Os profissionais úteis

A manhã de segunda chama para as responsabilidades que temos para a semana. Além do trabalho cotidiano há que pagar contas, marcar médico e, necessário, dar uma paradinha para olhar o mundo. Pelo noticiário é o hábito costumeiro; há outras possibilidades simples como, por exemplo, abrir a janela e olhar a vida pulsando no céu, na rua, na vizinhança. O som familiar do caminhão vem junto com a voz dos coletores de resíduos e o ritual se repete.

Um rapaz vem à frente, facilitando o trabalho dos colegas que jogarão os sacos no interior da carroceria do caminhão. Acenam para moradores simpáticos, gritam entre si. O caminhão para em frente ao edifício vizinho. Entram rapidamente e tomam água, já à espera deles. Fresca e visivelmente gelada. O mínimo do tanto que devemos fazer por esses coletores dos resíduos que produzimos. Eles seguem com seu costumeiro alarido, falando coisas que não entendo, mas que percebo carregadas de bom humor.

Um adolescente bem vestido sai do sobrado em frente portando um saco bem cheio de sabe-se lá o que e entrega em mãos do coletor. Cumprimentam-se e o rapaz volta, abrindo a porta de um carro e toma seu rumo. Penso que nem tudo está perdido, já que há jovens percebendo nossa parceria fundamental com esses profissionais úteis, verdadeiramente necessários.

Certamente aguentaríamos algumas semanas sem o trabalho deles se produzíssemos apenas resíduos recicláveis. Mas, há os orgânicos, que em pouco tempo apodrecem e se indevidamente tratados resultam em doenças, pestes. E em seu árduo trabalho esses profissionais nos livram da proliferação de ratos, de baratas. O cheiro é péssimo. No entanto os rapazes coletores passam alegres, sem máscaras, expostos a coisas estragadas e podres que saem de nossas casas. Deveriam usar máscaras! Na real, deveríamos pensar e produzir algo que não os sufocasse e garantisse saúde enquanto correm pelas ruas limpando a cidade.

Coletores, varredores, hortelãos, lavradores, faxineiros, jardineiros, os seres úteis. Claro que médicos também são imprescindíveis, assim como engenheiros, dentistas, professores e outros profissionais. A questão é que há médicos, por exemplo, que só nos salvam se tivermos dinheiro para pagar a conta. E há os médicos dos postos públicos, essa maravilha brasileira que torna um médico o ser absolutamente útil. Assim como nossos coletores sofrem sem máscaras, o médico do “postinho” também sofre por não ter equipamentos necessários. Esse é o nosso mundo.

Sou interrompido pelo latido de dois cães que, devidamente amarrados pelos donos, se estranham no passeio público. Noto que os donos são obesos e lerdos, contrastando em muito com o corpo esguio e ágil dos coletores já próximos da esquina quando virarão e os perderei de vista. E penso em alguns desses profissionais que no exercício diário, correndo contra o tempo, e forçados pelo volume de trabalho acabam tornando-se campeões de corridas, fazendo valer o ditado que nos orienta a transformar limão em limonada.

Penso no sonho de cada coletor. Certamente, não foram crianças sonhadoras desejando correr pela cidade atrás de um caminhão fétido e sujo. São humanos, acreditam em um Deus, têm família, cuidam dos pais, dos filhos. Cuidam de nós, saneando nossas ruas, levando embora o que não queremos dentro de nossas casas. Não são estranhos, nem podem ser. São úteis. Merecem salário justo, digno. E sobretudo devemos à eles o respeito. Esse respeito que temos pela vida, pela nossa saúde, que depende do trabalho deles para que tudo caminhe da melhor maneira possível.

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