Guarda-chuvas e devaneios

Há dias em que, inevitável questionar se é ou não futilidade, temos que ir às compras. Não dá para esperar a melhor oferta, a liquidação ou qualquer outra artimanha do comércio. A necessidade fala mais alto e lá fomos nós caminhando atentos pelas ruas da cidade e, simultaneamente, despreocupados. O céu nublado nos levou a portar um guarda-chuva. Sem medo da felicidade, caminhamos pela calçada que limita o jardim e a praia, aqui em Santos, no litoral paulista.  

Já estamos habituados com olhares e comentários por conta de portarmos o objeto. Os olhares costumam ser de incredulidade: o que faz dois sujeitos caminhando pela praia portando um guarda-chuva? São turistas? Coisas de velho? Alguns, mais ousados questionam: – Estão chamando chuva? Fazendo a linha “simpático”, evito responder. Quando respondo, confirmo. E raramente uso a razão óbvia: estou me precavendo! Flávio, quando muito, sorri para os “enxeridos”.

Há dias recentes, quando ainda no alto verão resolvemos transformar o guarda-chuva em sombrinha, ou sombreiro. Final da manhã, dois guarda-chuvas negros pela avenida. Parecia coisa de outro mundo. E me passou pela cabeça comprar algo mais colorido, condizente com os dias claros e resplandecentes do nosso verão tropical. Nas poucas ocasiões que usamos o objeto nos protegendo dos raios solares não notei olhares, simplesmente pela falta de paciência para com atitudes adversas.

Entre lambuzar a pele com protetor solar e colocar um boné para combinar suor e cabelo, prefiro apenas usar o creme. Sem boné, cabelo ao vento, caminhar sem lenço, com documento, pela cidade que escolhi viver e que, embora amada, possui problemas. Quem não os tem?

Ciclistas são cidadãos que costumam fazer a maior gritaria por seus direitos. Uma quantidade considerável desses seres acha normal pedalar com todas as forças, não respeitar sinais, não respeitar passagens para pedestres. Aqui na cidade, com muitas e muitas pistas exclusivas para ciclistas, é comum que tais pessoas caminhem na contramão, o que, em avenidas sem as tais pistas significa pedalar sobre o passeio. São assustadores. Eles não usam guarda-chuva. Eu uso! E é engraçado vê-los desviando do objeto quando colocado atravessado sobre meu corpo. Guarda-chuva passa a ser também um sutil escudo.

Outro problema que tem se agravado na região são os assaltos. Garotos de bicicleta (Bicicleta? De novo!) passam e roubam celulares, bolsas e carteiras. Normalmente em duplas, costumam agir com um primeiro fazendo uma volta tendo o transeunte como referência que, atento ao primeiro, não percebe a aproximação do segundo que faz a abordagem criminosa. Prefiro caminhar sem dinheiro, com um documento, sem telefone e… meu guarda-chuva. Evito dissabores e sinto-me protegido de sol ou chuva. E me ocorrem ideias de autoproteção com meu simpático guarda-chuva!

Espero não ter que usar meu útil objeto como arma. Todavia, brincando, costumo afirmar que estão entre os meus objetivos… Como se fosse um cavaleiro medieval portando sua lança para derrubar o inimigo. Como um selvagem abatendo a presa, lançando-a contra o alvo. Espero que nenhum incauto interprete este singelo texto como incentivo. São apenas devaneios malucos, desses que a gente tem cotidianamente, sublimando a vontade de ato criminoso perante a violência.

Não pretendo nenhuma ação violenta. Nem chego a pensar no guarda-chuva como arma secreta de super herói. Quero continuar usando quando e como quiser. Quantas vezes for necessário e, se não houver necessidade, caminhar com ele do jeito que quiser. Prefiro reviver Charles Chaplin e caminhar alegre e feliz por onde for o meu destino. Proteger-me do sol quando me aprouver e, em dias de chuva, se o momento for propício brincar, cantar e dançar sob a chuva, mesmo estando a mil quilômetros luz do talento de Gene Kelly.

De volta, passando pela portaria, fomos abordados: “Como, andar nesse dia gostoso com esse guarda-chuva! Que estranho. Não vai chover!” Com humor e gestos improvisados, mostrei como posso usar o objeto como escudo, como proteção, como arma. Entre risos, a ideia não foi de todo descartada. Preciso retomar o assunto na primeira oportunidade: São só devaneios! Guarda-chuva é bom mesmo só contra chuva e sol!

Na estica à beira-mar

Com frio ou calor, chuva ou sol, esse mineiro que vos escreve, morando em Santos, caminha cotidianamente pela orla atlântica. Invariavelmente esse passeio é feito sobre a calçada que limita jardim e praia. São sete quilômetros de jardim, praia e mar. Obviamente que não caminho tanto assim. Vou um cadiquim para cá, um cadiquim para lá, sento-me para ver navios, distraído em alguns momentos por pássaros e gente.

Não sei nadar. “Como assim?” já ouvi muitas vezes. Presumo com certeza não ser o único a dominar tal coisa, mas invariavelmente informo ser de Minas Gerais. Talvez por isso, pelo menos por enquanto, meus joelhos continuam virgens da água marinha. E vivo bem sem nadar. Sei andar, corro, já dancei muito, mas nadar… não nado. E tenho a quem puxar.

Ulysses e Bino

Este rapaz elegante, de terno claro, é o Bino, meu pai. Esteve assim aqui em Santos, lá pela primeira metade do século passado, antes de eu ter nascido. Veio em visita aos meus tios que, vindos de Portugal, moravam por aqui. Este, ao lado do meu pai, é o Tio Ulysses, casado com Isaura, irmã caçula de minha mãe. Tenho vaga lembrança de terem morado na Praia José Menino.

Sou capaz de apostar que nenhum santista viu as pernocas do meu pai. Nem os cariocas, pois quando papai visitava o Rio de Janeiro – uma dessas viagens me lembro bem – era nessa “estica” que ele caminhava por Copacabana e outras praias mais.

Não tenho nenhuma informação de meu pai tomando banho em lagos ou rios. E, todo mundo sabe, rio é o que não falta em Minas Gerais. Todavia, em um aspecto saí a meu pai. Nem rio, nem lago, nem mar, nem piscina. Chuveiro a gente gosta. Muito! Quanto a mares, rios e lagos, que fiquem lá com todo o respeito e cuidado que merecem. Gente como nós se contenta em olhar, sentir o cheiro, a brisa.

Poderia estender esse texto com mil razões, outro tanto de conjecturas sobre tal situação. Bobagem. Ou então que fique para outra hora. Só me incomoda quando alguém vem questionar por que vou de meias e sandálias nas caminhadas à beira-mar. Vou como quero, mas como nem tudo é tão rígido, celebro alguns avanços: tenho feito caminhadas molhando os pés naquele ponto em que as ondas se desmancham na areia. Às vezes, chegam até as canelas e até já chegaram bem próximas do joelho. Chupa, Michael Phelps!

Outro dia fiquei presenciando uma ressaca, admirando vários surfistas em ação. Deslizando sobre as ondas como seres mágicos, alguns terminando o trajeto me lembrando Charles Chaplin nas trapalhadas de Carlitos. Nesse mesmo dia um morador da praia – já percebi que há vários por aqui – foi resolutamente bêbado caminhando em direção ao mar. Passos trôpegos, transferi a preocupação para os companheiros do sujeito em caso de afogamento e fiquei observando. Ele caminhou até a água ir acima da cintura, pulando ondas e, de repente, retornando o corpo em viravoltas desconexas junto a uma onda mais forte. Levantou-se como se fosse um herói olímpico, gritou obscenidades para os colegas e retornou, calmamente, para o local de origem.

Naquele dia deixei surfistas, moradores e, como tenho feito, voltei para casa, sequinho, sequinho. Com certeza nadar deve ser muito bom. Mas, além de ser filho do Bino, não tenho pressa. Estou morando por aqui há tão pouco tempo! Quem sabe, em algum momento, eu não venha narrar algumas braçadas celebrando um dia de sol no mar?

Até mais!

Braguinha, Pra Cantar no Carnaval

braguinha

Em tempos de sambas de enredo longos, complicados, nada melhor do que lembrar as marchas que, entra ano e sai ano, são a alegria dos foliões. Compositores, carnavalescos e dirigentes de escolas de samba deveriam atentar para o carnaval de rua voltando com tudo até em São Paulo. Sempre com alegria e músicas que encantam e alegram a festa.

Um bom carnaval carece de gente bamba e entre os bambas há um compositor dos bons: JOÃO DE BARRO, o BRAGUINHA (CARLOS ALBERTO FERREIRA BRAGA – 1907/2006). Quem nunca cantou uma marchinha carnavalesca de Braguinha?

“Yes, nós temos bananas

Bananas pra dar e vender

Bananas, menina, têm vitamina

Banana engorda e faz crescer…”(1)

Descomplicado. Próximo de tudo o que é popular. Este é BRAGUINHA. Nada de grandes malabarismos temáticos; sem pretensões de sociólogo ou antropólogo. É carnaval, é alegria, uma brincadeira para todo cidadão.

“Ô balancê, balancê

Quero dançar com você

Entra na roda, morena, pra ver

O balancê, balancê…” (2)

gal-e-carmen
Gal Costa e Carmen Miranda, intérpretes de Balancê.

A música de BRAGUINHA é marota, essa palavra meio esquecida em tempos difíceis como o nosso. O compositor encanta pela simplicidade, por uma sensualidade suave, brejeira, que permite o galanteio (atitude também meio perdida nas baladas contemporâneas) com a elegância do indivíduo de bem com a vida.

“Lourinha! Lourinha!

Dos olhos claros de cristal

Desta vez em vez da moreninha

Serás a rainha do meu carnaval…” (3)

Nossos carnavalescos (os “donos” dos temas das escolas, cujas sugestões são transformadas em sambas de enredo) adoram situações exóticas, diferentes, levando as nossas escolas a grandes viagens. BRAGUINHA, sempre descomplicado, mas com uma eficiência invejável, levou-nos para a Martinica, imortalizando uma tal Chiquita (4) e transportou-nos para as Touradas em Madri com aventura e  muito humor. Sem muito lero-lero.

“… Eu conheci uma espanhola

Natural da Catalunha

Queria que eu tocasse castanhola

Que pegasse touro à unha…” (5)

Poucos e eficientes versos, música inspirada e a alegria está garantida. PIRATA DA PERNA DE PAU (6) e PIRULITO (7) estão entre as composições de BRAGUINHA, ainda presentes nos carnavais atuais, onde o povo canta e dança sem a busca desesperada do primeiro lugar dos integrantes de escolas de samba.

É bom frisar que gosto muito de escola de samba. Quando não estou na arquibancada, nem na “passarela”, fico horas frente à TV vendo os desfiles (e me irritando com as transmissões mal feitas!). Sinto falta de bons sambas-enredos. Hoje em dia, via de regra, os sambas de enredo são cantados apenas por integrantes das escolas e raramente vão além do carnaval. Raras exceções, os sambas das grandes escolas são músicas “consumidas” e logo substituídas pelo tema do próximo ano.

Acredito que um caminho para o carnaval é beber nos grandes mestres. Música simples, com letras brejeiras, alegres, como as de BRAGUINHA e seus parceiros, destaque especial para Alberto Ribeiro e Noel Rosa.

O bom de carnaval é a brincadeira, é cantar e dançar ao som de uma boa música. Que tal pesquisar, lembrar e cantar nossos grandes mestres? João de Barro, o Braguinha, é o autor de Carinhoso (com Pixinguinha), fez a versão de Luzes da Ribalta (Charles Chaplin) totalizando cerca de 400 músicas gravadas. Assim, sem mais, vamos concluindo este post com uma das mais belas músicas do carnaval brasileiro:

A estrela Dalva

No céu desponta

E a lua anda tonta

Com tamanho esplendor… (8)

Até!

Notas :

(1) Yes, nós temos bananas – João de Barro/Alberto Ribeiro (1938. Gravação original de ALMIRANTE).

(2 )Balancê – João de Barro/Alberto Ribeiro (1937. Gravação original de CARMEN MIRANDA, sucesso também no carnaval de 1980 na voz de GAL COSTA).

(3)Linda Lourinha – João de Barro.(1934. Gravação original de SYLVIO CALDAS).

(4) Chiquita Bacana – João de Barro/Alberto Ribeiro (1949. Gravação original de EMILINHA BORBA).

(5) Touradas em Madri – João de Barro (1938. Gravação original de ALMIRANTE).

(6) Pirata da Perna de Pau – João de Barro (1947. Gravação original de NUNO ROLAND).

(7) Pirulito – João de Barro/Alberto Ribeiro (1939. Gravação original de NILTON PAZ e EMILINHA BORBA).

(8) Pastorinhas – João de Barro/Noel Rosa (1938. Gravação original de SYLVIO CALDAS).

Petula Clark, voz que vence o tempo

Nem só de plásticas, Botox e silicone sobrevivem os grandes. Há cantores cuja voz, que é o que conta, permanece impecável.  Limpa, sem sinal de idade nenhuma. Petula Clark que o diga. Aos 80 anos, com aspecto de agradável senhorinha (sim, ela poderia parecer esses monstrengos transformados  pelo bisturi de incautos doutores!), a cantora inglesa volta ao disco. “Lost in You”, o novo trabalho de Petula Clark será lançado na próxima semana.

Petula Clark, novo disco

Tomei conhecimento de Petula Clark na mesma época que conheci The Beatles. A cantora tomou conta das paradas mundiais com “Dowtown” (clique aqui para ver e ouvir) que, no Brasil, recebeu uma graciosa versão interpretada pelo Trio Esperança. Quando se fala em Petula Clark e The Beatles, vem a expressão “invasão britânica”, quando jovens músicos ingleses tomaram conta do mundo.

Gosto da voz de Petula Clark desde 1967, ano em que ela gravou “This is my song”, a canção de Charles Chaplin para “A Condessa de Hong Kong”. Este é o último filme do grande Carlitos e a “condessa” foi interpretada pela belíssima Sophia Loren. A voz de Petula Clark espalhou-se por todos os cantos do planeta cantando o tema do filme.

Apaixonei-me por Petula Clark, como quase todo adolescente, quando vi o filme “Goodbye, Mr. Chips”. Neste, um colégio inteiro de garotos encantam-se pela esposa do tímido professor, interpretado por Peter O’Toole. Toda a graça do filme está na deliciosa corista, o papel de Petula, que abandona o teatro pelo professor. Uma cena inesquecível é a da voz de Petula, sobressaindo-se ao coro na celebração dominical (veja aqui).

Petula Clark divulga novo disco

Não é fácil achar discos de Petula em nosso país, como também é difícil encontrar discos de Gigliola Cinquetti, por exemplo. Temos oferta de sobra dos discos de loiras platinadas, peitos volumosos, cuja performance reside fundamentalmente em videoclipes bem produzidos. Com o advento da internet é possível adquirir discos de grandes talentos sem sair de casa; assim, não vamos nos preocupar com distribuidores vendidos às gravadoras multinacionais. Quem tiver interesse é ir atrás dessa extraordinária cantora que é Petula Clark.

Após defender o direito de aposentadoria do Papa Bento XVI, é bom começar a semana postulando pelo outro lado, daqueles que, como Petula Clark, não brigam com o tempo, nem pretendem interromper o trabalho, mas caminham serenamente com ele e, graças no mínimo ao bom senso,no máximo ao bom Deus, permanece com a voz impecável no semblante sereno de quem vive em paz com a própria idade.

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Boa semana para todos!

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Atenção:

1) Veja a própria cantora divulgando o vídeo clicando aqui.