Em períodos tão intensos há que se ter tempo para o amor. E a gente foi celebrar a capacidade humana de amar e estar um com o outro no Ceará, especificamente em Fortaleza. Um casamento! Sair de casa, percorrer mais de três mil quilômetros para um breve encontro em família. Não aquela de sangue, mas a que nos foi colocada e a quem assumimos com alegria nessa vida.
Faz tempo que não vou a casamentos. Estou aqui tentando recordar o mais recente, anterior a este que nos levou ao Ceará e, na lembrança, vem um de 2011… Depois que a gente passa de uma certa idade os casamentos são raros e assim, quando casa uma pessoa querida – minha amiga Cristiane Buco –, o jeito é arrumar a fatiota de casamento e rumar para a festa.
Passagem de avião é aquela coisa: você procura o voo mais em conta e parcela em 13 vezes (Lula!). Resta arrumar um cantinho para repousar. É aqui que entra Maria Cecília Calaça. De origem mineira, quando questionada se poderia nos hospedar, a resposta foi música para os ouvidos: “Venha quando quiser! Se eu não estiver em casa deixo a chave com o Caio, mora no quarto andar, e vocês se ajeitam. A casa é de vocês!” No meu círculo de relações é só gente de Minas que faz essas coisas.
Cecília foi nos pegar no aeroporto, e aí já ocorre algo com o que identificamos o nordeste: deixa-se a bagagem em casa e toma a direção de uma festa. Um aniversário! E eu, mineiro tímido, me pergunto nos primeiros minutos enquanto encontro “novos amigos de infância”: o que é que estou fazendo aqui? Zakira, o aniversariante, tratou de colocar a mim e ao Flávio à vontade entre os seus e, em pouco, concretizou-se a amizade que parece não ter tempo. Foi no aniversário que ouvi a observação: deve ser esse um casamento muito especial para o qual vocês vieram!
Conheci Cristiane no Instituto de Artes da Unesp, no século passado! E depois de tantos anos recebo o convite: “Vou me casar! Gostaria que você viesse”. Fui. E conheci Verônica, a doce companheira, agora esposa, da Cris. Um casamento especial por ter sido o primeiro em que estive: duas meninas! Os tempos tem sido melhores para todos que estão no grupo LGBTQIA+ e agora a gente pode festejar com as duas famílias essa união que vem de longe, já se concretiza estável, e todo mundo torcendo para que vá muito além.
Cecília Calaça, nossa anfitriã.
Cecília de vermelho, as noivas de branco, três meninas do Ceará. Aqui e ali, no imenso salão, novos amigos, velhos conhecidos. Beth, Rosa, Cris, Tati, Lilian, Jacó… Amigos. Um casamento. As famílias juntas e misturadas, tornando-se uma. Sem esquecer o momento para além da festa, volta e meia acontece gritos de “Lula!”. Todos que transitam por esse universo sabem os perigos do fascismo. Puxam cantoria e coreografias com a bandeira multicolorida, que as noivas fizeram questão de compartilhar com os convidados. Uma cantora local, Beth Rodrigues, alegrou a noite cantando tudo o que o pessoal gosta. Convidados deram palhinha e até a noiva Cris mostrou porque é grande musicista, cantando suave e lindamente.
Podemos ser felizes! Cecília com Zakira, Cristiane com Verônica. O amor, a gente sabe, é lindo! Escreverei sobre Fortaleza em outra oportunidade. Aqui, agora, é desejar toda a felicidade do mundo para as novas esposas e anunciar que, caso a sorte e a superstição se concretize, pode ocorrer um novo casamento por aí: Adivinhem quem pegou o buquê?
Com o término do Arte na Comunidade 2 passo a publicar neste blog os cinco textos que fizeram parte do projeto. Será um por semana, às sextas-feiras. O objetivo é registrar e tornar as histórias acessíveis aos interessados, principalmente aos habitantes das cidades envolvidas.
A primeira cidade, aqui o critério é alfabético, é Canápolis. “O Enigma” foi o monólogo interpretado por JOSÉ LUIZ FILHO. As imagens são de THANERESSA LIMA e do meu arquivo pessoal.
Havendo interesse em reproduzir o texto ou interpretá-lo, peço a gentileza da citação da origem.
Organizado pela Kavantan & Associados, o projeto Arte na Comunidade 2 foi patrocinado pela Alupar e Cemig, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e contou com o apoio das prefeituras de Ituiutaba, Canápolis, Monte Alegre de Minas e Prata.
O Enigma
(Original de VALDO RESENDE)
José Luiz Filho em foto de Thaneressa Lima (divulgação)
(MÚSICA. O CONTADOR ENTRA EMPURRANDO SUA MALA-BIBLIOTECA. ANÚNCIA SUA CHEGADA COM O SOM DE UM APITO. PREPARA O AMBIENTE PARA CONTAR SUAS HISTÓRIAS. ABRE A MALA PARA SI, PROCURANDO OCULTAR O INTERIOR DA MESMA. TOCA E PARA, ABRUPTAMENTE, TIRANDO UM COPO COM GARAPA)
– Um brinde! Um brinde com a mais deliciosa garapa da estrela do pontal! (CONTINUA, COM VERSOS DO HINO DE CANÁPOLIS) “Tu és nobre, tu és grande / Município bem amado / És destaque do triângulo /Por ter sempre brilhado”. E quem não gostar de garapa faça o brinde com um refrescante suco de abacaxi! Canápolis merece todos os brindes! “Estrela nova do pontal / És exemplo de grandeza /És cidade de solo forte /Que produz fartura e riqueza.”
Senhoras e senhores, meninas e meninos de Canápolis! (FAZ MESURAS, ENQUANTO PROSSEGUE A AUTOAPRESENTAÇÃO) Meu nome é Lúcio Sabino Palmério Prado! Muito Obrigado pela atenção! Estou honrado e emocionado com a presença de todos. Com alegria apresento a verdadeira fonte de grandes prazeres: Minha biblioteca!
(PEGA UM LIVRO DE MONTEIRO LOBATO)
José Luiz Filho em foto de Thaneressa Lima (Divulgação)
Não tenho o talento da Tia Anastácia, mas posso manipular todas as receitas que celebrizaram a grande quituteira. Doces, salgados, cozidos, assados, fritos… Carnes, massas, peixes! É para enlouquecer qualquer paladar! (Pega Outro Livro) Conheço a vida dos grandes caçadores, dos maiores exploradores. Vi todas as cruzadas e caminhei com cada bandeirante! Sei nominar navios, identificar aviões, automóveis! (PEGA DOIS OUTROS LIVROS) Aqui aprendi tudo sobre o Brasil e neste descobri os mistérios desta deliciosa e cheirosa fruta, o abacaxi.
(Folheia O Livro, Antes De Prosseguir)
Para doceiras e confeiteiros o abacaxi é matéria prima para sucos, sobremesas, batidas. Simples assim. Já para os cientistas é uma planta monocotiledônea, da classe liliopsida, da ordem poales, da família das bromeliáceas… Ufa! Para milhares de pessoas o abacaxi lembra esta simpática e formosa Canápolis.
(FAZ SOTAQUE NORDESTINO E IMITA UMA CRIANÇA)
“- Como é isto, meu caro? Uma cidade chamada Canápolis não devia ter um monumento à cana e não ao abacaxi?”. Hein? Quem foi? Como? Ah! Então, quem fez esta pergunta foi Dorival, um menino que veio da Bahia para morar em Canápolis. Nossa querida Canápolis é, quando comparada a Salvador, Capital da Bahia, um bebezinho. Mas já tem história e sua gente cultiva abacaxis, também cria gado de corte e muito o mais! A cidade vai se transformando, vai se ajustando às novas realidades que o progresso trás. Justamente por ser uma cidade nova e profundamente amistosa e acolhedora é que Canápolis recebeu, há pouco tempo, várias crianças de outras partes do Brasil, cujos pais vieram trabalhar no município. Como esse Dorival.
(FAZ UMA PEQUENA PAUSA. COMEÇA “O ENIGMA”)
Dorival e vários meninos não nascidos em Canápolis estavam participando das costumeiras atividades promovidas pela Casa de Cultura da cidade. Os agentes culturais queriam que os meninos ficassem bem, felizes e participando da vida e da história da cidade. Todo mundo sabe que mineiro é hospitaleiro e Canápolis não nega essa característica: recebe, acolhe e torna seu aquele que vem de fora.
Casa de Cultura, Canápolis, MG – Foto: Valdo Resende
Os agentes da casa de cultura resolveram brincar e propor um enigma para os jovens participantes. Um enigma é um mistério escondido em versos, imagens, mapas, objetos. Um enigma é um adivinha! Prestem atenção:
“Uma só casa
Nela, três senhores
Uma grande luz!
Sem refletores.
O pequeno começo
De grandes louvores!”
Foi um grande alvoroço. Meninos de Canápolis, meninos da Bahia, meninas do Ceará, de Pernambuco, Santa Catarina, Alagoas… Todos tentando adivinhar o enigma. Terezinha, neta de Dona Benedita, respeitada benzedeira, palpitou apressada: (IMITANDO UMA MENINA) “– Monitora, os três senhores são o Pai, o Filho e o Espírito Santo!”. A monitora, que prefere ser chamada de agente cultural, refletiu e respondeu. “- Pai, filho e o espírito santo são um só, que os católicos denominam santíssima trindade. Além disso, Terezinha, essa trindade não explica todo o enigma.”
Era uma sexta-feira e foi sugerido que todos viessem para a Casa de Cultura, pela manhã. Formariam grupos, caminhariam pela cidade junto com os agentes e tentariam decifrar o tal enigma. Prometeram presentes para o vencedor e após uma noite de rápidas pesquisas, todos compareceram para o passeio revelador. Tinham livros e lanches nas mochilas, que ninguém sobrevive sem comida! Decidiram começar por uma rápida pesquisa na biblioteca municipal Carlos Drummond de Andrade. Foi lá que se deu o seguinte fato:
Juscelino, um canapolense que adora competir, lascou para todos: “- Carlos Drummond de Andrade, maior poeta do Brasil”. Dorival, nosso querido baianinho retrucou: “- Maior poeta é Antônio Frederico de Castro Alves”. Octavio, que nasceu no Pernambuco, não ficou por baixo. “- Maior que Manuel Bandeira? Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho?” Genésio, um menino que nasceu paulista entrou de gaiato na história. “- Pois os melhores poetas são paulistas!” Dorival exigiu: “- Pois diga pelo menos um!” Genésio enrolou, enrolou e foi ficando vermelho feito um peru. Uma simpática agente acudiu o menino. “- Guilherme de Almeida, Mário de Andrade e outros; muitos outros! Mas vamos em frente, que o enigma, que é bom, até aqui ninguém respondeu.”
Prefeitura Municipal de Canápolis, MG. Foto: Valdo Resende
Os meninos desceram pela praça, passando pela construção do Teatro Municipal e ali pararam, pois Terezinha, a menina interessada em acertar o enigma sugeriu que a resposta fosse o teatro. Os meninos riram quando Juscelino lembrou que o teatro, em construção, não tem refletor, não tem luz nenhuma. Continuaram caminho, chegando ao prédio moderno que abriga a prefeitura e a câmara municipal da cidade. Genésio, o paulista que não lembrou os nomes dos poetas, resolveu limpar a barra e gritou: “- Professora, Dona Maria Ignez, os três senhores são o prefeito, o presidente da câmara e o povo.” Dorival, não perdoou, “- O povo só tem a praça e olhe lá!” Juscelino completou: “- São duas casas, a prefeitura e a câmara”. Octavio deu o golpe final: “- Genésio, em boca calada não entra mosquito! E vamos em frente que não é aqui que acharemos a resposta”. Dona Maria Ignez convidou todo mundo de volta para a casa de cultura, pois lá, certamente, encontrariam a resposta.
Matriz de São Sebastião e Nossa Senhora de Fátima, Canápolis, MG. Foto: Valdo Resende
Os meninos, antes de entrarem na Casa de Cultura, pararam na igreja Matriz de São Sebastião e Nossa Senhora de Fátima. Como é linda essa igreja! Orgulho da cidade! Suas linhas curvas, uma construção arrojada, moderna! No auditório da Casa de Cultura estava ensaiando a Banda Municipal José Alexandre da Silva, sob a regência do Maestro Leonardo Augusto Reis. Um primor de banda, grande patrimônio imaterial da cidade. A criançada ficou bisbilhotando os instrumentos, fazendo perguntas e o pessoal, simpático, serviu um refresco geladinho para os meninos. Terezinha, a menina que queria adivinhar, resolveu lembrar o enigma:
“Uma só casa
Nela, três senhores
Uma grande luz!
Sem refletores.
O pequeno começo
De grandes louvores!”
A classe já estava quase desanimando. Juscelino brincava: “- Minha gente, lá em casa tem três senhores meu avô, meu pai e minha mãe. Só minha mãe é quem manda!” Depois resolveram tomar lanche no coreto da Praça 14 de Julho. Os agentes culturais, enquanto os meninos comiam, fizeram uma revisão do passeio daquela manhã e do que poderia responder ao enigma. A resposta não está nos livros, mas na reflexão que se faz após as leituras. Eles continuavam as explicações quando um garotinho, também baiano, mas que ainda não tinha entrado nesta história resolveu interromper a conversa. (COM SOTAQUE BEM CARREGADO) “– Olhem aqui, prestem atenção! Estava aqui matutando, matutando…!”.
Ninguém segurou o riso. Baiano, é bom que se saiba, assunta. Assunta! Então quando o moreno porreta matutô… Pois bem, o menino, parou o riso de todo mundo com um “oxi”! E emendou: “- Rumbora seus tabaréu! Olha aqui, prestem atenção, meu nome é Gaspar! E painho e mãinha são vizinhos do Vovô Totóca!” Quando o menino lembrou o Sr. Antonio Ferreira dos Santos, os agentes já sabiam que o menino estava certo. E Gaspar desfechou a história:
“- Uma só casa e nela três senhores: A igreja dos três reis magos. Uma grande luz! A estrela do oriente. Sem refletores. Porque o menino nasceu na pobreza. O pequeno começo De grandes louvores! Porque marca o nascimento de Cristo e a salvação dos homens.”
Toda a turma emudeceu e Gaspar não titubeou: “Rumbora me aplaudi que mereço!”. Como não obedecer? Foi então que os agentes lembraram a Igreja dos Reis Magos construída pelo Vovô Totóca, o Sr. Antonio Ferreira dos Santos, e os outros prédios que contam a vida de Canápolis. E assim termina essa história, que lembra a união e a amizade entre todas as crianças de Canápolis.
José Luiz Filho em foto de Thaneressa Lima (Divulgação)
(O CONTADOR ENCERRA SUA APRESENTAÇÃO COM UM AGRADECIMENTO. FECHA A SUA MALA BIBLIOTECA E SAI DE CENA).
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Nota: O Hino do Município de Canápolis, citado no texto, tem letra de Elias Mateus e melodia de Luciana Bezerra Carrilo.
Marisa Monte em Londres. O vestido, de perto, é bem diferente…
Proponho um pequeno exercício coletivo: primeiro todo mundo vai descontar 40% do próprio salário. Segunda ação, vamos todos usar o transporte público para ir trabalhar. Pode ser amanhã, entre 07h00 e 09h00; quem preferir pode optar pelo mesmo “passeio” entre 17h00 e 19h00. Que fique bem claro que é só uma proposta; todos podem dizer não.
Lá no Ceará, em Juazeiro do Norte, os professores da rede pública terão seus salários reduzidos em até 40%. A cidade quer se enquadrar na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Aqui em São Paulo a alta do transporte público resultou que o preço da passagem foi de 3,00 para R$ 3,20.
Os professores cearenses anunciaram greve. Ocorreram manifestações em São Paulo contra a alta da passagem. E eu… Bem, no sábado pela manhã, fui visitar a exposição “Jogos Olímpicos: Esporte, Cultura e Arte” na Galeria de Arte do SESI – SP, no majestoso prédio da FIESP. A exposição é inédita e traz o acervo do Museu Olímpico de Lausanne, na Suíça.
Lá estão os cartazes da maioria das edições do evento, as tochas olímpicas, as medalhas de ouro, prata e bronze de todas as edições e mais, muito mais. Há uniformes de atletas e materiais das diferentes modalidades esportivas. Vídeos, muitos vídeos. Uns falam sobre história, outros com reportagens como, por exemplo, a preparação dos atletas, física e emocionalmente.
Dos vídeos que parei para assistir gostei mais do que mostrou nossos artistas, ao final da última Olimpíada em Londres, quando a bandeira olímpica foi entregue ao então prefeito do Rio de Janeiro. O show brasileiro foi muito lindo. Batuque de bumbo, berimbau; batida de violão, cavaquinho e flautas, melodiosas flautas acompanhando Marisa Monte brincando de cantar Villa-Lobos. Percebi que a apresentação brasileira foi muito melhor sem qualquer comentarista de TV atrapalhando a audição do espetáculo.
Também na exposição constata-se o ditado que diz sobre gatos pardos… Ao lado do aparelho de TV que reproduz o filme da apresentação brasileira encontra-se o vestido que Marisa Monte usou no espetáculo. Sob as luzes do estádio londrino é lindo. Na real ali, dentro da vitrine, quase podendo ser tocado, a constatação é de que o efeito foi lindo, mas que o tal vestido é chinfrim, isso é…
Professores e passageiros de transporte público, recordem Micha, o simpático ursinho russo.
Não vi o Tatu Bolinha, ou sei lá o nome que pretendem para o mascote brasileiro. Uma vez mais me encantei com Micha, que ainda faz lembrar com emoção o final das Olimpíadas de Moscou. O ursinho é destaque entre outros animais e seres estranhos, representantes simbólicos das culturas de locais onde ocorreram os jogos.
Quem chegou até aqui deve se perguntar sobre o que entendo por coesão; a tal característica textual que evidencia harmonia entre as partes de um texto; conexão entre assuntos e temas. Só que fiquei pensando: Quem realmente se preocupa com a educação deste país e com a situação dos professores? Quem, entre os que andam com seus carros estão realmente preocupados com aqueles que vão amassados dentro dos ônibus paulistanos?
Em atitude coesa com a maioria da população resolvi ignorar os problemas alheios e curtir a exposição do SESI.
O SESI é uma instituição preocupada com a educação. Tanto é que na presente exposição há um magnífico salão para encontros e oficinas. Não há um programa impresso com a história do evento, ou com os dados da exposição. Há um fôlder para crianças, com joguinhos que distraem os pimpolhos e deixam pais e mães felizes. Agora, preciso voltar aos temas iniciais…
Tenho ido para o trabalho usando ônibus, metrô e trem. A direção está no contrafluxo e isto me garante um razoável espaço para virar para os lados e, com sorte, ir sentado olhando a paisagem. Não percebo nenhuma melhoria nos últimos seis meses, nada que justifique o aumento da passagem. Percebo, por exemplo, que a CPTM e o METRÔ desligam escadas rolantes na hora do fluxo, pois isso garante maior lentidão e os passageiros demoram mais para chegar à plataforma de metrô e trem. Também colocam grades orientando o fluxo da boiada (Ops!), da grande multidão.
Quanto ao salário dos professores… Rola por aí o Plano Nacional da Educação- PNE que diz, entre outras coisas, que o professor deve ser valorizado através da equiparação de rendimento médio dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica aos dos demais profissionais com escolaridade equivalente. Simplificando rasteiramente, iguais salários para a categoria. Portanto, o professor do Estado do Ceará que tome cuidado, pois o corte pode atingi-lo, baseando-se para isso na tal equiparação que prevê o PNE… Algo semelhante já aconteceu aqui em São Paulo. Um político aumentou o salário dos professores de um lado. Outro congelou, até que Estado e Município se equiparassem…
Ah, mantendo a coesão deste precário texto: a exposição no FIESP vai até 30 de Junho. De segunda a domingo, com entrada franca! Todo aquele que quer ver seu filho dentro dos ideais olímpicos deve estimulá-lo visitando a exposição.
O semiárido nordestino enfrenta sua 72ª estiagem. Em 512 anos de Brasil é como se houvesse seca de cinco em cinco anos. A atual, por exemplo, já se sabe que viria desde 2010. Mais uma vez sem água e sem soluções eficazes.
As delicadas figuras de Mestre Vitalino
O governo anunciou investimento de R$ 2,7 bilhões em ações de combate (Quanto desse dinheiro irá para bolsos privilegiados?) e, em caráter emergencial, as famílias das regiões afetadas receberão “Bolsa Estiagem” (R$ 400,00) além de medidas de ocasião que, em si, não resolverão o problema, já que certamente teremos a 73ª.
Uma das edições de O Quinze, de Rachel de Queiroz
Imagine-se passando pela 72ª estiagem. Não a primeira, nem a décima, mas a septuagésima segunda, quando durante longo tempo não cai do céu uma única gota de água. Raquel de Queiroz imaginou-se em uma seca, em “O Quinze”. Escreveu em 1930 sobre os problemas de seus conterrâneos com bastante conhecimento de causa, já que seus familiares tiveram que sair do Ceará por conta de terrível seca.
Vidas Secas, o filme
Por gentileza, atentem para os números. Raquel escreveu em 1930, sobre 1915. No cinema, 30 anos depois, precisamente em 1963, o cineasta Nelson Pereira dos Santos legou-os um clássico, estrelado por Átila Iório e Maria Ribeiro: “Vidas Secas”. O filme, premiadíssimo, foi baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos, também escrito na década de 1930, publicado em 1938.
Vou insistir nas datas, para enfatizar o quanto já foi dito, denunciado, refletido sobre os problemas do semiárido, sem que tenham surgido programas eficientes para solucionar a vida na região. Candido Portinari fez “Os retirantes” em 1944. O artista paulista pintou uma série de telas tornando o horrendo belo. Fome, miséria e morte expostas em museus distantes da região e das soluções possíveis para os habitantes do semiárido.
O horrendo tornado belo nos Retirantes, de Portinari.
Seca e fome também é tema em “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto publicado em 1955. Um sucesso literário grandioso, tão grande quanto no teatro, direção de Silnei Siqueira, musicado por Chico Buarque de Holanda, em 1965. Não bastasse, ainda veio a minissérie televisiva, na década de 1980.
É irônico constatar que, além de políticos e coronéis, também os artistas faturam alto com a seca. Só o pequeno dono de terra, o sertanejo é quem realmente sofre. Uma grande maioria saiu buscando vida melhor. Os fenômenos migratórios já foram calamidade, fazendo crescer os cinturões de miséria das grandes metrópoles. Maria Bethânia ficou nacionalmente conhecida cantando “Carcará” e dizendo números assombrosos entre um verso e outro da música de João do Vale e José Candido:
…Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão
Os burrego novinho num pode andá
Ele puxa no bico inté matá
1950. Mais de dois milhões de nordestinos viviam fora de seus Estados natais. 10% da população do Ceará emigrou; 13% do Piauí;15% da Bahia; 17% de Alagoas!
Carcará…
Emoção e tristeza em forma de música: Asa Branca, do Rei do Baião
O “Carcará” e a “Asa Branca” voaram longe. Luis Gonzaga cantou sua música, feita em parceria com Humberto Teixeira, emocionando várias gerações. A gravação original é de 1947. E para citar dois outros grandes artistas nordestinos, lembro “Seara Vermelha”, de Jorge Amado, publicado em 1946, que já foi traduzido para 26 outros idiomas. Junto com o escritor baiano, concluo com as figuras de Mestre Vitalino (Vitalino Pereira da Silva) que abriram as imagens deste post. Trabalho modelado em barro, com delicadeza e sensibilidade, evidenciando diferentes aspectos da vida do nosso povo, inclusive os retirantes…
Bela herança artística; pequenos exemplos dessa imensa herança. Todavia, uma triste realidade que teima em persistir. Será que teremos soluções encaminhadas antes da 73ª estiagem?