Presépios, para contar uma bela história

Ronaldo, Inimar, Marquito são os anjos. Anivaldo e Terezinha, os pais. Daniel, o menino Jesus.

Rituais nos ajudam a entender o tempo, a caminhar e seguir em frente sabendo que, independendo da nossa vontade, o futuro vem e não sabemos como esse será. O Natal nos sinaliza o começo ou recomeço de tudo. Há em toda a festa natalina evidentes sinais de esperança, fraternidade, recomeço e a fé de que algo bom nos virá. Que seja assim!

Um presépio materializa a ideia de nascimento, símbolo essencial de renovação do nosso cotidiano. Historicamente criado por São Francisco de Assis, um arremedo de teatro em que as personagens principais são uma criança vigiada pelos pais em uma estrebaria. É esse local onde ficam cavalos e, no intenso inverno italiano, outros animais são abrigados do frio. Sabe-se lá quais animais estiveram em Belém, na estrebaria original.

Enquanto representação desejada pelo Santo de Assis, o nascimento do menino Jesus já nasceu “fake”, para usar uma palavra atual. Teatro bem popular, feito a pedido de Francisco em 1223, sem pesquisa profunda quanto a adereços, vestuário e cenário, contando uma história ocorrida havia mais de mil anos, o primeiro presépio se constituiu em uma interpretação feita por um grupo de fiéis. O fato se espalhou e é repetido aos milhares a cada ano.

Essa dimensão teatral da representação do nascimento de Cristo é algo extraordinário! Contam que essa primeira vez foi com uma cena mais ou menos estática; diante dela o Santo fez orações. Teatro simples, vivíssimo! Certamente um animal se mexeu, fez algum ruído. Todos os componentes da cena respiraram! A criança pode ter chorado. Cena mais ou menos muda, feita de movimentos sutis e de calor humano.

 A notícia caminhou com a biografia do santo e os presépios se multiplicaram. De um lado materialmente: certamente já foram feitos presépios de todo e qualquer material manipulado pelo homem; do outro, os chamados “presépios vivos”: a representação inicial feita em igrejas e salões paroquiais ganharam o mundo, ocorrendo em todos os continentes, feitas por todas as raças. A criatividade humana é ilimitada.

Nosso presépio em 2022. Uma saudável mistura onde o que vale é ser feliz.

Dezembro é mês em que os presépios ganham espaço dentro de lares cristãos. Sem a neurose da representação realista, sem a obrigatoriedade da recriação documental, montar um presépio é momento de puro deleite. Há gente que gosta de repetir a mesma montagem herdada de pais e avós, com as mesmas imagens e o mesmo cenário e são felizes assim.  Há outros que deliram e fazem da montagem anual um intenso exercício de composição visual. São felizes também.

O ciclo da vida de Cristo termina em outro momento fartamente representado. Somando as encenações dos Presépios Vivos mais a Paixão de Cristo temos, sem dúvida, a maior expressão de teatro realmente popular do chamado mundo cristão. Quantos milhões de vezes tivemos essas representações? Atos religiosos representados em um espaço cênico. Assim nasceu o teatro no culto a Dioniso. E esse momento religioso, sem a pretensão da arte e livre de todas as complicações teóricas, é teatro puro, ingênuo, que reflete os modos e formas de vida de quem o faz. Sobretudo, expressão de fé!

O ato de nepotismo mais contundente da minha vida foi colocar Daniel, o meu irmão caçula, como Menino Jesus em uma manjedoura. Guardo três montagens natalinas na lembrança, primeiros exercícios do meu fazer teatral: uma foi metafórica, usando músicas de Chico Buarque e Paulinho da Viola na trilha sonora. Outra, mais complexa, inseria o nascimento de Jesus em um painel onde outras histórias ocorriam em paralelo. A primeira, mais simples e tradicional, foi a que o diretor colocou sem qualquer constrangimento os melhores amigos, Ronaldo e Marquito, como anjos e o irmão como o Cristo. Ontem, terminando de compor meu primeiro presépio aqui em Santos, todas essas lembranças vieram, de quando criei, junto a amigos e colegas, versões particulares para contar uma singela e bela história.

Feliz natal!

Monte Sião, dezembro

Acabo de receber a edição deste mês do Jornal Monte Sião. Honrado em estar entre os colaboradores, escritores como eu. Meu especial agradecimento ao Luiz A. Genghini, sempre fazendo a ponte para que eu participe do jornal. O Genghini é o autor de “A Loja do Plácido virou livro” que está na página 5.

Parabéns aos escritores, ao pessoal que desenvolve esse trabalho com carinho e desvelo e um feliz natal para todos os participantes e leitores do Monte Sião.

Nota: Se você estiver lendo este texto por computador é só rolar o cursor na barra da direita para ver todo o jornal. Se for por telefone, o link abaixo abre a edição completa do jornal.

Estranho e difícil amor: nossos animais!

Convivência em liberdade nos jardins da cidade.

Pássaro em gaiola, peixe em aquário minúsculo, animais selvagens expostos em jaulas, cachorros e gatos trancados e solitários! Há algumas maneiras bem estranhas de mostrar o quanto amamos os animais. Por mais amplos que possam ser os locais, não deixam de ser uma forma de aprisionar nossos bichinhos de estimação. Um amor intenso e controverso!

Do que há em Santos, a cidade que escolhemos para viver, algo absolutamente fantástico são os pássaros cantando, voando e levando sua vidinha ao longo do imenso jardim da orla. Há inúmeros outros que moram em árvores que ladeiam os canais que atravessam a cidade.  Outros nas alamedas e jardins da cidade. Em alguns momentos cantam, gorjeiam, piam e, sobretudo, voam livres. Às vezes vêm bem perto dos bancos do jardim, caminham pelas calçadas da praia e, algumas espécies, amontoam-se ao redor de quem as presenteia com alimento.

Em dias de águas claras é possível ver os peixes transitando pelos canais da cidade. Leves, sinuosos, costumam ficar próximos de locais onde, penso, vem comida fácil. Estão ali à mercê de pescadores de ocasião ou de predadores, gaivotas e outras aves marítimas. É um número bem menor de peixes se considerarmos a quantidade de água. Esta nem sempre está favorável, o ser humano sujando o mar de diferentes formas. Pássaros e peixes estão em todos os lugares. Todavia alternam-se placas na praia, a vermelha indicando águas impróprias com muita frequência. Lamentável. Certamente isso afeta também aos pássaros.

Sem interesse por animais enjaulados, ainda não fui ao zoológico mais próximo. Há um em São Vicente. Jaula envidraçada, o único aquário que visitei foi em Ubatuba. Faz tempo! Claustrofóbico! Por mais espaçosa que seja, uma jaula é uma jaula. E o animal ali, andando de um lado para o outro em limites artificiais. Alguns notoriamente tensos, outros apáticos; os corpos aparentemente sem a força muscular exigida pela vida selvagem.

Grandes estrelas na relação com humanos, cachorros e gatos levam vida ímpar. São paparicados, bem alimentados, bem agasalhados, dispõem de moradia, de brinquedos e inúmeros outros mimos. Os donos, atualmente denominados tutores buscam via nomenclatura “enfeitar a tapioca”. Dono ou tutor, o humano é o cara que determina quando cruzar ou castrar, já que é complicado deixar a natureza seguir seu curso. Por outro lado, ração mais veterinário estão caríssimos.

Gatos, mais “independentes”, costumam levar vida mais distanciada, deixando o dono às favas com a maior tranquilidade. Cachorros estabelecem um inegável relacionamento, e mesmo após desavenças por um momento de intempérie do tutor voltam, abanando o rabo, lambendo o humano. Chamamos a isso de amor incondicional do bichinho. Ambos, cachorro ou gato, quando muito doentes, são sacrificados. “Estava sofrendo demais!” Qual a medida? A do humano.

Há alguns meses pensamos na possibilidade de ter um cãozinho, um velho sonho. Estávamos em São Paulo, apartamento de quarto e sala. Experimentamos algum tempo e o local, minúsculo e inapropriado não era o mais indicado. Encaminhamos para outra família, com quintal enorme. Bom notar que, nesse “afeto”, decidimos ter e constatamos não ser possível naquele momento. Tristes humanos. Pobres animais que vivem sob nossa tutela. Difícil conflito entre estar com o bichinho e ter que decidir por ele.

“Nosso passarinho entra para buscar alpiste que caiu no tapete”. Vídeo de Flávio Monteiro.

Atualmente somos “donos” de pássaros. De todos os que visitam nossa sacada. Temos encontro marcado pela manhã quando é abastecido o bebedouro com água doce para colibris, beija-flores, canários e outros, mais esparsos. O segundo encontro matinal é com rolinhas e pombinhas que chegam voando e dominam o chão. Fazem grande algazarra enquanto comem o alpiste cotidiano. Estamos aprendendo um monte de coisas com eles e, breve, pretendo escrever mais sobre esses pequenos seres que chegam, cantam, comem, nos enchem de alegria e encantamento para, em seguida, irem embora, tomando conta da própria vida. Ao longo do dia voltam uns, vêm outros e assim vamos convivendo. Pessoalmente, estou mais feliz assim, com esse amor “Gilberto Gil” que, para quem não sabe, é assim, na voz d’Os Mais Doces Bárbaros:

“O seu amor ame-o e deixe-o livre para amar! Livre para amar! Livre para amar.

O seu amor, ame-o e deixe-o ir aonde quiser! Ir aonde quiser! Ir aonde quiser.

O seu amor,

ame-o e deixe-o brincar

ame-o e deixe-o correr,

ame-o e deixe-o cansar,

ame-o e deixe-o dormir em paz.

O seu amor, ame-o e deixe-se ser o que ele é! Ser o que ele é! Ser o que ele é.

Boa semana!

Toda a pele da América em minha pele!

Para Fernando Brengel

É Copa. E vou torcer para a Argentina. Soy sudamericano!

A camisa de Pelé, no museu da Bombonera, de um jogo de 1963 pela Libertadores.

A unidade do nosso continente aprendi com Mercedes Sosa e por isso é a mais representativa de nossas cantoras. No palco, La Negra cantou pela união de todos nós, os hermanos. Impossível não se emocionar com as canções dos chilenos Victor Jara e Violeta Parra, dos argentinos Atahualpa Yupanqui e Charly Garcia, dos brasileiros Chico Buarque e Milton Nascimento… a lista de exemplos é bem mais extensa.

Essa atitude da cantora em unir a América do Sul não é isolada. Foi visitando diversos museus argentinos que tive a oportunidade de constatar a presença de artistas sul-americanos raramente vistos em museus brasileiros. Detalhe: em um dos principais museus de Buenos Aires, o MALBA, encontrei em destaque o Abaporu, de Tarsila do Amaral. Lá também estavam Hélio Oiticica, Di Cavalcanti, Lygia Clark. Uma sensação boa de orgulho do meu país. E dos mexicanos, cubanos! Da América Latina, da América Espanhola.

Em belíssima exposição no subsolo da Bombonera, o estádio do Boca Juniors, vi imensas fotos de Maradona e, destacada em uma vitrine, uma camisa de Pelé! O Brasil e a Argentina são países irmãos, a despeito da rivalidade incentivada por comentaristas de futebol.

Euzinho na Bombonera, deixando claro na pose e na fatiota que não jogo bola.

Em casa sempre tivemos ânimos alterados na hora do futebol. Meu pai, meus irmãos, minhas irmãs, os sobrinhos… Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Flamengo, Cruzeiro, Atlético, Santos! Fui habituado a receber um telefonema quando o Corinthians vencia. Sem palavras, ouvia-se o hino. Depois vinha acusações do tipo “foi roubo”, “juiz ladrão” e, logo depois, voltávamos ao normal. Somos irmãos. Somos uma família.

O futebol é uma metáfora de uma batalha pelo domínio do território inimigo, avançando sobre esse e deixando lá o gol, sinal inequívoco de superioridade. Vale repetir: é metáfora. No entanto é o momento em que ao mundo se impõe algumas verdades e, entre essas, uma incômoda aos ingleses “pais do futebol”: Criaram, mas o penta campeonato é do Brasil. Faz ou não um bem para a alma?

Escrevo este post sabendo que o Marrocos não está entre os três primeiros lugares. Uma pena! Seria ótimo que o mundo se voltasse para um time africano, campeão. Amanhã teremos a final da Copa do Mundo. Na ausência do Brasil escolho facilmente um lado. Escolho o nosso, de gente sudamericana! Assim mesmo, na língua dos hermanos. Soy sudamericano! Que vença a Argentina!

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PS 1: Este post é dedicado ao meu brother Fernando Brengel, a quem eu disse há vários dias que a Argentina venceria esta Copa. Gostaria que o Brasil fosse o vencedor, mas vendo o andar da carruagem já intuía que não venceríamos. Pode ser que eu esteja errado, mas continuarei torcendo pela América do Sul, parte que nos cabe nesse imenso planeta chamado Terra.

PS 2: Em campo é lindo ver quando Messi conclama à luta, tal qual Mercedes Sosa, no palco, nos conclamava à união.

PS 3: O título “Toda a pele da América em minha pele!” é verso da música “Canción con todos”, que deixarei abaixo, para que ouçam e recordem Mercedes Sosa.

Sobre ser Pentacampeão de fato e de memória

Copa do Mundo? Abaixo uma, entre milhões de outras histórias.

1955 – Nasci, um ano depois de a Alemanha ganhar sua primeira Copa do Mundo.

1958 – SUÉCIA – Havia o rádio. E alguém falava rápida e desesperadoramente. De vez em quando as pessoas gritavam, mas em algum momento meu pai saia para o quintal e soltava fogos. Os vizinhos soltavam fogos, o bairro, a cidade. Minha mãe ou uma das minhas três irmãs prendiam-me, já que aquilo era perigoso. Meu irmão podia acompanhar meu pai, segurando os canudos que faziam enorme barulho. Como o fato era comum, ou seja, ouvir um cara desesperado falando aos borbotões e ver meus familiares gritando ou não durante a coisa, aprendi meio que por osmose que aquilo era futebol. E nós, do Brasil, éramos Campeões Mundiais. E meu primo Poy, o Oswaldo, era goleiro do Uberaba Sport Club. E meu irmão Valdonei jogava no time do Hermes, o Estrelinha.

1962 – CHILE – Já foi bem mais interessante. Eu sabia o que era o futebol, embora não jogasse por jogar mal. Gostava de pegar a bola com a mão e, mesmo assim, não fui goleiro. Meu primeiro ídolo foi Gilmar, um goleiro sensacional. Ele pegava bolas nas partidas que ouvia no rádio e, no mesmo dia, à noite, pegava outras bolas no jogo que passava pela TV. Eu não tinha noção de a transmissão do rádio acontecer simultaneamente à partida e que, na televisão, era videoteipe. Diferença que me passava desapercebida: quando pelo rádio, meu pai mantinha o lance de soltar fogos.

Meu segundo ídolo foi Garrincha e, com ele, o substituto de Pelé, o Amarildo. Havia um Vavá, mas só vim a ser chamado assim bem depois. Muito depois dessa Copa conheci Djalma Santos. Estive no velório dele, em Uberaba, e fiquei decepcionado ao ver o “falatório” de matracas presentes. Falta de respeito com o grande jogador. Sorry, Pelé, mas na “minha” primeira Copa, com consciência de ser um evento de tal porte, Garrincha e Amarildo brilharam. E o Mané, com seus dribles engraçados, fazendo gringo de besta ganhou minha admiração e predileção para todo o sempre. Salve, Mané Garrincha!

1970 – MÉXICO – Ali já estava definida uma postura que assumo ainda hoje. Contra a toda poderosa Europa, colonialista cruel, cabe impor derrotas onde nos é possível.  Dessa feita foi a Itália “humilhada” pela seleção canarinho, o que já havia ocorrido com a Suécia em 58 e com a Tchecoslováquia em 62. E sem o Brasil no páreo, minha torcida vai para a América do Sul. E nesses tempos atuais, vai para a África, a Ásia. Europa, não! (antes de terminar este a Argentina mandou a Holanda polir seus tamancos em outra freguesia! Bravos!)

Em 1970 já tinha noção básica do uso que se faz do futebol em situações diversas. O lema “Brasil, ame-o ou deixe-o” era algo estranho, já que vizinhos haviam desaparecido em – soube depois – prisões militares, assim como a polícia política esteve na casa de outros vizinhos revirando tudo, rasgando livros, levando outros embora. Em 70 sentia também a diferença brutal de tratamento entre as diferentes modalidades esportivas. Não fui goleiro, mas pratiquei vôlei. Para quem viveu essa época sabe a merda que era. Primeiro, o futebol. O “resto” era resto mesmo.

Dane-se, o planeta e todos os problemas sociais: ter um time com Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gerson, Carlos Alberto, Félix… Esses nomes estão na memória e ser Tricampeão Mundial é lembrança de sonho, de festa.

1994 – ESTADOS UNIDOS – Me parece que essa história de jogador de futebol acreditar que visual ganha partida começou mesmo foi com o Dunga, e seu cabelo esquisito nos EUA quando fomos Tetra. Bom, fez escola, é só ver os jogadores de hoje em altas transações visuais… E cada um sabe a dor e a delícia de um cabelo, uma roupa, um parangolé! Sejamos felizes!

Lembrança boa mesmo é do Branco chutando de longe e marcando um gol em cima da Holanda. Romário que era certeza de gol me faz, até hoje, repetir um “se fosse o Romário não perderia esse gol”. E tinha o Bebeto, que segue na vida com a dignidade e a postura que teve em campo. E o Taffarel!? Um amigo de infância, lá em Uberaba, homenageou o goleiro logo no nascimento do primogênito, um Taffarel mineirinho.

Aquele cara lá, da Itália, que errou o pênalti, não teve a benção do Papa? Baggio perdeu em um momento crucial. Eu tenho um pé atrás com o Zico, quando perdeu um pênalti em 1986 para a França. Faz muito tempo, mas magoou! Logo você, Zico?

2002 – COREIA DO SUL & JAPÃO – Todo palmeirense que se preza gostaria de canonizar Marcos, o São Marcos que foi goleiro do Pentacampeonato Brasileiro e megacampeão no Palmeiras. Vi o goleiro em campo e em pizzaria, lá em São Paulo. Cordial e educado, com a tranquilidade dos campeões e dos grandes atletas. Nunca me pagou uma pizza!

São lembranças pessoais e eu, que havia dormido na final da Copa anterior, 1998 na França, vencido pela cansaço e momentaneamente pela vida, durante a Copa, presenciei cenas absurdas, algumas registradas nas peripécias das personagens do meu primeiro romance “dois meninos”. A vida me fez ver tudo diferente e eu estava bem escaldado dessas coisas do esporte. Todavia…

Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Roberto Carlos, Roque Júnior… Um time de “erres” brilhantes e inesquecíveis. Guardei na memória as arrancadas de Ronaldo, a alegria, competência e o sorriso de Ronaldinho, a força do chute de Roberto Carlos. Sem desmerecer os demais, mas lembranças são assim mesmo.

Enfim, espero estar vivo quando chegar o hexa. Ele virá. Por enquanto vou homenageando todos os jogadores de todas as épocas da seleção, inclusive daquelas que não venceram uma Copa. Esses atletas nos dão alegrias de uma tal forma que, quando perdem, preferimos odiar os técnicos. Os mesmos técnicos que não citei por não citar mesmo. Não guardei os nomes, lamento. Estou supermegahyper odiando um técnico que, certamente, é motivo de outros ódios.

Técnicos e cartolas sobrevivem na história oficial, na cabeça dos “amantes do futebol”, daqueles que têm imensa e doentia paixão (Valeu, Neto! Adorei ver você sintetizando toda a nossa loucura por futebol! Que piti, meu irmão! Bom demais lavar a alma!).

Gente como eu guarda, na memória para esta e outras vidas, cinco figuras muito especiais, elegantes, heroicos. Aqueles que tomam a taça e a erguem para a nossa inenarrável alegria. Bellini (1958), Mauro (1962), Carlos Alberto (1970), Dunga (1994) e Cafu (2002). Quem nunca sonhou estar no lugar deles?

Acabando mesmo: Devemos agradecer aos deuses. E pedir perdão. Nunca deixar de pedir perdão. Como podemos merecer a vitória em uma Copa quando em nosso território foi roubada a Taça Jules Rimet? Os deuses são bons. Tanto que nos permitiram duas vitórias após esse triste fato que, registro, para deixar bem claro o lado nada bom que nós, brasileiros, temos. Mas, os deuses esquecem e, acreditem, o hexa virá.

Aguardemos.

Noites de Ets e de outras visitas

Detalhe de Hector and Andromache de G. de Chirico

Não foi a primeira vez que se teve notícia desse tipo de acontecimento. Toda vez que o resultado político desagrada certo tipo de gente os Ets aparecem. É só procurar que os relatos são inúmeros e as aparições de luzes em movimento nos céus do Rio Grande do Sul não foram as primeiras. Voando a noite sobre Porto Alegre, por dias consecutivos pilotos em serviço informaram comandos terrestres sobre diversas aparições de objetos luminosos não identificados.

Tia Ademilde soube pelo grupo do Zap, mistura de família, vizinhança, vendedoras de perfumes e oportunistas de várias possibilidades, entre essas as políticas. “Os Ets chegaram. Não deixarão Lula assumir. Estamos salvos!” A notícia veio acompanhada de relatos de visitas anteriores durante eleições americanas, guerras provocadas por europeus e outros tais. Junto aos assuntos veio um, tenebroso: Vieram para destruir o planeta. Até Nostradamus previu!”. O fim do mundo bateu fundo para a tia. Nem Lula nem ela veriam 2023!

Próxima dos 70, corpinho de 50, Ademilde tem se ressentido com a vida. Viu chegar a idade cuidando de pais, irmãos, sobrinhos, amigos e foi uma luta insana por liberdade de ir e vir, namorar, ser feliz. Quando se viu em condições de mandar seu mundinho às favas veio a pandemia. Mais dois anos de reclusão quando viu-se morando só, os últimos dependentes levados pela doença que, dizia o grupo do zap, era invenção da televisão. O que a fez aguentar o tranco foi o lero-lero da conversinha virtual cotidiana através do que mantinha contato com dezenas de pessoas. Entre essas um viúvo que Ademilde, tomando coragem em noite triste, chamou para uma conversa por vídeo. O papo terminou em safadezas inconfessáveis, mas permitidas para gente adulta.

Se o mundo estava para ser dizimado por Ets, só restava à tia aproveitar. Tomou três doses de conhaque para tomar coragem e chamou Lázaro, o viúvo, indo direto ao ponto: “Se o mundo vai ser destruído pelos Ets é melhor a gente aproveitar. Venha! Estou te esperando”. Lazinho estava mais para calmaria do que para noites calientes. Tentou argumentar com Ademilde, lembrando a música de Assis Valente sobre o fim do mundo na voz de Carmen Miranda.  Aquilo não seria a “conversa mole” da canção? A tia, ansiosa, gaguejou ao argumentar usando Nostradamus e, convicta, brincou com um “nostransamos” antes de morrer. “Venha logo!”

Lazinho passou na farmácia e, mediante o preço do Viagra, desgraçou o governo por “armar” seletivamente a masculinidade necessitada do estimulante. Somente militar carece do estimulante? Absurdo! Escondeu o preço do prazer de Ademilde e engoliu o comprimido antes de tocar a campainha, sendo recebido com o que a tia podia mostrar, um enorme decote e saia muito curta. A mulher notou o olhar de aprovação do convidado e mentalmente agradeceu à Hebe Camargo, de quem aprendeu uma velha máxima: só mostre o que está bonito! Ofereceu um drink para o convidado.

Foi o primeiro encontro presencial entre o casal. O viúvo, não tão alcoolizado quanto a anfitriã, observou a casa, elogiou a decoração, perguntou sobre fotografias expostas. Ele precisava de um tempinho para que o comprimido fizesse efeito e pediu licença para dar uma olhada em um dos grupos do zap parecendo chamá-lo. Era uma gravação com mensagem de um amigo petista do viúvo, preocupado em desfazer mentiras circulantes: “-Lazaro, tudo bem? Você não caiu nessa de disco voador em Porto Alegre, né! São reflexos de luzes em satélites. Deu no jornal. Nada vai acontecer com Ets”.

Acreditei nessa conversa mole

De que o mundo iria se acabar

E fui tratando de me despedir

Fui tratando bem depressa

de aproveitar…

O casal ouviu a notícia feito balde de água fria. Não tinham mais motivos para possíveis safadezas de fim de mundo. A Tia Ademilde não se conteve: “Malditos Ets! Não servem para merda nenhuma”. Lazinho sentiu o efeito do remédio movimentar suas calças e a situação o excitou mais ainda. “Como assim, não servem, Ademildinha! Veja, olha aqui como estou!”. E os dois embarcaram na galáxia do prazer, um fazendo ao outro ver estrelas, discos voadores, satélites, Ets…

Dia seguinte, antes mesmo que fizessem promessas de mais noites de fim de mundo veio outro desmentido do desmentido pelo mesmo grupo. O mundo não iria acabar, mas estava garantida uma troca de corpos. Lula não iria assumir! Os Ets colocariam outro no corpo do presidente eleito. Ademilde, feliz e satisfeita, gostou dessa ideia de entrar no corpo, colocar coisas no corpo, trocar, compartilhar, ser feliz. Marcou com Lázaro futuros e sigilosos rounds, pois perante os amigos do grupo de zap ela insistia em manter o que chamam de decoro, recato. Afinal, são todas pessoas de bem. Família!

Tem sido assim desde então. A tia não entrou nessa de enviar código Morse para Ets com celular ligado sobre o cocuruto. Prefere chamar Lazinho para papos além do Zap. O último dilema do grupo virtual veio com a Copa do Mundo e as viagens luxuosas ao Catar de alguns enquanto outros enfrentam tempestades e banheiros químicos entupidos. Ademilde e Lazinho, sem remorsos, permanecem quentinhos. Seja no recôndito do lar, via vídeo, seja presencialmente, sob as cobertas. Vivem noites felizes e cheias de ação.

Não é um textão! É uma crônica.

Foto: Flávio Monteiro

Parece loucura escrever longos textos em tempos de frases telegráficas e overdose de imagens, vídeos. E aqui vai, conforme expressão popular, mais um “textão”. Míseras laudas quando penso em calhamaços de Dostoievski ou James Joyce. Certamente há livros sendo publicados por aí. Aos montes! Parati recebe agora quantidade enorme de leitores, e não faz tanto tempo tivemos a Bienal do Livro em São Paulo.

Ontem ganhei do meu simpático porteiro uma revista Veja. Pensei em Crepúsculo dos Deuses*! Uma frágil publicação feita de textos para consumo rápido, reportagens tímidas, sem a exorbitância de páginas publicitárias dos tempos áureos. Evidência maior de mudança é constatar todos os conteúdos digitais da Abril por 1,00 por semana. Todos! De Placar a Claudia, passando por Super Interessante, Quatro-Rodas e por aí vai. Uma tentativa de ampliar público na tal Black Friday.  Mas, vamos voltar aos livros.

Estão lá, na revista, os mais vendidos em ficção, não-ficção, autoajuda e esoterismo, infantojuvenil. As maiores editoras presentes: Record, Rocco, Companhia das Letras, Sextante… A maioria dos livros que alcançam tais listas foram pensados para o grande público e um exemplo contundente, em ficção, é notar nos dois primeiros lugares um bem pensado produto para “vendas casadas”: em primeiro lugar está “É assim que começa” e o leitor precisará comprar o livro colocado em segundo lugar para descobrir que “É assim que acaba”.

Longe estou de criticar quem escreveu “Os segredos da mente milionária” ou “Mulheres que correm com os lobos”. Minha mente pode até ser milionária, mas o dinheiro que seria meu deve estar fugindo, escondido dos lobos. Faço parte daqueles escritores fora do tal mainstream (me sentindo chic em usar essa palavra!). Não por vontade própria, é bom registrar. As coisas vão devagar.

Tudo isso veio a propósito da comemoração de um ano da publicação de O vai e vem da memória. Meu livro tem feito modesta, mas digna carreira. Uma comparação se faz necessária para esclarecer a dimensão das coisas. Um megassucesso costuma começar com cerca de 100.000 volumes impressos e distribuidos amplamente. Imprimi 300 volumes. Sem pretender me equiparar ao Drummond de Andrade, quero lembrar que o poeta custeou a publicação de 500 volumes do seu primeiro trabalho.

Uma ilustração possível sobre a situação é comparativa: Um escritor como eu é como aquele vendedor ambulante de chocolate caseiro concorrendo com o Sonho de Valsa, o Diamante Negro e, como sou guloso, já penso logo em Amandita. A vida é bela! E eu gosto de escrever.

Lá atrás já pretendia ser escritor. Jamais cogitei um plano de negócios. Romântico, meu mote era cumprir uma vocação! Ou sina? Castigo? Karma? Gosto. “Mais vale um gosto que um caminhão de abóbora”, aprendi com minha mãe. Gosto de escrever! (coisas maravilhosas da língua que me encantam: O gosto e o gosto. O substantivo e o verbo). E assim vou eu, vivendo e escrevendo, sabendo que em algum momento serei lido, a maior recompensa. Se você chegou até aqui, obrigado. Escrever é tão bom quanto ser lido. Não importa quantos, mas por quem.

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* Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, de 1950). Dirigido por Billy Wilder, conta a história de uma estrela decadente, Norma Desmond (Glória Swanson), vivendo fora da realidade.