
Rituais nos ajudam a entender o tempo, a caminhar e seguir em frente sabendo que, independendo da nossa vontade, o futuro vem e não sabemos como esse será. O Natal nos sinaliza o começo ou recomeço de tudo. Há em toda a festa natalina evidentes sinais de esperança, fraternidade, recomeço e a fé de que algo bom nos virá. Que seja assim!
Um presépio materializa a ideia de nascimento, símbolo essencial de renovação do nosso cotidiano. Historicamente criado por São Francisco de Assis, um arremedo de teatro em que as personagens principais são uma criança vigiada pelos pais em uma estrebaria. É esse local onde ficam cavalos e, no intenso inverno italiano, outros animais são abrigados do frio. Sabe-se lá quais animais estiveram em Belém, na estrebaria original.
Enquanto representação desejada pelo Santo de Assis, o nascimento do menino Jesus já nasceu “fake”, para usar uma palavra atual. Teatro bem popular, feito a pedido de Francisco em 1223, sem pesquisa profunda quanto a adereços, vestuário e cenário, contando uma história ocorrida havia mais de mil anos, o primeiro presépio se constituiu em uma interpretação feita por um grupo de fiéis. O fato se espalhou e é repetido aos milhares a cada ano.
Essa dimensão teatral da representação do nascimento de Cristo é algo extraordinário! Contam que essa primeira vez foi com uma cena mais ou menos estática; diante dela o Santo fez orações. Teatro simples, vivíssimo! Certamente um animal se mexeu, fez algum ruído. Todos os componentes da cena respiraram! A criança pode ter chorado. Cena mais ou menos muda, feita de movimentos sutis e de calor humano.
A notícia caminhou com a biografia do santo e os presépios se multiplicaram. De um lado materialmente: certamente já foram feitos presépios de todo e qualquer material manipulado pelo homem; do outro, os chamados “presépios vivos”: a representação inicial feita em igrejas e salões paroquiais ganharam o mundo, ocorrendo em todos os continentes, feitas por todas as raças. A criatividade humana é ilimitada.

Dezembro é mês em que os presépios ganham espaço dentro de lares cristãos. Sem a neurose da representação realista, sem a obrigatoriedade da recriação documental, montar um presépio é momento de puro deleite. Há gente que gosta de repetir a mesma montagem herdada de pais e avós, com as mesmas imagens e o mesmo cenário e são felizes assim. Há outros que deliram e fazem da montagem anual um intenso exercício de composição visual. São felizes também.
O ciclo da vida de Cristo termina em outro momento fartamente representado. Somando as encenações dos Presépios Vivos mais a Paixão de Cristo temos, sem dúvida, a maior expressão de teatro realmente popular do chamado mundo cristão. Quantos milhões de vezes tivemos essas representações? Atos religiosos representados em um espaço cênico. Assim nasceu o teatro no culto a Dioniso. E esse momento religioso, sem a pretensão da arte e livre de todas as complicações teóricas, é teatro puro, ingênuo, que reflete os modos e formas de vida de quem o faz. Sobretudo, expressão de fé!
O ato de nepotismo mais contundente da minha vida foi colocar Daniel, o meu irmão caçula, como Menino Jesus em uma manjedoura. Guardo três montagens natalinas na lembrança, primeiros exercícios do meu fazer teatral: uma foi metafórica, usando músicas de Chico Buarque e Paulinho da Viola na trilha sonora. Outra, mais complexa, inseria o nascimento de Jesus em um painel onde outras histórias ocorriam em paralelo. A primeira, mais simples e tradicional, foi a que o diretor colocou sem qualquer constrangimento os melhores amigos, Ronaldo e Marquito, como anjos e o irmão como o Cristo. Ontem, terminando de compor meu primeiro presépio aqui em Santos, todas essas lembranças vieram, de quando criei, junto a amigos e colegas, versões particulares para contar uma singela e bela história.
Feliz natal!