Até Quando Você Cabe em Mim?

Crédito: Fe Hernandez

​​Muito feliz em divulgar um trabalho com a participação da minha amiga Lídia Engelberg. Para quem está em São Paulo, ou passar pela capital, a estreia será na próxima sexta-feira, 31 de março. Veja abaixo informações obtidas via material enviado para divulgação da peça.

Até Quando Você Cabe em Mim?

Em uma atmosfera que transita entre o real e o imaginário, quatro mulheres refletem sobre as angústias e os desafios da maternidade. Afinal, o que está por trás do ser mãe? Será que a sociedade está preparada para receber as mulheres e seus filhos? Amor e insegurança, humor e solidão, alegria e desamparo são apenas alguns dos sentimentos que permeiam o espetáculo Até Quando Você Cabe em Mim?, que estreia em 31 de março, no Teatro Sérgio Cardoso.

Idealizado pela atriz e produtora Katia Calsavara e dirigido por Juliana Sanches, do Grupo XIX de Teatro, a peça coloca uma lente de aumento na função materna, muitas vezes vista pela sociedade como um “dom divino” e imaculado. “Há muitas regras para cabermos hoje no papel de mãe. O mundo ainda acredita nessa mulher maravilha, idealizada, mas precisamos problematizar o que cerca a maternidade e os buracos que as mulheres enfrentam, inclusive na relação futura com seus filhos na vida adulta”, fala Calsavara.      

A montagem parte de textos escritos por Calsavara e Sanches e conta também com propostas das atrizes-criadoras. Outro elemento que norteia a dramaturgia é o texto “Parto-Me”, da dramaturga Ângela Ribeiro, que fala da solidão de uma mãe que acaba de parir. “A Ângela traz uma crueza enorme no texto dela que veio ao encontro de muita coisa que eu vinha escrevendo e pesquisando desde que me tornei mãe, há oito anos”, explica Calsavara.  

Juliana Sanches conta que a aposta em um ambiente branco, quase hospitalar e sem detalhes, remete a essa solidão do puerpério, fase logo após o parto na qual muitas mulheres convivem com a depressão e a pressão social em estarem logo prontas para voltar “ao mundo real”. O figurino também é representativo desse momento de incertezas. “A camisola é uma roupa leve, que tem delicadeza, feminilidade e sensualidade, mas também remete ao ambiente doméstico. Precisamos lembrar que uma mãe continua sendo uma pessoa”, explica Sanches.

“O processo de criação foi muito forte. Eu tinha algumas certezas quando entrei e acho que não as tenho mais. Já mudei bastante nesses meses em que estamos juntas, principalmente em relação ao tempo do cuidado, que é tão desvalorizado na nossa sociedade. Não dá para cobrar cuidado quando a sociedade não dá a menor condição para acolher essas mulheres. Então, que sociedade é essa?”, questiona a diretora. 

Ficha técnica

Idealização: Katia Calsavara. Direção: Juliana Sanches. Dramaturgia: Katia Calsavara e Juliana Sanches. Provocação dramatúrgica: Ângela Ribeiro. Assistência de Direção: Davi Tostes. Atuação: Katia Calsavara, Lídia Engelberg, Thiene Okumura e Ericka Leal. Figurinos: Dayse Neves. Trilha sonora: Fábio Ock. Assessoria de imprensa: Adriana Balsanelli. Produção: Joana Pegorari e Davi Tostes 

Serviço:

Até Quando Você Cabe em Mim?

Estreia dia 31 de março no Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno.

Rua Rui Barbosa, 153. Bela Vista – São Paulo/SP

Temporada: De 31 de março a 16 de abril de 2023 – Sexta a domingo, às 19h.

Classificação: 14 anos

Duração: 60 minutos. 

Ingressos:R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia-entrada).

“Arte Afro-brasileira: um termo em controvérsia”

Bom retornar e divulgar um evento em Fortaleza, onde estão muitos amigos, aqui destacando a querida Cecilia Calaça:

A Pinacoteca do Ceará recebe nesta sexta-feira, 24 de março, às 18h, a aula aberta “Arte Afro-brasileira: um termo em controvérsia”, com Cecília Calaça e Claudinei Roberto da Silva. A atividade conta com acessibilidade em Libras.

A aula aberta faz parte da programação do Ateliê de Pesquisa e Crítica, que propõe oferecer embasamento teórico e ferramentas para quem deseja escrever sobre arte ou se aprofundar na história e nos fundamentos da crítica, além de incentivar futuras pesquisas na área.

📌Sobre Cecília Calaça:
Reside em Fortaleza, onde atua como artista visual e pesquisadora independente da arte Afrocentrada. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará – FACED, e Mestra em Artes Visuais pela UNESP. Coordenadora da linha de pesquisa Africanidades Brasileiras e vice-líder do Grupo Meio Fio de Pesquisa e Ação vinculado ao Projeto de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFCE/Fortaleza.

📌Sobre Claudinei Roberto:
Professor, curador, artista visual. Licenciado pelo Departamento de Arte da USP. Faz parte do Conselho Curatorial do Museu de Arte Moderna de São Paulo na gestão 2019-2023 e do comitê curatorial do 37º Panorama da Arte do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Coordenou o Núcleo Educativo do Museu Afro Brasil. Coordenador Artístico Pedagógico do projeto multinacional “A Journey through African diáspora” do American Alliance of Museums em parceria com o Museu Afro Brasil e Prince George African American Museum 2011. É membro da Academia Brasileira de Críticos de Arte.

➡ PROGRAME-SE!
Aula aberta “Arte Afro-brasileira: um termo em controvérsia”, com Cecília Calaça e Claudinei Roberto da Silva.
Com acessibilidade em Libras
24/03 | sexta-feira | 18h
Na Pinacoteca do Ceará | Ateliê 1
Capacidade de 60 pessoas, por ordem de chegada

Fonte: divulgação do evento

Sueli Costa “parte, e vai-se embora”

Penso que bastaria uma canção para colocar alguns artistas no topo junto aos melhores de todo o sempre. Algo como “Coração Ateu”, que garantiu para Sueli Costa lugar cativo no coração de quem ouviu a canção na voz de Maria Bethânia.

Acontece que a carioca Sueli, que se criou em Juiz de Fora, Minas Gerais, fez muito mais: Alma, para Simone; Primeiro Jornal, em parceria com Abel Silva, para Elis Regina e por aí foi, e por aí vai ficar na memória da música brasileira. A notícia da morte de Sueli Costa chegou nessa manhã, por aqui nublada e sombria. Pensei imediatamente no Romanceiro da Inconfidência, em Cecília Meirelles e no Romance XII, ou de Nossa Senhora da Ajuda, que canto sempre pela melodia criada por Sueli. É simples, suave, profundo e triste, muito triste:

Nossa Senhora da Ajuda

Entre os meninos que estão

Rezando aqui na capela

Um vai ser levado à forca

Com baraço e com pregão!

Salvai-o Senhora,

com o vosso poder

Do triste destino

que vai padecer

Pois vai ser levado à forca,

Para morte natural

Esse que não estais ouvindo

Tão contrito de mãos postas

Na capela do Pombal.

Lá vai um menino

Entre seis irmãos

Senhora da Ajuda

Pelo vosso nome,

Estendei-lhe as mãos!

Sueli Costa sintetizou o poema sobre o menino Tiradentes. Maria Bethânia interpretou a canção dramaticamente no show – registrado em disco – A Cena Muda. No meu cantinho fiquei esperando e sonhando com o dia em que a compositora musicasse todo o Romanceiro da Inconfidência. No mesmo show Bethânia emplaca outra “parceria” de Sueli Costa, dessa vez com Fernando Pessoa em “A Sonhar eu venci mundos”. É parar por aqui e correr a ouvir o disco. Antes, quero lembrar outras parcerias, outras canções.

Com o uberabense Cacaso, Sueli Costa compôs “Dentro de mim mora um anjo”, e com Abel Silva criou “Jura Secreta”, que colocou Simone ao lado de todas as maiores cantoras brasileiras:

Só uma palavra me devora
Aquela que o meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que eu não sofri…

Vai-se com Sueli Costa um pouco mais da sofisticação das nossas melodias, da poesia tornada canção pelo talento imensurável da compositora. Aqui concluo essa pequena resenha, homenagem e eterna gratidão por tantos momentos embalados por belíssimas canções autorais e outras, com Tite de Lemos, Paulo César Pinheiro, Capinam, Aldir Blanc, Ana Terra… Fica abaixo um registro da parceria de Sueli com Vitor Martins, na voz de Elis Regina: 20 anos Blue!

Obrigado, Sueli Costa!

Anotem: Em janeiro chove. Muito!

Quando se é muito novo a gente não presta atenção em certas coisas. Por descaso, egoísmo, outros interesses enfim. Entretanto há momentos em que a vida nos chacoalha e marca uma data, um mês. Especificamente, estou recordando um fato ocorrido em Janeiro de 1979. Eu morava na Vila Luzita, em Santo André, no ABC Paulista. Recebemos um pedido de socorro desesperado. Um desastre decorrente das fortes chuvas provocou o desabamento de várias residências. Havia muitas vítimas. Algumas mortes.

No local do acidente presenciei algo que apagou o número exato de vítimas, de acidentados, de perdas. Sob um imenso monte de lama estavam duas crianças. Soterradas junto com móveis e paredes de madeira de um barraco que fora o lar de uma família. O pai, cautelosamente, ajudava os bombeiros no resgate. A mãe, como só as mães conseguem, mantinha um fio de esperança de encontrar os filhos com vida. Em vão.

De 1979 até hoje, 44 anos, desconheço meses de janeiro e fevereiro sem os tais “acidentes” decorrentes das chuvas. E há 44 anos, testemunho, se propaga via imprensa que são imprevisíveis. As chuvas são previsíveis! Os acidentes também. Todavia, um subtexto horroroso coloca a culpa no tempo, nas tempestades, nas águas que abastecem nossos rios, que enchem nossas represas, que refrescam nosso corpo e saciam nossa sede.

Nesse exato momento as vítimas do litoral paulista disputam atenção da opinião pública com o carnaval, com o BBB. E com a Guerra da Ucrânia, que levou bilhões monetários dos países dito civilizados, mas que não conseguem enviar quantia similar para resolver a fome e a moradia de gente que acaba tendo encostas perigosas para morar. Vieram líderes políticos de diferentes esferas. Disseram presente! E toca a prometer mudanças.

Quero destacar uma “solução” apresentada pelo Ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes: colocar sirenas que serão acionadas mediante a aproximação de tempestade. E pensei com meus botões que as sirenas que avisam a aproximação de aviões durante guerras não impedem o estrago provocado pelo que trazem: bombardeiros mortíferos. Caríssimo ministro: Parabéns pela ideia! Mas, por gentileza, pode melhorar? Pois para sugestões do tipo, eu mesmo posso me tornar ministro.

Dentre os animais, diz a ciência, somos os únicos que provocamos o que nos mata: desmatamos, sujamos mares, rios e lagos, jogamos veneno em nossas lavouras, acabamos com florestas e a diversidade ambiental em favor de monoculturas… Tudo isso e muito mais que por aqui vem ocorrendo há mais de 44 anos. A terrinha foi invadida por depredadores portugueses que vieram para desmatar, buscar ouro, escravizar gente que, em seguida, foi relegada ao tempo, ao vento, às tempestades. Temos mais de 500 anos de problemas que são jogados para depois.

Janeiro. Triste janeiro no litoral paulista. Alguém que não conheço citou As Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, cuja dedicatória sempre me divertiu:

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes

do meu cadáver dedico como saudosa lembrança

estas Memórias Póstumas.

Caríssimo Machado, creio que a passagem humana pelo planeta não deixará nem mesmo os vermes. O mês de janeiro me leva para outra frase, dessa mesma obra que li pela primeira vez quando não pensava em “desastres naturais”:

Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

Nem por isso deixo de estar triste. Pessoas perderam seus filhos. E muitos pais que detêm os meios de solucionar questões têm seus filhos. Esses, poderosos, parece que se importam pouquíssimo com os filhos alheios. E só para ficar nesse primeiro mês do ano, cabe terminar este enviando informação importantíssima aos nossos dirigentes: Em janeiro do próximo ano teremos chuva. Muita chuva. Anotem aí: Chuva forte em janeiro! E fevereiro também.

Ramiro em Birigui

Muito bom ter a continuidade de Um presente para Ramiro em novas apresentações. Abaixo a transcrição da divulgação feita pelo SESI Birigui, onde estaremos dia 11 próximo.

(Frame do site do SESI. A foto é de João Caldas).

 Por: Letícia Estella de Lima – Sesi Birigui

“Um Presente Para Ramiro” é um espetáculo infantojuvenil que ensina, de forma lúdica e com bastante humor, como as crianças podem se organizar para realizarem seus sonhos. O Teatro do Sesi Birigui recebe a peça no dia 11 de fevereiro (sábado), às 16h. A entrada é gratuita e as reservas podem ser feitas pelo Meu Sesi.

O espetáculo apresenta Ramiro, um garoto que, no aniversário de 12 anos, faz uma lista com presentes caríssimos e não aceita ficar sem presentes. Com a ajuda de Fortuna (um cofre em forma de porco falante), Valentina, prima de Ramiro, o vovô Miguel propõe diferentes viagens e brincadeiras através dos sonhos, conhecendo, entre outras coisas, história dos pais de Ramiro. Com muito humor e imaginação Ramiro aprende que para realizar os desejos é necessário organização e planejamento.

O trabalho partiu de uma pesquisa sobre como as crianças lidam com a realidade financeira da família, revela o diretor Valdo Resende. “Durante meses nós estudamos esse tema e somamos a isso a nossa experiência em falar com esse público infanto-juvenil e, consequentemente, com os pais, pois são eles que levam os filhos ao teatro. Usamos uma linguagem própria para a idade para mostrar que há um valor real e concreto para as coisas e que precisamos de planejamento, investimento e economia para consegui-las”, comenta. 

A encenação evidencia a importância do valor real das coisas e não a importância do ter o que é caro, o que está na moda, o que dá status. Trata, ainda, do egoísmo em contraposição aos valores familiares. Dessa forma, apresenta e valoriza os brinquedos simples, antigos. “Resgatamos alguns brinquedos que estão desaparecidos, mas ainda permeiam o imaginário das pessoas. E a nossa cenografia (assinada por Djair Guilherme) é construída como um brinquedo que se monta e desmonta. Não temos um cenário na própria concepção da palavra, mas elementos cenográficos que vão compondo os ambientes onde as cenas ocorrem. A encenação se baseia em um teatro no qual as ações são construídas a partir do movimento dos atores, a partir da maneira com qual eles manipulam os elementos cenográficos”, explica Resende. 

Ficha Técnica

Criação/Idealização: Kavantan & Associados-Projetos e Eventos Culturais | Dramaturgia: Valdo Resende | Direção: Valdo Resende | Elenco: Conrado Sardinha, Isadora Petrin, Neusa de Souza, Roberto Arduin e Rogério Barsan | Trilha: Flávio Monteiro | Cenografia: Djair Guilherme | Iluminação: Ricardo Bueno | Operação de luz: André Santos | Operação de som: Willian Gutierrez | Direção de produção: Sonia Kavantan | Produção: Tiago Barizon | Realização: SESI-SP

Uma volta ao passado (da Walcenis)

Há um ano, precisamente no dia 14 de janeiro de 2022, recebi um texto de presente da minha irmã, Walcenis Vinagreiro de Rezende, resultado da leitura que ela fez e do que suscitou meu livro O Vai e Vem da Memória. Meio perdido no Facebook, resolvi registrá-lo. Bom ter outras memórias, como saber que meu trabalho chegou aos familiares do Cacaso. Já agradeci lá e reitero aqui, querida irmã, minha gratidão.

Um detalhe de coisas que a gente gostaria de entender o motivo real: o Rezende da minha irmã é com Z mesmo. O meu, com S, não sei exatamente o motivo. Vamos ao texto, ilustrado originalmente com a foto abaixo:

UMA VOLTA AO PASSADO

Não me lembro de ter lido um livro tão rapidamente quanto este. Que delícia!
Benza Deus a sua memória! Revivi; relembrei; curti; aprendi… E agora que terminei … uma sensação de puro prazer.

Gostaria de descrever o meu sentimento sobre cada momento. Mas, seria redundante. Mas um fato eu não posso deixar de registrar quando, no dia do lançamento de O vai e vem da memória, presenciei a emoção da minha amiga “Marta Loes” ao repassar as folhas do livro parando exatamente na página em que “Cacaso”, seu primo, estava sendo homenageado. Nem eu sabia que esta fonte tão rica de informações sobre o mesmo, é minha vizinha amiga. Na hora, me emocionei também .

Um dos meus aprendizados, com 5 anos de idade, foi quando a sabedoria e o carisma da nossa tia Aurora colocou todas as crianças sentadas em um barranco para que vigiássemos o telhado da casa onde você ia nascer, que ficava em frente, para que víssemos a cegonha entrar pelo telhado trazendo você no bico. Alvoroçadas mas sem sair do lugar, pois era esse o objetivo da nossa tia, ficamos ali aguardando esse momento, quando ouvimos o seu choro. Pura decepção. Ao questionar, a nossa tia disse: ” Eu falei para vocês não tirar os olhos do telhado. Agora a cegonha já foi embora”. Foi assim que aprendi como as crianças nasciam, ou seja, você já nasceu ensinando. Rsrsrs…

A leitura desse livro “O Vai e vem da Memória ” me proporcionou vários sentimentos, além da certeza de que a sua memória é mesmo muito privilegiada. Parabéns e Obrigada por essa obra prima. Que Deus continue abençoando você sempre.

Walcenis Vinagreiro de Rezende

P.S. Resultado do encontro de minha irmã com Marta, a prima do Cacaso, foi que através da senhora conheci e li os livros de Cacaso que não havia conseguido antes, já que infelizmente estão fora de catálogo. Meu agradecimento também à Marta Loes.

O não como resposta

Destruição em Brasília (Crédito da imagem: Ricardo Stuckert)

Certamente muito será pensado e refletido sobre os ataques criminosos ocorridos em Brasília nesse 08 de janeiro. A primeira e triste constatação é que tal fato expõe a incapacidade humana de viver em harmonia. Somos animais e chegamos a ser violentos quando nossas vontades não são satisfeitas. Carecemos da imposição de um imenso complexo de leis para que possamos conviver minimamente em paz.

Trabalhando com educação por mais de trinta anos recordo uma companheira, Regina Cavalieri, que ao dirigir e coordenar uma instituição com milhares de alunos ficava (e ainda fica!) estarrecida com a incapacidade de algumas famílias na educação dos filhos. E dentre vários aspectos vivenciados pela professora quero especificar um: a incapacidade de certos alunos em ouvir o “não”. São expressões geradoras de imensos conflitos no dia a dia da educadora quando a ela compete dizer: “Não pode!”, “Não é permitido!”, “É o regulamento!”, “São as normas!”, “Está no contrato!”. Essas expressões, ou similares, são verdadeira morte para alguns alunos que, perceptivelmente, nunca foram contrariados.

São conflitos advindos de situações simples, tipo respeitar um horário ou cumprir datas. Há as situações complexas, onde a integridade e a honestidade estão presentes: “eu não estava olhando para a prova do meu colega” e, drama dos dramas, “como o professor me deu nota baixa?”. Esses alunos quando contrariados em suas expectativas têm no professor um inimigo e, infelizmente, muitos contam com o apoio dos pais: “O senhor é muito rígido, isso não é educar!” diz o pedagogo formado pelo WhatsApp.

Caríssima Regina, quantos ontem, em Brasília, estão entre os que não aceitam um não como resposta? Perderam! Não terão seu candidato no poder! Não estão acima das leis! Não estão acima da ciência! Não estão acima do Estado Democrático de Direito! Não podem invadir! Não podem quebrar! Não podem roubar! Quebraram e destruíram como se aquilo não fossem deles, pois a pátria e a família deles são outras, permissivas, que não suportam propósitos não atendidos.

É difícil para qualquer pessoa dizer um “não”. Ter determinação, princípios e coragem para, evitando a admiração fácil de bajuladores e interesseiros, dizer “Não” em função de algo estabelecido e acordado socialmente. Ter força e coragem para, ignorando possíveis e transitórias vantagens, manter um não como resposta. Também é difícil para um casal, despreparado, estabelecer os limites necessários para a educação de filhos. O “você pode tudo” de incautos e irresponsáveis causa, entre outras sensações, uma frustração que, fora de limites, gera a violência e o crime.

Em Brasília houve destruição e barbárie onde uma turba, ignorando princípios básicos até mesmo de autopreservação, cometeu e expos seus crimes nas redes sociais. Mais que inconsequência e burrice, o que fica evidente é que tais indivíduos não aceitam o não, a perda, a derrota. Ensandecidos, certamente serão refreados pela força da lei e ficarão por aí, acuados, revoltados, aguardando uma nova oportunidade. Ou alguém acredita que essa gente possa mudar? Com transformações ou não, o que se espera é não ter que conviver com a falta de limites dessa gente e, portanto, para uma convivência minimamente possível é necessário que todos paguem pelos crimes cometidos.

Ontem fui lembrado por uma ex-aluna para quem lecionei História da Arte. Karina Morgon estava indignada pela destruição, entre outras, da tela de Di Cavalcanti. Seria possível afirmar que a sensação da moça decorreu do conhecimento. Não! A universidade deu a ela uma dimensão social do objeto, um valor advindo da inserção desse objeto no mercado e na história da arte. Mas não fomos nós, professores, que ensinamos a ela os princípios básicos do respeito ao outro, da necessidade de cuidar e preservar o bem coletivo, de aceitar derrotas, de conviver com perdas e, acima de tudo, respeitar o outro. Aqui entraram outros componentes sociais como a família, a religião, outras escolas e cursos, o esporte, outros grupos. Tudo que, ao que parece, a turba de vândalos não demonstra ter tido.