
Somos seres bipolares. Desde não sei quando os homens estão de um lado e as mulheres do outro. Uma fonte perene de conflitos. Há outras divisões que assolam temporariamente o planeta; um exemplo foi o mundo dividido por dois sistemas político-econômicos: de um lado o socialismo, de outro o capitalismo. O declínio da União Soviética indicou para muitos a vitória do capitalismo; todavia, o socialismo permanece como ideal para incontáveis indivíduos; a bipolaridade segue.
Há divisões banais, como a importância dada pela emoção dos envolvidos durante uma partida de futebol. Vivenciei boas contendas quando meu irmão mais velho era corintiano e eu palmeirense. Por outro lado, há divisões extremamente perigosas, envolvendo a fé de milhões de seres humanos quando se contrapõem crenças. Muito já foi feito em nome de Deus… Para refletir escolhi dois exemplos de um livro de História da Igreja, escrito por Roland Fröhlich.
- “Em 391, Teodósio proíbe todo culto pagão”.
- Cerca de 510 os borgonheses passam para a fé católica.
Exemplos aparentemente banais, perdidos no tempo. Entretanto, quando refletimos um pouquinho nos deparamos com situações similares, mexendo com milhões de pessoas. Em maio do ano passado um juiz brasileiro afirmou em sentença que “as manifestações afro-brasileiras não se constituem como religião”. Foi alguém, com postura similar, que determinou que fosse católica a religião de todos os escravos oriundos da África. Aqui, o respaldo foi amplo, já que por decreto o Brasil era oficialmente católico.
Quem vive na pele esse tipo de situação deve sofrer muito. De uma hora para outra o indivíduo está proibido de cultuar determinada divindade, ou vê-se obrigado a professar a fé de outro grupo que conseguiu pela força impor seu credo. Há aqueles que se submetem com docilidade e os outros, que guardarão por dezenas, centenas de anos, preceitos, dogmas e hábitos que em momento oportuno farão voltar ao cotidiano. Judeus, dispersos pelo mundo, jamais perderam seus hábitos e católicos, oprimidos pelo regime russo, mantiveram na calada os rituais de seus ancestrais.
Certas questões estão profundamente impregnadas nas pessoas para que sejam perdidas por imposição exterior e, acredito, viveremos conflitos eternos, pois travaremos grandes batalhas sempre que necessário para que possamos viver do “nosso jeito”.
O “nosso jeito” é, com bastante frequência, resultado da sugestão ou do modo de ser de um sujeito. Profetas, guerreiros, chefes, líderes políticos, mestres, nos deram uma maneira de ser, uma forma de caminhar e estar no mundo. É comum afirmarmos com brutal arrogância, “- Eu sou assim!” quando na verdade só fazemos imitar ou seguir o que um outro fez ou disse. E estamos prontos a pegar em armas para que prevaleça o “nosso jeito”, para que possamos afirmar que “- Eu sou assim!”.
A França, os muçulmanos, um jornal, algumas mortes; acontecimentos que abriram grandes discussões, profundos debates sobre liberdade, censura, fé e entre outros temas, o terrorismo. A grosso modo é possível afirmar que alguns indivíduos fizeram críticas violentas e outros indivíduos, indignados, resolveram a coisa à bala. Resultou que os atos sofridos por alguns indivíduos atingiram toda a França e esta reagiu como “mãe” que não vê defeitos em seus filhos e, pior, multiplicaram-se insinuações de que os outros, os primeiros agressores, representam todos os muçulmanos.
Precisamos pensar; analisar e evitar reações intempestivas. O que é ação individual e o que é representação coletiva? O que é necessidade de grupo, de uma nação, e o que é imposição de poucos, com reais interesses raramente expressos? Quais as verdadeiras motivações daqueles franceses que agora estão mortos? E os que mataram, foi em nome de quem? Difícil aceitar um mero “- Eu sou assim!” para essa situação; muito menos para ambos os lados, que tal fato deu-se por conta do “nosso jeito”. Os atos, de ambos os lados, refletem problemas imensos onde cabem constante reflexão e busca de soluções.
Até mais!