Mulheres brasileiríssimas

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Para o dia 8 de março saí passeando pela música, lembrando as mulheres todas do nosso imaginário, ícones do nosso povo, exemplos da nossa gente, presentes na música brasileira de todos os tempos. Meu caminho, o abecedário…

No “A” encontrei “Ana Júlia”, “Aurora”, “Ana de Amsterdã”, a trágica “Angélica”e a judiada “Amélia”, com freqüência execrada como alienada, acomodada, sem vontade própria. Eu gosto de vê-la como companheira (coisa difícil de encontrar hoje em dia!).

Nunca vi fazer tanta exigência

Nem fazer o que você me faz

Você não sabe o que é consciência

Não vê que eu sou um pobre rapaz…

Deixei “Amélia” no tempo e fui para o “B” e, de cara, recordei “Benvinda”, muito doce e “Bárbara”, muito forte. Esbarrei em “Beth Balanço”, mas parei mesmo em “Beatriz” que é, talvez, uma das mais belas composições de CHICO BUARQUE.

Sim, me leva sempre, Beatriz

Me ensina a não andar com os pés no chão

Para sempre é sempre por um triz

Ai, diz quantos desastres tem na minha mão

Diz se é perigoso ser feliz…

As moças que não percebem o tempo passando são lembradas no “C”de “Carolina”. Mas aqui é legal assinalar a doce poesia de JOYCE, homenageando suas filha Clara e Ana em “Clareana”. Corro rápido para o “D”, de “Dona” que, tenho bem certeza, era música que meu irmão apreciava. Nessa letra tem a “Dinorah”, a “Domingas” a “Doralinda”, mas esse citado irmão ficaria chateado se eu deixasse de citar “Diana”:

Não se esqueça meu amor

Que quem mais te amou fui eu

Sempre foi o seu calor

Que minha alma aqueceu

E num sonho para dois

Viveremos a cantar

A cantar o amor, Diana!

A letra “E” anda meio pobrinha… Só encontrei uma “Valsa de Eurídice”, linda demais pra ter outra. Deixei a tristeza de “Eurídice” e fui rapidinho encontrar “Flora”, na letra “F”. Flora, a da vida real, é a esposa do GILBERTO GIL. Certamente apaixonada pelo cara, por toda a eternidade, depois de tão soberba homenagem.

Toda aquela luz acesa

Na doçura e na beleza

Terei sono, com certeza

Debaixo da tua sombra

Ô, Flora…

Depois da ternura de GIL por sua esposa, chego num ícone de mulher, criada nesse Brasil moreno, imortalizada por JORGE AMADO em seu romance. O “G” só pode ser de “Gabriela”. “Glória, Glorinha” que me perdoe e até GAL, que tem seu nome em música, mas “Gabriela” é o máximo! E tem “Cantiga por Gabriela” “Tema de Amor de Gabriela”… Tudo muito bom, com a assinatura do mestre maior, TOM JOBIM.

Molha tua boca na minha boca

A tua boca é meu doce, é meu sal

Mas quem sou eu nessa vida tão louca

Mais um palhaço no teu carnaval

“H” é letra da “Helena” na voz do grande TAIGUARA, de grata lembrança. Os ecos das risadas de “Irene” ecoam pelo “I” e por todo abecedário musical; todavia a triste história de “Iracema” é que será aqui mencionada também por lembrar uma grande mulher, CLARA NUNES, intérprete definitiva da música de ADONIRAN BARBOSA.

E hoje ela vive lá no céu

E ela vive bem juntinho de nosso Senhor

De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos

Iracema, eu perdi oseu retrato.

“Januária” deve ter visto tudo da janela, ambas com “J”. Aqui tem uma música que gosto muito, “Joana, a Francesa” e sempre recordo a “Jezebel” na poderosa voz de LENNY EVERSON. Tocando em frente, chego no “K” de “Kátia Flávia, a Godiva do Irajá”e charmosa louraça belzebu, com suas calcinhas rendadas.

Pulo rapidinho para o “L” de “Luiza”. Mulheres fortes nessa letra: “Luz Del Fuego”, “Lindonéia” e, é claro, “Lady Laura” (Aqui mando um beijo pra minha mamãe!)

Quantas vezes me sinto perdido

No meio da noite

Com problemas e angústias

Que só gente grande é que tem

Me afagando os cabelos

Você certamente diria

Amanhã de manhã você vai se sair muito bem…

“Maricotinha” é fresquinha, não gosta de chuva. “Marina” pintou o rosto e o pai, DORIVAL CAYMMI não gostou. Nesse “M” tão forte e poderoso, fica a minha senhora do engenho, a “Maria Bethânia”. Há um disco maravilhoso, produzido por ELBA RAMALHO, todo em homenagem à grande mãe de todos nós, Maria, a cheia de graça. MILTON NASCIMENTO e FERNANDO BRANT fizeram a música representativa de todas as Marias do Brasil, na interpretação impecável de ELIS REGINA.

Mas é preciso ter manha

É preciso ter graça

É preciso ter sonho sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida…

Encontrei, no “N”, a “Nina” de DANIELA MERCURY e no “O”, Olga. Aqui, gosto de brincar com o “se você fosse sincera, ô, ô, ô, ô ORORA”, que o MUSSUM cantava, divertindo meio mundo. Andei mais, que esse post está ficando imenso, e cheguei no “P” de Patrícia, do CAETANO VELOSO.Resolvi seguir em frente, pois, no “Q”,não encontrei ninguém, indo direto para a próxima letra.

“R” lembra a “Rita Baiana”; uma personagem e tanto, diferente da outra, “A Rita”, que “levou seu retrato, seu prato, seu trapo, que papel!”

Das tantas “Rosas” desse país, a “Rosa de Hiroshima” lembra um momento triste da humanidade, mas hoje é dia de alegrias e eu fico aqui é com “A Rosa” safada, danada da gota, cantada por CHICO BUARQUE e DJAVAN.

A falsa limpou a minha carteira

Maneira, pagou a nossa despesa

Beleza, na hora do bom me deixa, se queixa

A gueixa

Que coisa mais amorosa

A Rosa….

No “S” todo mundo lembra-se de pedir “Oh!Suzana” não chore… Mas, legal mesmo é lembrar da cigana mais famosa dos últimos anos; de todo o povo querendo, junto com SIDNEY MAGAL, ver “Sandra Rosa Madalena” sorrir e cantar.

Ela é bonita, seus cabelos muito negros

E o seu corpo faz meu corpo delirar

O seu olhar desperta em mim uma vontade

De enlouquecer, de me perder, de me entregar…

Das cantigas de roda CHICO BUARQUE resgatou uma “Terezinha” que viveu grandes amores. Aqui, encontro “Tati”, a garota, e chego ao tango, esse maravilhoso e caliente ritmo. Tango, no “T”, só o “Tango pra Tereza” na voz de ANGELA MARIA, uma entre as grandes cantoras brasileiras de todos os tempos. Tem outra, a “Tereza da Praia”. Duas Terezas, urbanas, mas a “Cabocla Tereza”, de JOÃO PACÍFICO, é imbatível.

Senti meu sangue ferver

Jurei a Tereza matar

O meu alazão arriei

E ela fui procurar

Agora já me vinguei

É esse o fim de um amor

Essa cabocla eu matei

É a minha história, dotô!

No “U” também não encontrei nenhuma Úrsula ou similar. Em “V”, os talentosos JOÃO BOSCO e ALDIR BLANC contaram a história de “Violeta de Belford Roxo”, uma santinha que engravidou de um sargento, vizinho… Sem querer fofocar, fui para o “X” da Xica que manda, a “Xica daSilva” de JORGE BENJOR.

Pra ninguém me chamar de radical coloquei Diana, uma música estrangeira nesse abecedário. Não será a única. No “Y”, quem pode deixar “Yolanda” de fora?

Se alguma vez me sinto derrotado

Eu abro mão do sol de cada dia

Rezando o credo que tu me ensinaste

Olho teu rosto e digo à ventania

Yolanda, Yolanda

Eternamente, Yolanda

Chegamos ao “Z”, de ZEZÉ MOTTA, e a música que RITALEE fez para homenagear nossa atriz e cantora, que deu cara, voz e uma imagem definitiva para a “Xica da Silva”.  Ave, ZEZÉ MOTTA!

Esse abecedário não pretende ser completo. Antes de concluí-lo, outras músicas já aparecem, mas eu paro por aqui, mandando um beijo para todas as mulheres que permeiam minha vida, e a vida de todos nós.

Feliz dia Internacional da Mulher!

Beijos!

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Poleiro de pato é no chão

Ele se achava todo pimpão, poderoso, traçando a mulherada do pedaço. Quando no espelho via-se como galã de cinema. Gostava de fazer pose de cantor de tango; às vezes de boxeador ou, ainda, de bom moço, romântico. Sobretudo via-se como um belo galo.

Morava na Lapa, o bairro boêmio do Rio de Janeiro, no andar de cima de um sobrado, bem ao lado de um boteco freqüentado por sambistas. “Essa gente de samba!”, dizia ele com desprezo. Principalmente por conta de um branco, sujeito elegante e refinado. O que faria naquele boteco de samba? O fato é que o tal sambista chamava-o de Pato. E ele odiava ser chamado de Pato, assim como detestava lembrar quando surgiu o apelido.

Aurora, mulata de quadril bamboleante, ignorou o galo da lapa e, depois de meses de aparente paixão, foi flagrada com um caixeiro viajante, trocando fidelidade por vidros de perfume. Ele sempre suspirava ao lembrar o triste fato. Ah, Aurora…

Se você fosse sincera

Oh,oh, oh, Aurora

Veja só que bom que era

Oh,oh, oh, Aurora…

O abandono de Aurora foi público. Ele chorando no portão, tentando reter a mulata; o sambista não perdoou, cantarolando que “poleiro de pato é no chão”. Uma navalha daqui, um golpe de capoeira dali. A situação foi amainada pela “turma do deixa disso” mas, inevitável, o apelido ficou. Vaidoso, como o galo que achava que era, aprumou-se para nova conquista. Tinha sorte com mulheres. A mulata foi substituída por uma ruiva novinha, moradora do Rio Comprido, que trabalhava como copeira em Copacabana.

A nova namorada fazia jus ao mito de que mulher ruiva tem um fogo só comparado à cor do cabelo. Não é por ser copeira que não filosofava. E namorando um rapaz em cada esquina, cantarolava para todos eles:

…Se o amor só nos causa sofrimento e dor

É melhor, bem melhor a ilusão do amor

Eu não quero e não peço para o meu coração

Nada além de uma linda ilusão.

Quando soube ser um entre vários, tomou um porre e… Deixou vazar a história justamente no boteco vizinho. A moça gostava tanto da coisa que o convidou para brincar com mais dois rapazes. Ele fugiu, escandalizado.  O sambista lembrou o que já era sabido: poleiro de pato é no chão. Nesse dia não houve briga; o abandonado estava muito bêbado, praticamente nadando na cachaça.

Destino triste esse que só colocava mulheres traiçoeiras na vida daquele cidadão. Será que era castigo por ele ter abandonado Amélia? Muito jovem, ele queria conhecer os prazeres da vida e Amélia facilitou a primeira experiência. Viveram juntos, mas ele, galo, queria mais. E foi embora, abandonando a primeira namorada para ser traído pela mulata, dividido pela ruiva…

…Ai, meu Deus, que saudade da Amélia

Aquilo sim é que era mulher…

Lamentações só quando bêbado. Sóbrio voltava ao espelho e, aprumado, saia pra vida, para buscar novos amores. Na vizinhança deu falatório. Tantas namoradas sem segurar nenhuma. Volta e meia corneado ou simplesmente abandonado, amigavelmente dispensado… O sambista sentenciava: – não é galo, é pato!

Amélia reapareceu radiante. Madura ganhou formas fartas, bem proporcionadas. Portava jóias, sapatos e bolsa do mais fino couro e a roupa era coisa fina. E o pior, estava de braço dado com um sujeito que só podia ser doutor. Ninguém entendeu o que fazia aquela distinta senhora passeando pela Lapa. Desconfiaram quando ela voltou seguidas vezes. Um decote aqui, a fenda de uma saia, calças apertadas evidenciando a generosidade da natureza para com a bela mulher.

Ela lançava olhares, esboçava sorrisos. Ele, certo de que tudo era pra si, pagou uma alcoviteira para levar bilhete, marcando encontro para o dia tal. Cansado de tantas aventuras mal sucedidas iria reconquistar Amélia. Gastou horas no espelho, vestiu o melhor terno e, perfumado, foi para o local onde encontrou a antiga namorada nos braços do sambista. Amélia disse apenas, “meu filho, que se há de fazer?” Madrugada daquela noite, o primeiro namorado da mulher de verdade enchia a cara encostado no balcão do boteco. O sambista voltou cantando, triunfante:

… ai, ai, ai, poleiro de pato é no chão

Mestre pato fez poleiro

No coqueiro do quintal

Mas o rei do galinheiro

Achou isso desigual

Pois diz ele que o terreiro

É pro galo vadiar

Pato se quiser poleiro

Peça à pata pra arranjar.

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Este post é uma homenagem para Mário Lago, o compositor e ator que encantou todos nós. Nascido em 26/11/1911 e falecido em 2002, foi autor das canções citadas acima, relacionadas a seguir:

Aurora (Mário Lago e Roberto Roberti)

Nada Além (Custódio Mesquita e Mário Lago)

Ai, que saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago

Poleiro de Pato é no chão (Mário Lago e Rubens Soares)

Detalhes sobre a vida e obra de Mario Lago no site http://www.mariolago.com.br/