Violência

A professora assassinada aos 71 anos por um garoto de 13 que a atingiu pelas costas; o garoto esfaqueado no metrô, no Canadá; as crianças mortas em plena creche! A menina baleada, notícia do jornal de daqui a pouco. Não é de agora que nos vem tanta violência. Só em 2022 foram 40,8 mil mortes, os dados são do G1. Lá atrás me vem a assustadora cena de um casal jogando a filha pela janela, ou da moça que, com o namorado e um cúmplice, foi condenada pela morte dos pais. Foi! Já está em liberdade. Penso que cada pessoa lembra de um crime. Da própria cidade, do país, do mundo. Aquele crime específico que nos leva a indagar horrorizados, tal qual fez o poeta séculos atrás perante a escravidão: Deus, meu Deus, onde estás que não respondes?

Provavelmente o ser humano foi um erro de Deus. Ou sabotagem do plano divino realizada com êxito pelo demônio. Independendo de religião, de escolaridade, constata-se que o ser humano é autor de crimes contra seus iguais, contra os animais dito irracionais, com o planeta. Somos os únicos seres que destruímos sem pudor o ambiente que nos cerca e que, em primeira e última instância, é o nosso lar. Roubamos uns aos outros, exploramos os mais frágeis que nós mesmos, matamo-nos em números cada vez piores.

Das cinco vias que nos levariam a Deus (todas bem definidas por Santo Tomás de Aquino), a primeira afirma que tudo está em movimento. Tudo se transforma! E o Santo concebeu Deus como o autor do primeiro impulso, da força que movimentaria tudo e todos. Um empurrãozinho divino! Lá pelas tantas, quando o ser humano se viu forte e consciente de força e conhecimento, passou a dar seu próprio empurrãozinho. Tipo a Europa carecer de expansão para resolver a incapacidade de autossustentabilidade e passar a invadir demais continentes, por exemplo. Ou os EUA crescendo o olho sobre o petróleo alheio e interferir na América Latina, no Oriente e agora mesmo, na própria Europa.

Conversa de todos os lugares, de quem seria a responsabilidade por tanta violência, tantos crimes? Como consertar e redirecionar o ser humano? Grande orgulho das raças planetárias, as religiões se odeiam e lutam entre si, em nome de Deus, para dizer que o Deus de cada tribo, de cada grupo que é “O Cara!”. Desde a Grécia Clássica, quando surgiram os filósofos que estão colocados como base da cultura ocidental, a filosofia se mostrou ótima sobre o “livre pensar”, mas bem capenga quanto ao “como resolver”. Criaram a sociologia, investiram nos estudiosos de economia, gritaram eufóricos o surgimento da psicologia e, em ondas sucessivas, quando cada uma das ciências se revela ineficaz para solucionar o humano, volta-se aos primórdios: os astros, os búzios, as cartas, os ancestrais (palavra da moda!).

Deixei de citar acima a educação. Estou envolvido com educação nos últimos 40 anos e vivo entre professores, sou de família de professores, meus melhores amigos são Professores, Mestres e Doutores em educação. Daí me irritar quando todo e qualquer cidadão se coloca na condição de determinar os rumos do planeta a partir da educação. Para sanar a violência: educação! Para acabar com o feminicídio: educação! Para eliminar todas as fobias: educação!

A História (de historiador, de gente doutora!) nos diz desde os primeiros vestígios da espécie que o ser humano não é coisa que preste. A Mesopotâmia, terra maravilhosa, está entre rios, a geografia nos ensina e a história nos revela que lá começou a grande briga humana – desde os Sumérios – e que tal briga tem relação com água e comida. Sabe como é: tendo rio, há água potável e plantios férteis nas matas. Hoje em dia, por lá e outras regiões do planeta, brigam por minério e petróleo. E com todo o planeta em perigo, logo começarão as brigas por ar. A Amazônia deverá ser a estrela maior de possíveis conflitos.

Ingenuamente podemos indagar os motivos da não conciliação entre as nações sobre as dádivas da terra. Poxa, o progresso facilitou nossas vidas, acabou com o trabalho escravo (exceto no Brasil!), aumentou os meios de produção, facilitou a vida com os meios de transporte e comunicação, a ciência descobre a cura de qualquer doença… Não foi à toa que Louis Armstrong cantou What a wonderful world! O problema é que não nos conciliamos sequer entre nossos familiares!

Como há muito enfiaram em nossas cabeças que precisamos muito mais que comida, água e um teto para refúgio de chuva e frio, trouxemos para dentro dos nossos lares a velha briga humana pela posse do que “tem mais valor”. É uma loucura total ver as pessoas, algumas velhas como eu, ou bem mais velhas, lutando por posses de bugigangas como se fossemos viver eternamente. E jovens, muito jovens, incapazes de dividir, disputando um mísero terreno ou uma grande fortuna. O certo, e horroroso de se constatar, que os problemas humanos são os mesmos de milhares de anos passados, após o fim de impérios, nações, dinastias, grupos étnicos. Não aprendemos com o passado. Nem com o presente. E aí, a mim, perdoem o desânimo, só resta temer pelo futuro.

Não há solução no conhecimento isolado, em uma única religião. Não há solução mágica! Não há solução por uma única via. Não há possibilidade de se resolver sem a união de todo o conhecimento, todos os setores, todos os grupos humanos. É preciso, sobretudo, ter a humildade para reconhecer a nossa grande, imensa incapacidade de viver em harmonia. Absoluta incapacidade de solucionar os problemas que enfrentamos. Em nome de Deus, ou daquilo que se quiser, é preciso admitir que SOZINHOS estamos apenas caminhando para um final pior, bem pior do que o momento em que vivemos.

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Nota: A imagem ilustrativa é do ator Malcom McDowell em Laranja Mecânica (A Clockwork Orange – Stanley Kubrik, 1971)). Uma possibilidade de legenda para essa obra prima do cinema: A violência não domesticada.

Os mercados e a Lo Prete

O Ver-o-Peso, em Belém do Pará. Foto: Divulgação

Há mercados e o mercado da Lo Prete, a Renata dos jornais noturnos. A âncora dá show de competência e, somando forma e conteúdo, esbanja o que falta por aí: credibilidade. Um porém é quando o assunto é o “mercado”. Invariavelmente a Lo Prete chama comentaristas de economia – uma gente com jeito de pau-mandado – para que comentem as irritações, as exigências, as reclamações do setor mais obscuro e tenebroso da economia brasileira. O “mercado”.

O que passa pela cabeça do cidadão comum quando a simpática jornalista diz o tal substantivo? Quatro mercados distintos, além do da Lo Prete, me vêm a cabeça. Três deles são mais charmosos! Ter tido a felicidade de conhecer tais mercados me dão ideia do que diz o jornal:

O Mercado Modelo, em Salvador, está inserido em cenário de pura magia. Meu itinerário preferido sugerido é ir direto para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, cantarolar Caymmi enquanto visita o local e, saindo, tomar rumo para o Elevador Lacerda só para, lá de cima, tomar ciência de quão bela é a Bahia de todos os santos e deuses. Desça e vá direto ao Mercado Modelo. O local é cheio de obras de arte e artesanato para os consumidores. Comprei em um box um tríptico de madeira muito simpático e paguei os tubos. Continuando a passear encontrei o artista, autor do objeto comprado que me ofereceu o mesmo objeto por menos da metade do preço. Básico: mercado é coisa de sujeito que explora até a última gota da força do trabalho de outros.

Outro mercado mágico é o Ver-o-Peso, lá em Belém do Pará. Inúmeros corredores repletos de ervas e similares da Amazônia nos impõe a absoluta riqueza da floresta e seu potencial para a medicina em prol da nossa saúde. Cura-se quase tudo com as ervas disponíveis no Ver-o-Peso. Entre o que não se cura é a ganância humana e a safadeza da indústria farmacêutica que pega o que a natureza nos dá, mexe aqui e ali, mistura, e vende a preços absurdos. Pior, vai, pega a erva, analisa e cataloga para depois registrar patente. As histórias são muitas! Básico dois: mercado se apropria e coloca em escala industrial com preços abusivos aquilo que pode ser obtido praticamente de graça. Tipo água!

O Mercado Municipal, em São Paulo, me lembra um resumo do mundo da comilança. Sanduíche de mortadela é um dos atrativos do local. Volumoso, farto! Uma delícia. Viagem ao mundo se faz legal em bancas de frutas: de Tegucigalpa, Istambul, até a querida Varginha… Tudo o que a gente conhece e o que se pode imaginar em cheiro, textura, sabor. Uma festa para o paladar que, quando empolgamos, deixamos quantias imensas no pagamento das frutas. O preço imenso é justificado pela distância. Navio, avião, caminhão, carrinho de feira. Básico três: mercado compra um monte e repassa para a gente no preço da unidade. Não reclame, vá buscar vinho no Porto! Aproveite e visite Portugal.

Na real, no cotidiano, o “mercado da Lo Prete” são os mercadinhos da vizinhança. Aqui bem perto de casa há dois, bem perto um do outro. Ontem fui comprar bananas. No primeiro, seis reais o quilo. No segundo, quatro e noventa. Uma observação atenta e a banana barata estava madura, carecendo de consumo mais rápido. Não pretendendo estocar banana e conhecendo o “macaco que habita em mim”, comprei a fruta madura. Básico quatro: mercado nunca perde. Abaixa o preço. E o grande mercado não abaixa, joga fora para manter lá em cima o preço da bugiganga.

Renata Lo Prete – Foto: divulgação.

Terminando minha viagem mercadológica volto à querida Lo Prete. Ojeriza é a palavra que me ocorre para definir a sensação que me vem quando a âncora diz: “o mercado reagiu”, “o mercado não gostou”, “o mercado não concorda”, ou qualquer outra expressão. Nem Renata Lo Prete, nem os comentaristas paus-mandados dizem de quem exatamente estão falando. Quem foi o “cidadão de bem” que reagiu pessimamente com a porcentagem baixa do empréstimo consignado? Certamente aquele banqueiro acostumado a ter 400% de lucros e que ameaça suicídio quando essa margem desce para 350%. Ou então é algum ocupante daquele prédio horroroso da Avenida Paulista, onde ficava um pato ridículo que diz bem qual o interesse dos mandantes que habitam tal local.

Um nome, D. Renata! Pelo menos um nome, na hora de referir-se ao mercado. A gente sabe que quando a senhora diz o Governo, que é do Lula que se está falando. Como tem nome os ocupantes da prefeitura, dos ministérios todos quando citados. Agora, ficar só no mercado! Será que a jornalista quer que a gente acredite que é o Sr. Antônio, o das bananas mais caras referidas acima, quem faz o país dançar conforme suas vontades? De qualquer forma, resta dizer que é facílimo resolver todos os problemas financeiros da população, D. Renata. É só “fazer” o Governador de Minas e a gente mesmo aumentar nossos salários em 258%. Simples assim!

Para poetas de todas as idades

Estão abertas as inscrições para o XXI Concurso “Fritz Teixeira de Salles de Poesia”, promovido pela Fundação Cultural Pascoal Andreta, de Monte Sião, Minas Gerais. As inscrições vão até o dia 28 de abril de 2023.

O concurso contempla três categorias:

Infantil – Até 13 anos incompletos na data de encerramento das inscrições.

Juvenil – De 13 anos completos até 18 anos incompletos na data de encerramento das inscrições.

Adulto – Acima de 18 anos completos.

A participação no concurso é livre para autores de todas as idades, sem qualquer restrição, obedecendo unicamente a divisão por categorias nas respectivas faixas etárias.

Haverá premiação para os três melhores trabalhos, por categoria, e o edital completo está neste link:

https://fundacaopascoalandreta.com.br

Veja o edital, siga corretamente as instruções e não deixe de participar!

Bocage, O Triunfo do Amor: para celebrar Djalma Limongi Batista

Neste dia 4, terça-feira, no Cine Bijou, será a apresentação do filme “Bocage, O Triunfo do Amor” (1998), homenageando o diretor Djalma Limongi Batista, autor também dos longas “Asa Branca – Um sonho brasileiro” (1981) e “Brasa Adormecida” (1986). No teatro, Djalma realizou uma histórica montagem de Calígula, de Albert Camus..

Djalma Limongi faleceu dia 14 de fevereiro, aos 75 anos. Parte do evento do Bijou, a vida e obra do cineasta e professor será lembrada em conversa com Edith Limongi, Ismail Xavier, João Luiz Vieira, Lívio Tragtenberg e Eugênia Melo e Castro.

Vamos aquecer lembranças sobre Bocage, o Triunfo do Amor, com algumas citações do próprio Djalma Limongi, feitas em depoimento a Marcel Nadale. Nada melhor do que o criador narrando sobre a própria obra:  

“Bocage, o Triunfo do Amor é uma viagem ao mesmo tempo física, mas também interior – uma dualidade muito bacana que eu também senti como cineasta, rodando Brasil e Portugal com a câmera e a equipe”.

“Foi quando descobri a verdadeira importância de Manuel Maria Barbosa du Bocage, seu veio poético, sua época, sua personalidade, seu choque com a corte portuguesa”.

“Bocage conta com sotaques de Angola, Moçambique e Cabo Verde, além do português castiço de Coimbra, das entonações do Sul e do Nordeste brasileiro e das participações de outras línguas latinas, como espanhol e francês. E o latim original, entoado por um professor da USP, Marcos Martinho dos Santos, que sabe falá-lo com a cadência correta, segundo as mais recentes pesquisas da linguística”.

“Bocage enfrentou um surto moralista e homofóbico. Quando foi exibido, contudo, fiz questão de dizer que ele decepcionaria quem esperava por um filme gay. Há na película um erotismo frio, que remete a Pasolini. É um culto metafísico do corpo, o que condiz com o poeta Bocage, que vai da pornografia ao sublime”.

“Quando Bocage foi a Gramado, lembro de Nelson Pereira dos Santos me dizendo que não queria perder o filme porque o haviam advertido para não assistir porque era escandaloso. Mestre Nelson ria e duvidava que algo ainda pudesse chocar no cinema, queria saber como”.

“A viagem multiétnica de Bocage, em especial, me fez enxergar um Brasil cuja única identidade é a língua portuguesa – e que, ainda assim, é renegada junto com todo nosso passado. Aspiramos a outras pátrias. Nossa elite é um entreposto de bom grado para as multinacionais. Não há, portanto, reservas de mercado para nossa produção cultural. Não há sequer um senso de dar prosseguimento a nossa história”.

“Bocage me fez perceber que o principal trunfo do Brasil é o ethos e pathos de seu povo. Nutrimos uma cultura da afetividade que, sem qualquer intuito de nacionalismo laudatório, acho que só existe aqui. Esse ponto forte se traduz tanto numa sexualidade aflorada quanto num anarquismo perene. Talvez isso é que nos liberte. A História, graças a Deus, é imprevisível”.

“Bocage entrou em circuito no começo de 1998, no mesmo dia que o megassucesso Titanic (James Cameron)”.

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Citações extraídas:

Djalma Limongi Batista: livre pensador, por Marcel Nadale. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. (Coleção aplauso).

O livro está disponível em PDF neste link: Djalma Limongi Batista: livre pensador

Serviço:

Bocage, o Triunfo do Amor + conversa com convidados

Dia 4 de abril, 20h – Ingressos: R$ 10,00

Cine Bijou – Praça Roosevelt, 172 – São Paulo

Realização: APACI + CINE SATYROS + SPCINE

Sem cela especial! E eu estudei para quê?

Foto: divulgação

Acabou a mamata, meliante meramente formado! Há que se ter mais do que um diploma para “merecer” uma cela especial nas prisões nacionais. Para garantir a solidão carcerária é necessário ter pedigree. A legislação inclui uma lista de exceções e, excluído da tal lista, optei por citar algumas categorias que têm direito ao benefício, começando pelas pessoas inscritas no Livro de Mérito! Este andou no noticiário recente quando um sujeito tratou de incluir o próprio nome no tal livro para evitar o xilindró!

A lei do livro de Mérito, de 1939, é um primor! Para ser digno de tal honraria há que se ter amigos, de preferência o próprio Presidente da República, já que este é quem nomeia a comissão que dará o parecer sobre incluir o nome do pretendente no tal livro. Entre as razões para que alguém receba tal menção: doações valiosas! Atenção, a lei não estabelece a quantia do que seja valioso. Poderia ser um colar de diamantes, um relógio de brilhantes, ao invés de grana em espécie?

Não sendo rico para fazer tal doação, o pretendente à cela individual pode se tornar pastor. Muito melhor que padre, já que para o sacerdócio o tempo de formação é de cerca de oito  anos. Para se tornar pastor bastam 4 meses! Ambos podem desfrutar de uma cela para a própria penitência.

Da lista consta os senhores advogados. Não especificado se com ou sem OAB. Como também não me interessa o Direito, pode ser que algum dia eu venha a exercer a função de jurado. Ah, jurado direitinho, ali no julgamento de grandes criminosos; quem, como eu, julga escola de samba vai para cela coletiva.

A lei que se pretende justa, faz a Justiça, ou seja, é cega! Não vê, por exemplo, que para recuperar um cidadão há que se ter uma cela minimamente humana; sem tapetes persas, sem vinhos franceses, apenas uma cela. Permitindo ao cidadão o mínimo de dignidade e a possibilidade de refletir, repensar a própria vida e, uma vez de volta ao convívio social, tomar novo caminho. O que, notoriamente, não acontece. A reincidência criminosa no Brasil é imensa.

A superlotação das celas brasileiras é caso sério. Onde deveria estar, no máximo, um grupo de 10 detentos coloca-se 20. “Você não sabe o que é ter alguém pisando na sua cabeça”, ouvi o relato de um ex-presidiário, entre outros problemas citados. Para evitar superlotação, além de todo um trabalho que deveria buscar diminuir os índices de criminalidade, deveriam construir presídios. Não costumamos ver no programa de candidatos a construção de tal edifício, posto que, não vamos enfeitar a tapioca, caso seja informado em campanha o local onde se erguerá a futura penitenciária o político sabe que não poderá contar com votos da comunidade envolvida. Ou seja, todas as comunidades carecem de ter consciência que a recuperação de gente criminosa é responsabilidade de toda a sociedade. O problema é complexo e vem de longe, assim o jeitinho foi inventar a tal cela especial.

Somando todas as categorias beneficiadas pelo privilégio de uma cela privada teremos milhares, talvez vários milhões de pessoas. É só somar:  Ministros de Estado, senadores, oficiais das Forças Armadas e militares estaduais, padres, pastores, rabinos e outros sacerdotes, ministros de tribunal de contas, delegados de polícia e guardas civis, magistrados desde o STF até aos juízes de tribunais locais, pessoas que exerceram a função de jurados, pessoas inscritas no Livro de Mérito e Advogados (com OAB são mais de 1.300.000).

Não está em meus planos premeditar nenhum crime. Procuro andar nos conformes, já que tenho claustrofobia. Todavia, vai saber o que nos reserva as linhas das mãos, o horóscopo, as cartas do baralho, a vontade divina. Portanto, aos que assinaram a lei e aos que a comemoram, vamos insistir em celas para humanos? Celas para correção? Celas para recuperação? Celas para ressocialização dos indivíduos? Foi, enfim, esse o motivo pelo qual estudei, caros legisladores: não para ter cela especial, mas para exigir, enquanto eleitor e cidadão em dia com meus impostos, que todos tenham o mínimo de dignidade necessária para viver. Inclusive nas prisões.

Onde morar?

A Praça da Sé, em foto de 2022

O sujeito que ocupa a prefeitura de São Paulo é um grande sábio, autor de expressão conclusiva que deve entrar para a história: “rua não é endereço e barraca não é lar”, disse, após vitória da prefeitura na justiça para retirar das vias públicas barracas de moradores em situação de rua. A questão é problema quando entra uma matemática básica na história.

Alardeando ter criado 21 mil vagas para a população afetada, o prefeito ignora o fato de que são 32 mil pessoas nessas condições, conforme levantamento municipal, o que também não bate com uma pesquisa da UFMG: seriam mais de 42 mil pessoas. Em seu pronunciamento o ilustre sábio não diz o que fazer com as milhares de pessoas que, sem habitação, não podem morar nas ruas. Informa que irá em frente aumentando as vagas. Até que isso ocorra, a solução do digníssimo alcaide é proibir barracas nas ruas.

O caminho para as ruas, invariavelmente, começa pelo desemprego, passa pelo subemprego e o desequilíbrio entre gastos e ganhos. Tipo um amigo para quem restou a informalidade trabalhando como motorista por aplicativo. Com a imensa quantidade de quilômetros diários rodados não demorou nadinha para que o carro precisasse de consertos. Provavelmente, o prefeito de São Paulo comentaria: “se fizesse manutenção o veículo não precisaria de oficina”. O ilustre gestor esquece do combustível,  do aluguel, do mercado, da farmácia, da luz, do gás, da água…

Após vender tudo o que podia e o que não deveria, como exemplo aqui a geladeira, a primeira inadimplência foi para com amigos, parentes e conhecidos: pede-se uma grana e não paga. A gente entende. Quem não entende é a ENEL, que corta a luz, o dono do imóvel quando atrasa o aluguel e os demais fornecedores. A família vai perdendo tudo. Sem maiores dramas, meu caro amigo mudou-se para apartamento menor, no fim do mundo – irá gastar mais gasolina – e, graças aos céus, não foi parar na rua. Isso não ocorre com todo o mundo, ou alguém, além do prefeito paulistano, acha que a pessoa vai morar na rua porque quer?

Sob um viaduto na Rua Major Diogo vi, em várias ocasiões e horários, o cotidiano de alguns moradores em situação de rua. Um grupo em círculo segurando um tecido garantindo, com isso, um mínimo de privacidade para alguém, no meio do círculo, tomando banho. Em dias gelados faziam pequenas fogueiras que aqueciam alimentos e quem estivesse ali, ao redor do fogo. Não é difícil relatar e enumerar outras situações, mas o que eu gostaria mesmo é de poder fazer com que o Sr. Ricardo Nunes, o sábio prefeito, passasse por tais experiências. Talvez se empenhasse em encaminhar com maior agilidade as soluções pretendidas e necessárias.

Constata-se matematicamente que é insuficiente a quantidade de vagas disponíveis nos abrigos paulistanos. A barraca é um último recurso antes que a pessoa vá viver a céu aberto, o que, ao que tudo indica, pouco importa ao prefeito. A barraca não é solução, fato. Então, cabe ao sujeito que ocupa a prefeitura prover meios e formas de resolver a questão; é para isso que o sujeito está ocupando tal cargo.

Esterco, gasolina e caquis

Foto: Flávio Monteiro

Tempo de caqui, a fruta bastante apreciada pela doçura, pela polpa sempre gostosa quando gelada ou natural. Feiras e quitandas oferecem nessa época e quem curte sabe, há que se consumir rapidinho, pois a durabilidade do caqui é de no máximo cinco dias. O porém da fruta é para quem está com alta concentração de glicose, que assim deve consumir menos. Chatice! Pior e fez crescer a irritação comprar uma caixinha com cinco míseras e sentir o sabor alterado por agrotóxicos. A casca estava perdida, contaminada pelo veneno que afetou a polpa. O agronegócio irá nos matar! Maldita civilização que em nome do lucro envenena campos, lavouras, rios, mares, tudo em nome do lucro!

Ruminando raiva lembrei uma antiga anedota persa, citada por Gurdjieff, mais parecida com nossos causos, conta o diálogo entre dois pardais em um telhado. O pássaro mais novo narra que alguém jogou pela janela, bem próxima de pardais brincando, algo parecido com farinha. Os pardais correram a comer e quase se arrebentaram, posto que se tratava de cortiça cortada fina. O velho pardal respondeu, lamentando os novos tempos.

Antigamente, enquanto descansavam sobre um telhado, um ruido da rua, um estrondo, pequenos estalidos e, invariavelmente, elevava-se um odor que enchia os pássaros de alegria. O esterco. Sabiam que sobrevoando os locais de onde vinham barulho e cheiro encontrava o que é essencial para a vida. Hoje, concluiu o velho pássaro, não faltam barulho e cheiro, este impossível de suportar. E se os pardais voam para a rua em momento de calmaria, nada encontram além de manchas e fedor de óleo queimado.

Gurdjieff usa tal causo para refletir sobre a diferença entre a civilização contemporânea e as civilizações de épocas passadas. Tratando de substancial diferença entre carruagens e automóveis. Viciados, nosso primeiro ímpeto é tomar a defesa do conforto, da segurança, da velocidade. Poderia estar incluso nessas características do automóvel a durabilidade. No entanto, o tempo que se leva para trocar um carro – vício imposto pelas montadoras – é bem menor do que o tempo de vida de um cavalo comum.

Longe estou de pleitear o retorno de carruagens e carroças. A burrice moderna consiste em tornar lixo o que é notoriamente aproveitável. Uma rápida pesquisa sobre a quantidade de resíduos produzidos pela indústria automobilística pode assustar bastante. Sem esquecer o impacto ambiental gerado por gasolina, óleos, graxas, cuja queima se alastra infestando a atmosfera. E os agrotóxicos nos alimentos!

Voltando aos pardais, tanto quanto outros pássaros, desconheço como ensiná-los a tirar agrotóxicos de frutas. Sinto o gosto diferente nas cascas, vejo partes esbranquiçadas no cabinho do morango e, após higienizar, como rezando para que os Anjos e Santos me livrem de um câncer de intestino. E compro sementes para os pássaros que visitam nosso pequeno terraço; afinal, só posso lamentar por uma civilização que destrói não só o ambiente em que vive, mas que por falta de senso coletivo envenena todos os que não podem consumir alimentos orgânicos.

Penso, finalizando este, o que diria Gurdjieff ao descobrir, minha rápida pesquisa sobre o caqui envenenado que, na falta de um pesticida próprio para a fruta, usam veneno recomendado para outra fruta! Devidamente registrado em um trabalho universitário que nos informa que nossos dirigentes responsáveis pela coisa sabem e autorizam o veneno que ingerimos cotidianamente. Civilização avançadíssima!

Notas:

– A anedota contada por G. I. Gurdjieff está no livro Encontros com homens notáveis.

– O trabalho citado, “Condições e consequências do manejo de agrotóxicos na cultura do caqui em propriedades rurais do município de Caxias do Sul/RS”, é de Rosane Deidane. Universidade de Caxias do Sul.