concluir este, na voz suave e inesquecível de Mercedes Sosa: Los Hermanos, de Atahualpa Yupanqui. Se você é realmente meu amigo, esta canção é pra você.

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Bom final de semana!

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Até!