“Ex África” é a África?

ex africa
A thousand Men Can Not Build a City (detalhe) – Abdulrazaq Awofeso – Nigéria

O CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil – SP, anuncia “Ex África” como a “maior exposição sobre arte africana contemporânea já realizada no Brasil”. Estão na mostra fotografias, pinturas, esculturas, performances, vídeos e uma instalação, totalizando 80 obras que deverão, ainda conforme a instituição, ampliar o debate sobre a significativa contribuição da herança africana na formação da identidade brasileira.

O título da exposição foi retirado de uma citação de 2000 anos atrás, atribuída ao escritor Caio Plínio Segundo: “Ex Africa semper aliquid novi” (da África sempre há novidades a reportar). Certamente a exposição é “da África”, mas pretender que ela represente o continente é ponto a ser questionado. Se a exposição traz dezoito artistas vindos de oito países, mais dois afro-brasileiros, seria esse grupo representante de todo o continente?

Ano passado, por duas oportunidades, trabalhei com um grupo de angolanos que, em dado momento, ressentiram-se de que nós, brasileiros, nos referimos ao continente como se este fosse unificado e identificado como grupo homogêneo. O continente africano, com 54 países, está muito além da generalização que nossa ignorância e descaso histórico registra ao longo de séculos. Foi esta reinvindicação do grupo angolano que voltou, imperiosa: Oito países refletem a arte contemporânea de toda a África?

Por menos que conheçamos a Europa sabemos distinguir as imensas diferenças entre, por exemplo, os portugueses e seus vizinhos espanhóis. Todavia, no caso presente, qual a semelhança entre Senegal e o distante África do Sul? Quais as diferenças entre a Nigéria e Gana?

Pela exposição é possível perceber que o grupo apresentado entrou na “cena artística global” com obras que poderiam ser vistas em qualquer outro espaço ou galeria em que se expõe arte contemporânea. Estão antenados e, certamente, interagem com seus pares de outros continentes. Transitam por diferentes formas, suportes, linguagens e dão-nos a certeza de que, como nós, estão ou são globalizados.

Há que se ter um começo; e o CCBB começou há 15 anos com a mostra Arte da África, retomando a temática – pretensiosa – de apresentar “um panorama da produção artística da África atual e suas influências no mundo…” Ainda não. Falta muito para que possamos identificar cada país africano como fazemos com Europa e América do Norte, ou mesmo, com nossos vizinhos aqui da América do Sul.

A curadoria da exposição, assinada por Alfons Hug e Ade Bantu, tem o mérito de mostrar faces de alguns países através da obra de artistas representativos. Abre-nos uma porta para o continente e nos instiga a ir além para quem sabe, um dia, podermos distinguir pelo menos uma dezena, das dezenas de países africanos.

Até mais!

Clara Nunes, sempre!

Clara Nunes

30 anos sem Clara Nunes! Na próxima terça-feira lembramos aquela que está entre as maiores sambistas brasileiras, mineiríssima Clara das Gerais, falecida em 02 de abril de 1983. Uma morte ingrata para uma jovem com apenas 40 anos de vida, que colhia os frutos de uma carreira de imenso e merecido sucesso.

Algumas faces dessa cantora inesquecível: Quando a gente pensa em  forró, quem se lembra de Clara Nunes em “Feira de Mangaio”, “Viola de Penedo”, com a mais pura e esfuziante alegria nordestina? A brasilidade da cantora atravessa regiões e ela manda bem no forró do mestre Sivuca.

“Fumo de rolo, arreio e cangalha

Eu tenho pra vender, quem quer comprar

Bolo de milho, broa e cocada

Eu tenho pra vender, quem quer comprar…”

Se for para lembrar alguém que gravou grandes poetas, aparece o nome de Clara Nunes em canções como “Tu que me deste o teu cuidado” (Manuel Bandeira) e “Ai,quem me dera” (Vinícius de Moraes)? Esta canção do grande mestre tem poucos registros; quem conhece a gravação de Clara Nunes entende a dificuldade em sobrepujar a interpretação da cantora.

“Ah, se as pessoas se tornassem boas

E cantassem loas e tivessem paz

E pelas ruas se abraçassem nuas

E duas a duas fossem ser casais…

Creio que algo irá ser dito sobre os grandes sambas, os sucessos estrondosos. Quero, aqui, enfatizar a cantora de diferentes “Brasis”. Em rodas de capoeira, por exemplo, encontramos invariavelmente muitos marmanjos suados, desafinados, mas com muita ginga. Dá para imaginar, no meio dos caras, a voz límpida e afinada de Clara Nunes em “Fuzuê”?

“Eh, fuzuê

Parede de barro

Não vai me prender…”

Entrando no que há de mais representativo em Minas Gerais, a cantora da terra entrou de sola na obra de Guimarães Rosa, dá para somar a voz de Clara Nunes e um falar todo sertanejo em “Sagarana”?

“… quem quiser que cante outra

Mas à moda dos gerais

Buriti: rei das veredas

Guimarães: buritizais!”

É fácil pensar em Clara Nunes  entre as maiores cantoras desse país. Dona de uma enorme extensão vocal, ela soube usar esse potencial com um repertório caracterizado pela grande diversidade. Nos discos de Clara Nunes tem fado e rancho; tem jongo, valsa, bolero e… Samba!

Os sambas cantados por Clara Nunes são antológicos. Para voltar às raízes africanas ela foi além da Bahia; foi para Angola, assumindo contas, pulseiras, turbantes e gingado, muito balanço e força rítmica.

Admiro seu jeito mineiro de ser feminista. Criou seu teatro, para ter e propiciar um lugar de trabalho e gostava de ser independente. Teve um olhar atento para compositoras como d. Ivone lara, assim como realizou gravações memoráveis com Clementina De Jesus, juntas homenageando a Menininha Do Gantois.

Pra registrar preferências, tenho duas paixões na voz de Clara Nunes: “Sabiá” (Tom Jobim e Chico Buarque) e “Basta um dia” (da peça Gota D’Água, Chico Buarque e Ruy Guerra). Todas as outras que me perdoem, mas nessas, só ouço a grande cantora mineira.

30 anos sem Clara Nunes. Ficaram os vários discos e a voz inesquecível que Alcione chama de volta, como ninguém:

“Clara

Abre o pano do passado

Tira a preta do serrado

Põe Rei Congo no Gongá

Anda

Canta o samba verdadeiro

Faz o que mandou o mineiro,

Ó mineira!”

Clara Nunes é para ser lembrada; sempre!

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Até!

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Notas Musicais:

Feira de Mangaio – Glorinha Gadelha / Sivuca

Ai, quem me dera! – Vinícius de Moraes

Fuzuê – Romildo S. Bastos/ Toninho

Sagarana – João de Aquino/Paulo César Pinheiro.

Mineira– João Nogueira/Paulo César Pinheiro.