Ramiro em Birigui

Muito bom ter a continuidade de Um presente para Ramiro em novas apresentações. Abaixo a transcrição da divulgação feita pelo SESI Birigui, onde estaremos dia 11 próximo.

(Frame do site do SESI. A foto é de João Caldas).

 Por: Letícia Estella de Lima – Sesi Birigui

“Um Presente Para Ramiro” é um espetáculo infantojuvenil que ensina, de forma lúdica e com bastante humor, como as crianças podem se organizar para realizarem seus sonhos. O Teatro do Sesi Birigui recebe a peça no dia 11 de fevereiro (sábado), às 16h. A entrada é gratuita e as reservas podem ser feitas pelo Meu Sesi.

O espetáculo apresenta Ramiro, um garoto que, no aniversário de 12 anos, faz uma lista com presentes caríssimos e não aceita ficar sem presentes. Com a ajuda de Fortuna (um cofre em forma de porco falante), Valentina, prima de Ramiro, o vovô Miguel propõe diferentes viagens e brincadeiras através dos sonhos, conhecendo, entre outras coisas, história dos pais de Ramiro. Com muito humor e imaginação Ramiro aprende que para realizar os desejos é necessário organização e planejamento.

O trabalho partiu de uma pesquisa sobre como as crianças lidam com a realidade financeira da família, revela o diretor Valdo Resende. “Durante meses nós estudamos esse tema e somamos a isso a nossa experiência em falar com esse público infanto-juvenil e, consequentemente, com os pais, pois são eles que levam os filhos ao teatro. Usamos uma linguagem própria para a idade para mostrar que há um valor real e concreto para as coisas e que precisamos de planejamento, investimento e economia para consegui-las”, comenta. 

A encenação evidencia a importância do valor real das coisas e não a importância do ter o que é caro, o que está na moda, o que dá status. Trata, ainda, do egoísmo em contraposição aos valores familiares. Dessa forma, apresenta e valoriza os brinquedos simples, antigos. “Resgatamos alguns brinquedos que estão desaparecidos, mas ainda permeiam o imaginário das pessoas. E a nossa cenografia (assinada por Djair Guilherme) é construída como um brinquedo que se monta e desmonta. Não temos um cenário na própria concepção da palavra, mas elementos cenográficos que vão compondo os ambientes onde as cenas ocorrem. A encenação se baseia em um teatro no qual as ações são construídas a partir do movimento dos atores, a partir da maneira com qual eles manipulam os elementos cenográficos”, explica Resende. 

Ficha Técnica

Criação/Idealização: Kavantan & Associados-Projetos e Eventos Culturais | Dramaturgia: Valdo Resende | Direção: Valdo Resende | Elenco: Conrado Sardinha, Isadora Petrin, Neusa de Souza, Roberto Arduin e Rogério Barsan | Trilha: Flávio Monteiro | Cenografia: Djair Guilherme | Iluminação: Ricardo Bueno | Operação de luz: André Santos | Operação de som: Willian Gutierrez | Direção de produção: Sonia Kavantan | Produção: Tiago Barizon | Realização: SESI-SP

Presépios, para contar uma bela história

Ronaldo, Inimar, Marquito são os anjos. Anivaldo e Terezinha, os pais. Daniel, o menino Jesus.

Rituais nos ajudam a entender o tempo, a caminhar e seguir em frente sabendo que, independendo da nossa vontade, o futuro vem e não sabemos como esse será. O Natal nos sinaliza o começo ou recomeço de tudo. Há em toda a festa natalina evidentes sinais de esperança, fraternidade, recomeço e a fé de que algo bom nos virá. Que seja assim!

Um presépio materializa a ideia de nascimento, símbolo essencial de renovação do nosso cotidiano. Historicamente criado por São Francisco de Assis, um arremedo de teatro em que as personagens principais são uma criança vigiada pelos pais em uma estrebaria. É esse local onde ficam cavalos e, no intenso inverno italiano, outros animais são abrigados do frio. Sabe-se lá quais animais estiveram em Belém, na estrebaria original.

Enquanto representação desejada pelo Santo de Assis, o nascimento do menino Jesus já nasceu “fake”, para usar uma palavra atual. Teatro bem popular, feito a pedido de Francisco em 1223, sem pesquisa profunda quanto a adereços, vestuário e cenário, contando uma história ocorrida havia mais de mil anos, o primeiro presépio se constituiu em uma interpretação feita por um grupo de fiéis. O fato se espalhou e é repetido aos milhares a cada ano.

Essa dimensão teatral da representação do nascimento de Cristo é algo extraordinário! Contam que essa primeira vez foi com uma cena mais ou menos estática; diante dela o Santo fez orações. Teatro simples, vivíssimo! Certamente um animal se mexeu, fez algum ruído. Todos os componentes da cena respiraram! A criança pode ter chorado. Cena mais ou menos muda, feita de movimentos sutis e de calor humano.

 A notícia caminhou com a biografia do santo e os presépios se multiplicaram. De um lado materialmente: certamente já foram feitos presépios de todo e qualquer material manipulado pelo homem; do outro, os chamados “presépios vivos”: a representação inicial feita em igrejas e salões paroquiais ganharam o mundo, ocorrendo em todos os continentes, feitas por todas as raças. A criatividade humana é ilimitada.

Nosso presépio em 2022. Uma saudável mistura onde o que vale é ser feliz.

Dezembro é mês em que os presépios ganham espaço dentro de lares cristãos. Sem a neurose da representação realista, sem a obrigatoriedade da recriação documental, montar um presépio é momento de puro deleite. Há gente que gosta de repetir a mesma montagem herdada de pais e avós, com as mesmas imagens e o mesmo cenário e são felizes assim.  Há outros que deliram e fazem da montagem anual um intenso exercício de composição visual. São felizes também.

O ciclo da vida de Cristo termina em outro momento fartamente representado. Somando as encenações dos Presépios Vivos mais a Paixão de Cristo temos, sem dúvida, a maior expressão de teatro realmente popular do chamado mundo cristão. Quantos milhões de vezes tivemos essas representações? Atos religiosos representados em um espaço cênico. Assim nasceu o teatro no culto a Dioniso. E esse momento religioso, sem a pretensão da arte e livre de todas as complicações teóricas, é teatro puro, ingênuo, que reflete os modos e formas de vida de quem o faz. Sobretudo, expressão de fé!

O ato de nepotismo mais contundente da minha vida foi colocar Daniel, o meu irmão caçula, como Menino Jesus em uma manjedoura. Guardo três montagens natalinas na lembrança, primeiros exercícios do meu fazer teatral: uma foi metafórica, usando músicas de Chico Buarque e Paulinho da Viola na trilha sonora. Outra, mais complexa, inseria o nascimento de Jesus em um painel onde outras histórias ocorriam em paralelo. A primeira, mais simples e tradicional, foi a que o diretor colocou sem qualquer constrangimento os melhores amigos, Ronaldo e Marquito, como anjos e o irmão como o Cristo. Ontem, terminando de compor meu primeiro presépio aqui em Santos, todas essas lembranças vieram, de quando criei, junto a amigos e colegas, versões particulares para contar uma singela e bela história.

Feliz natal!

Língua brasileira! Tom Zé no Mirada

Língua Brasileira: Foto:_Matheus-Jose-Maria

Neste domingo vai ser um final e tanto do Mirada, o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas do Sesc Santos. Iniciado no dia 9 tenho indicado e comentado sobre o que consegui acompanhar. Montagem do Coletivo Ultralíricos com canções inéditas de Tom Zé, Língua Brasileira parte da canção homônima do disco Imprensa Cantada, lançado em 2003:

Quando me sorris
Visigoda e celta
Dama culta e bela
Língua de Aviz…

Tom Zé, aos 85 anos, continua instigante e um dos mais criativos compositores brasileiros. Sobre a velhice e a montagem, o compositor disse: “tem algumas coisas que vão se diluindo, mas na paixão que eu tomei por essa peça, eu virei criança outra vez!”.

“Seis atuantes e quatro músicos dão a ver e ouvir a epopeia dos povos que formaram o português falado no Brasil, seus mitos e cosmogonias, passando pelas remotas origens ibéricas, por romanos, bárbaros e árabes, pela África e a América Nativa.

A montagem passeia pelo inconsciente de nossa língua, suas graças e tragédias, seu “esplendor e sepultura”, paradoxo presente em verso do poema de Olavo Bilac (1865-1918) que leva o mesmo nome do espetáculo”.

O Mirada trouxe 36 obras de 13 países, sendo Portugal o país homenageado pelo evento. Nada melhor do que ver, entre os trabalhos deste domingo, dia 18, Língua Brasileira, trabalho que reflete sobre o “esplendor e sepultura” da nossa língua considerando – conforme o diretor Felipe Hirsch: “quase 200 línguas em extinção, sendo mais de uma dúzia delas faladas por pouca gente; três, quatro pessoas originárias. “E, no entanto, o Brasil está aprendendo a entender um pouco disso, do esplendor da mistura dessa língua, e da sepultura. Essa perpetuação da escravidão, o extermínio de povos nativos indígenas, e várias línguas consumidas por isso”, diz, situando que não se trata de peça didática, tampouco de tese, mas poética”.

Com ingressos esgotados desde o anúncio e abertura de venda dos ingressos, fica registrado aqui para a direção do Festival para que, na próxima edição, tenha mobilidade e reserva de verba e espaço para ampliar o número de apresentações dos espetáculos oferecidos. Vários dos trabalhos não consegui ingressos, o que, felizmente, não aconteceu com Língua Brasileira.

Ficha técnica da montagem

Língua Brasileira. Foto:_Matheus-Jose-Maria

Uma peça dos Ultralíricos e Tom Zé
Direção geral Felipe Hirsch
Música e letras Tom Zé
Elenco Amanda Lyra, Danilo Grangheia (Gui Calzavara), Georgette Fadel, Josi Lopes, Pascoal da Conceição e Rodrigo Bolzan
Direção musical Maria Beraldo
Músicos Biel Basile, Fernando Sagawa, Ivan Gomes e Luiza Brina
Músicos (em alternância) Gustavo Sato, Cuca Ferreira, Gabriel Basile e Daniel Conceição
Diretora assistente Juuar
Dramaturgia Ultralíricos, Felipe Hirsch, Juuar e Vinícius Calderoni
Dramaturgista/consultor geral Caetano Galindo
Direção de arte Daniela Thomas e Felipe Tassara
Iluminação Beto Bruel
Figurino Cássio Brasil
Design de som Tocko Michelazzo
Preparação vocal Yantó
Design de vídeo Henrique Martins
Difusão internacional Ricardo Frayha
Direção de produção Luís Henrique Luque Daltrozo

Mitologia Africana para um novo mundo

Mais uma indicação deste blog para ver no Mirada, o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas do Sesc – Santos, com material extraído da divulgação do evento:

Cosmos, de Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema. Foto: Filipe Ferreira

“Um grupo tem como missão encontrar um manuscrito com indicações para a criação de um novo mundo. Enquanto segue as pistas para a sua localização, viaja no tempo e no espaço. E nessa jornada interplanetária, apercebe-se da existência de vários mundos antecedentes ao seu, que resultaram desse mesmo escrito à mão”.

“Cosmos”, com apresentações nos próximos 17 e 18/09 no Teatro Brás Cubas, “nasce da vontade das artistas de origens cabo-verdiana, angolana e portuguesa de revisitar a mitologia africana e usá-la para propor a apresentação de um mito inédito sobre o nascimento de um novo mundo. Pretende criar uma fusão entre a ancestralidade e a ciência, aliada ao dever de missão”.

Cosmos, de Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema. Foto: Filipe Ferreira

Cléo Diára nasceu em Cidade da Praia, Cabo Verde. Mudou para Lisboa na infância. Isabél Zuaa tem origem portuguesa com ascendências na Guiné-Bissau e Angola. Nádia Yracem nasceu em Luanda, Angola. São as criadoras de “Cosmos”.

“’A partir de uma ideia de migração interplanetária, procuramos outras formas de entender os conceitos de fronteira, família e existência. Unimos a tragédia ao afrofuturismo para ilustrar esta ideia tendo como única emoção-guia o amor transcendental’, declara o trio em informe da temporada de estreia em meados de 2022 no Teatro Nacional D. Maria II – mesma casa em que despontou com “Aurora Negra” (2020), acerca da invisibilidade dos corpos negros nas artes da cena”.

A montagem está entre os espetáculos vindos de Portugal, país homenageado nesta edição do Mirada. Informações de horários e ingressos no link: https://mirada.sescsp.org.br/apresentacoes/cosmos/

Ficha Técnica

Direção artística e criação Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema
Interpretação Alberto Magassela, Ana Valentim, Bruno Huca, Cleo Diára, Isabél Zuaa, Luan Okun, Mauro Hermínio, Nádia Yracema, Paulo Pascoal e Vera Cruz
Apoio à dramaturgia Melissa Rodrigues
Apoio à criação Mário Coelho e Inês Vaz
Coreografia  Bruno Huca
Cenografia Tony Cassanelli
Confecção de cenografia Rodrigo Vasconcelos
Música original e sonoplastia Carolina Varela, Nuno Santos (XULLAJI) e Yaw Tembe
Instrumentais de cordas Desordem do Conceptual Branco – Cire Ndiaye, Suzana Francês, Florêncio Manhique, Mbye Ebrima, Sebastião Bergman e Evanilda Veiga
Voz off Carolina Varela, Caroline Faforiji Odeyale e Rogério de Carvalh
Tradução Irubá Olusegun Peter Odeyale
Figurinos Eloísa D’ Ascensão e Mónica Lafayette
Confecção de figurinos Myroslava Volosh, Salim e Atelier Termaji
Adereços Almost Black, Eloísa d’Ascensao, Jorge Carvalhal e Rodrigo Vasconcelos
Direção técnica Manuel Abrantes
Operação de som Ana Carochinho
Vídeo Elvis Morelli, Maria Tsukamoto e Tiago Moura
Desenho de luz Eduardo Abdala
Produção Cama AC |
Administração e direção Daniel Matos e Joana Duarte
Direção de produção Maria Tsukamoto
Produção Executiva Ana Lobato 
Fotografia da imagem do cartaz Marco Maiato  
Fotografia de cena Filipe Ferreira 
Residência de coprodução O Espaço do Tempo 
Coprodução Teatro Nacional D. Maria II 
Produção Cama AC 
Administração e direção Daniel Matos e Joana Duarte 
Produção no Brasil Cassia de Souza – radar cultural gestão e projetos 

Duas Lauras. Uma, Laurinda!

Um filme de 1944, Laura foi o título e personagem interpretada por Gene Tierney. Belíssima! Em música há uma Laura, feita pelo Braguinha, outra, pelo Antônio Carlos & Jocafi e, entre outras, a Lady, que o Roberto Carlos fez para a própria mãe. Agora me pergunto se Laura, a Pausini, gravou alguma canção com o próprio nome tal qual outras cantoras o fizeram. Chega de prolegômenos, vamos às Lauras que me motivam a escrever este texto.

Há uma Laura que reverenciarei enquanto for vivo, tiver memória, for capaz de pensar. Foi minha mãe! E a outra conhecida Laura está, como minha mãe, com 95 anos. Essa outra Laura, nasceu Laurinda. Laurinda de Jesus! Lindo nome e, até onde me dou conta, a dona faz jus a este e ao que escolheu como nome artístico: Laura Cardoso.

Longe de mim comparar mamãe com a grande atriz! Mas gosto da ideia de ver Laura Cardoso, além de grande atriz, também grande mãe, avó, mulher! Não necessariamente nessa ordem, embora tenho cá comigo que ela primeiro se define como atriz. Sorte nossa! Colocando a profissão em primeiro plano, Dona Laura Cardoso vem nos brindando com papeis memoráveis, presença marcante pelo trabalho impecável.

Antes de citar alguns trabalhos quero enfatizar a mulher que percebo: carreira que comprova seriedade incomum para com a profissão; ética que a coloca entre as pessoas confiáveis só com a presença física: paixão pelo ofício que a faz assumir-se como é, sem subterfúgios, sem recursos que não a própria expressão, o uso do próprio corpo e voz. Dona Laura Cardoso chega aos 95 anos com um rosto absolutamente humano que pode ser a face de uma avozinha, de uma prostituta, uma víbora, uma santa, uma milionária ou uma pobre camponesa.

Dos trabalhos televisivos quero lembrar dois. A Viagem e Mulheres de Areia, ambas originais de Ivani Ribeiro. Optei por esses por Dona Laura, nesses trabalhos, mostrar faces distintas de uma mesma personagem.

Como Dona Guiomar, em A Viagem, a atriz foi a simpática sogra que, obsidiada, transforma-se em megera intragável, até conseguir livrar-se do espírito vilão, interpretado por Guilherme Fontes. Com a delicadeza e sofisticada simplicidade, a atriz se transformava seguindo o que o outro exigia.

Em Mulheres de Areia o trabalho de Dona Laura Cardoso foi tão ou mais sútil e, por isso mesmo, rico em nuances. Isaura, mãe das gêmeas Ruth e Raquel, deixava evidente uma aparente proteção à vilã Raquel em detrimento da outra filha, personagens de Glória Pires. Cúmplice chantageada por Raquel, Isaura mostra o amor pela outra filha por não gostar de ouvir o que Raquel dizia de Ruth. E a novela tomou outro rumo.

Há muitos e grandes trabalhos da atriz em novelas, especiais, programas de humor. Todavia, foi no teatro que tive a oportunidade de ver um dos trabalhos que ficariam entre os melhores que presenciei. Já a conhecia de outras montagens, me apaixonando quando a vi em “Vem buscar-me que ainda sou teu”, dirigida por Gabriel Vilela no texto de Carlos Alberto Soffredini, em 1990. Todavia, três anos depois, viria o momento preferido.

Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, já havia sido montada em 1964 pelo diretor Antunes Filho, no TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, que retomou o texto em 1993, com Laura Cardoso e Luís Melo encabeçando o elenco do Teatro Sesc Anchieta. Texto que continua caindo como luva para a realidade brasileira, Vereda da Salvação tem como temas centrais a desigualdade social, a falta de liberdade e a religião enquanto fenômeno que leva indivíduos para rumos extremos.

Na personagem Dolor estão faces distintas de uma mulher sofrida que ficam evidenciadas através da atuação de Dona Laura. A personagem vivia o drama, baseado em fato ocorrido em Minas Gerais, de um grupo de agricultores em conflito com latifundiários e, ao mesmo tempo, nas mãos de um líder fanático, papel de Luís Melo. Em dado momento, a personagem de Laura dizia coisas, aqui extraídas do texto original, de Jorge Andrade, que dão uma ideia do estofo necessário para que uma atriz faça tal personagem:

– Estou cansada, Joaquim. Quero parar.

– Escuta uma coisa, meu filho: sem filho a gente não pode melhorar. Filho é que é riqueza de pobre. Eles dá despesa quando miúdo, mas ajuda bastante quando cresce.

– Pra todo lado que a gente vai… tem sempre alguma coisa pondo desordem na vida, Ana.

– Meus olho e meu corpo deitou mais água na terra que as nuvem do céu…

– Pode atirar, corja do demônio!

É possível que outras atrizes interpretem tal personagem. Poucas com a verdade dessa senhora, a aniversariante que presto singela homenagem. 95 anos e um rosto marcado de histórias, cheio de jovialidade e vida. Dona Laura costuma dizer em entrevistas que é preciso muito estudo, muita entrega para realizar um bom trabalho. Que uma atriz não carece de nada além da própria capacidade expressiva e esta vem através do estudo, do ensaio, do trabalho. Ostenta uma carreira que comprova o resultado de dedicação, esforço, entrega.

Essas Lauras! Fortes, generosas, inesquecíveis. Hoje lembro muitas Lauras, feliz por poder recordar e associar as duas mais queridas. Minha mãe e Laura Cardoso, a quem desejo tudo o que há de melhor que alguém possa ter.

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Nota: as fotos que ilustram esse texto foram colhidas no Instagram e em páginas que homenageiam a atriz.

O corpo nu

Creio ser o teatro, entre as demais formas expressivas, que expõe com força ímpar e inequívoca o corpo humano. Há paralelos em fotos, filmes, pinturas, gravuras, mas é no palco que o ser humano é exposto em contato direto com uma plateia que respira, suspira, tosse… É possível contar com o “apoio” de luz, cenários entre os vários recursos cênicos, mas é o ator que, com a segurança do fingidor (para lembrar Pessoa) transita pelo espaço expondo e expondo-se.

Nesses próximos dias teremos dois espetáculos no Mirada, o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, evento do Sesc Santos, onde o corpo nu estará em cena. Nos dois trabalhos, a memória é o motor chave, seja em questões que envolvem toda a trajetória do indivíduo, seja em momentos pontuais que marcam vidas.

FUCK ME, Marina Otero

Fuck Me Foto divulgação: Diego Astarita

Uma frase de Marina Otero diz muito sobre o tema: “… Tudo o que não é dito, o que está ausente e até o que a memória não registra está aí, sobre ou sob a carne. Ausências que se tornam matéria e que, mais cedo ou mais tarde, se evidenciam”.

Parte de uma série iniciada pela criadora, intérprete e diretora da Argentina, Fuck Me é a montagem que veio após Andrea (2012) e Recordar 30 Años para Vivir 65 Minutos (2015-2020). Marina Otero “investiga a passagem do tempo e as marcas que se mantêm um corpo, percorrendo as fronteiras entre documental e ficção, dança e performance, acidente e representação”.

A peça tem apresentações nos dias 15 e 16 próximos, no Sesc Santos.

O QUE MEU CORPO NU TE CONTA? Coletivo Impermanente

O que o meu corpo nu te conta? Foto divulgação: Otto Blodorn

Com apresentações apenas no dia 16, 17h e 19h no Teatro Rosinha Mastrângelo, o Coletivo Impermanente se mostra em cena via minissolos de autoficção com temas que envolvem assédio sexual, machismo, homofobia, etarismo, gordofobia, racismo, pedofilia, infertilidade e compulsão. “Dispostos em um grande tabuleiro Cada atuante alterna a ocupação de um dos 12 espaços cênicos delimitados em cerca de 2 m². O público escolhe qual nicho acompanhar durante as rodadas de quatro minutos, passeando pelo tabuleiro todas as vezes em que o sinal tocar”.

O Coletivo Impermanente, foi criado a partir da junção de atores e atrizes que já caminhavam com o diretor Marcelo Varzea nas três versões do trabalho on-line “(In)Confessáveis” (2020-2021).

FICHAS TÉCNICAS

FUCK ME:

Fuck Me Foto divulgação: Diego Astarita

Dramaturgia Marina Otero
Elenco Augusto Chiappe, Cristian Vega, Fred Raposo, Matías Rebossio, Miguel Valdivieso e Marina Otero
Projeto de iluminação e espaço Adrián Grimozzi
Espaço e iluminação em circulação/direção técnica David Seldes e Facundo David
Figurinos Uriel Cistaro
Edição digital e música original Julián Rodríguez Rona
Consultoria de dramaturgia Martín Flores CárdenasAssistência de direção Lucrecia Pierpaoli
Assistência coreográfica Lucía Giannoni
Assistência de iluminação e espaço Carolina Garcia Ugrin
Artista visual Lúcio Bazzalo
Montagem técnica audiovisual Florencia Labat
Estilo de figurino Chu Riperto
Fotografia Matías Kedak
Figurinista Adriana Baldani
Produção e produção executiva Mariano de Mendonça
Distribuição T4/Maxime Seugé & Jonathan Zak
Coprodução Festival Internacional de Buenos Aires (FIBA)
Coordenação técnica no Brasil Bruno Garcia
Assistente de produção no Brasil Carla Gobi e Claudia Torres
Assessoria Jurídica no Brasil Martha Macruz de Sá
Produção no Brasil Pedro de Freitas – Périplo

O QUE MEU CORPO NU TE CONTA?

O que o meu corpo nu te conta? Foto divulgação: Otto Blodorn

Criação, dramaturgia e direção Marcelo Varzea
Atuação e textos Coletivo Impermanente
Elenco Agmar Beirigo, Ana Bahia, André Torquatto, Bruno Rods, Camila Castro, Conrado Costa, Dani D’eon, Daniel Tonsig, Eduardo Godoy, Ellen Regina, Flavio Pacato, John Seabra, Lana Rhodes, Letícia Alves, Pamella Machado, Renan Rezende, Stephanie Lourenço, Thiene Okumura, Veronica Nobili e Vini Hideki
Direção de movimento Erica Rodrigues
Preparação vocal Lara Córdulla
Iluminação Vini Hideki
Músicas originais Marcelo Varzea e Flávio Pacato
Direção musical Flávio Pacato
Assistência de direção Talita Tilieri
Consultoria teórica Mariela Lamberti
Preparação corporal Veronica Nobili
Design gráfico Bruno Rods
Vídeos e fotos Otto Blodorn e Bruna Massarelli
Assessoria de imprensa Renan Rezende e Katia Calsavara
Produção Coletivo Impermanente Camila Castro
Produção Corpo Rastreado Leo Devitto

Outros detalhes sobre esses e os demais espetáculos em https://mirada.sescsp.org.br/

Thea²trumcorpusmundi. Hein?

Ai, que preguiça! Digo eu, lembrando e me assumindo Macunaíma. Diante da coisa, muita coisa, dezenas e dezenas de coisas… Instalação. Hum! Tá. O jeito é sapear para ver no que dá, mas, ai que preguiça!
Epa! Isso aqui é bom pra brincar:

Entendo, pois me é cômodo, que é melhor deixar também o meu olhar sem alvo estabelecido. Olho para onde quiser que os olhos são meus e ninguém vai me dizer para onde, o quê, por quanto tempo permanecer por aqui.

Muita coisa! Será que o almoço vai demorar?
Coisa boa é ter verba. Dá para fazer um monte! Uma profusão! Uma hipérbole de coisas. E para quem pensa que estou exagerando, é só dar uma espiada:

Não é só perturbação. É grana pra poder gastar. Se tem, faz de montão. E, me parece, que não é para ler tudo, para ver tudo, refletir tudo. A gente dá uma passada de olhos e para no que nos apetece, ou no que nos diz respeito, ou o que pede respeito. Tipo o despacho arriado com as coisas que o despachante achou que devia.

Veja bem o que tem acima… Miséria de três cigarros! Três! Ou será que o povo do cigarrinho achou que era canabis e levou? E cadê a marafo? Esse arriador de terceira, mão de vaca não colocou marafo, umas moedas… tá pensando que é dízimo. Eita! Essa espada é de Santa Rita ou de São Jorge?

Com licença que vou seguir em frente. Paro no seguinte que me chama para brincar:

Sou chegado em coisa “ondulante, maleável, voluptuosa, acariciante…” Espera, o sujeito vai para sílex duro? Esse povo gosta de brincar de que?
Instalação é para isso mesmo. A gente entrar, sentar se quiser, ler se quiser, deixar o olhar caminhar, o interesse chegar, estabelecer um diálogo com a obra. Vou ter que bater papo com a coisa? Ai, meu dindin, que preguiça! Estou pouco disposto a conversações. Inda mais com esse povo de muitas caras! Veja só quantas faces tem o sujeito:

Eu acho que sei quem é o meliante. Acho, sempre acho, porque ninguém sabe realmente quem é qualquer sujeito dos tantos que há por aí. Parece ser, parece não ser, é bonito, é feio, é louco, é são. Tá cheio de coisa dele junto com tudo o mais por aqui. Até uma frase do meliante que gostei por demais:

Nem sabia que o Antonin Artaud fazia premonições… Ele pode romper, por ter essa coisa que a gente briga pra definir… arte! Estilo me parece coisa datada, tão antiga quanto talento que, é sempre bom lembrar, era moeda no tempo dos romanos. Tem talento, faz. Não tem talento, verba, grana, money, dólar, euro, marco… dinheiro vivo (os compradores de imóveis têm), não tem moeda, não faz. Mas, aí… vem o Mirada! O Sesc tem.

O Mirada banca e o povo faz. Fui atrás do nome: Thea²trumcorpusmundi. Hein? O que mesmo? Caramba, quantas vezes vou ter de dizer que sou preguiçoso? Hum… “o título contém o anagrama de Antonin Artaud”. Ah, tá! Que emoção! Será que conseguirei dormir após tamanha revelação.

Há uma areia boa pra se deitar dentro da coisa. Há bancos, mas há um monte de coisa que pode despencar e cair na minha cabeça. É só observar:

Enfim, meu agradecimento para Ricardo Muniz Fernandes, Christine Greiner e Ana Kiffer e mais os colaboradores Isabel Teixeira, Paulo Henrique Pompermeier e Andrea Caruso Saturnino. Devo registrar que me diverti pacas!

Vou nessa, sem antes deixar meu complemento ao que vi:

Uns acreditam em meteoros, outros em cosmogonias, uns nisso, outros naquilo… Eu, tenho preguiça.

Tchau!