Os Andes e os 60 anos da conquista do Everest

Um dia estivemos nos Andes, hoje sonho com o Everest
Um dia estivemos nos Andes, hoje sonho com o Everest

Chove. Ainda por cima, faz frio! Sobra ler o que normalmente é deixado para depois. Por isso descobri que a primeira escalada ao topo do Everest completa 60anos. Em 1953 o neo-zelandês Edmund Hillary e o nepalês Sherpa Tenzing Norgay capitalizaram o feito. Dois indivíduos entraram para a história que registra, na real, mais 300 pessoas que fizeram parte da expedição.

Depois que atingiram o topo do mundo os alpinistas olharam a paisagem, sentiram-se mais próximos de Deus e desceram. Com esse grande feito a humanidade descobriu que é possível chegar ao pico do Everest, embora ninguém tenha se interessado em morar por lá. Falta ar e o frio é insuportável. Fala-se que para conseguir tal façanha, além de excelentes pulmões, é preciso ter força de vontade. E grana, muita grana.

Os alpinistas costumam dizer que se sentem mais próximos de Deus nesses lugares. Não sei até que ponto eles conseguem esse encontro ao vencer os 8.848m de altura do monte, na fronteira do Nepal com a China. O certo é que os aventureiros deixam 50 toneladas de lixo por ano ao longo do trajeto. Gostaria muito de saber o que Deus pensa dessa gente que adora a natureza, celebra e prega a união com a mesma, infestando-a de lixo.

Recentemente um japonês, Yuichiro Miura, comemorou e foi ovacionado por seus conterrâneos ao alcançar o topo do Everest aos 80 anos. Bravo! Tai uma boa ocupação para minha velhice: escalar o Everest, atravessar os Andes e ou acampar no Saara. Pode ser que eu consiga, embora conviva com um pulmão precário, já que surgem equipamentos sempre melhores.

Para os grandes alpinistas, escalar o Everest tem se tornado fato banal. “Qualquer um” pode conseguir isso. Está registrado no “O Tempo”, simpático jornal mineiro: “Em um único dia em 2012, 234 escaladores atingiram o pico”. Chegando lá, os pobres aventureiros tiveram que esperar duas horas e meia, numa humilhante fila, para chegar ao cume. Como não sou grande alpinista, não me incomoda dividir as glórias com mais duas, três centenas de pessoas. E como pretendo fazer isso na velhice tempo é que não me faltará; poderei permanecer duas ou mais horas na fila do pico…

A ponte que já foi trilha e o Condor sobrevoando as montanhas
A ponte que já foi trilha e o Condor sobrevoando as montanhas

Chove. Faz muito frio e estou em um confortável e aquecido quarto. Na real, não tenho a menor vontade de deixar esse aconchegante ambiente para enfrentar o calor exasperante do Saara, a falta de ar no alto do Everest. Acontece que um dia, sem programar absolutamente o que me esperava saí para um passeio, para “ver” os Andes. Descobri que era uma incursão pelo local e ao avançar mais de 180 km cordilheira adentro, chegando próximo à fronteira do Chile, experimentei na pele o fascínio desses lugares maravilhosos.

Êxtase é a melhor palavra que encontro para definir a visão da Cordilheira dos Andes. Majestosa é outra. O que é visão passa a ser contato, incursão, imersão. De repente o chão apresenta pequenos pedaços de gelo, neve, e isso vai crescendo até que nada da terra é visto. Tudo é branco, cinza gelado, fosco, aparentemente metálico, lítico e as palavras somem ante o rio teimoso que corta a paisagem; a imaginação vai até onde a memória conhece e vem o pensamento dos primeiros que por ali passaram, de outros que – incrível! – construíram uma estrada de ferro na região. O gelo milenar tornou-se ponte, a trilha foi percorrida por Incas, as informações não cessam o encantamento.

O veículo parou para que colocassem correntes nas rodas, que evitam deslizamento. Mas esse veio e escorregar sobre uma camada de gelo é assustador e apavorante. Saímos todos bem e até mesmo a chegada de uma tempestade não afetou o ânimo. Pareceu-nos óbvio, parte do “pacote”; como estar nos Andes e não viver a experiência de uma tempestade de neve? Abreviou-nos o passeio e não fomos além. Voltamos pela mesma estrada, paralela ao rio e, em certo ponto, à estrada de ferro.

O rio irriga o deserto que antecede a cordilheira. Mãos humanas conduziram as águas geladas para fazendas onde se produz uvas e, em conseqüência, alguns dos melhores vinhos do continente. Recordo Mendonza, a cidade, com muito carinho e tenho essa região da Argentina como um dos locais guardados “no lado esquerdo do peito”.  Por toda a cidade há uma possibilidade de visão dos Andes. Toda aquela neve em infinitas tonalidades entre o branco e o cinza, com partes opacas e outras tão brilhantes quanto o gelo pode ser. Recordo ter pensado na grandiosidade de Deus. O ser humano vai ter que dar um duro danado para acabar com tanta beleza, mesmo com 50 ou mais toneladas de lixo, a triste marca no Everest.

Orgulho-me de não ter deixado um único papel de bala em solo andino. Não tenho vontade de subir ao local mais alto da cordilheira, nem mesmo sei qual é o ponto mais alto. Há quem goste, quem curta. Bastou-me a beleza que, de tão deslumbrante, colocou o frio, o vento, o gelo, tudo o mais em plano secundário. Por isso espero voltar e rever o que mão nenhuma consegue realizar; o que foto e pintura nenhuma conseguem fixar. Não quero a vaidade de dizer que fui ao topo do mundo, nem que resisti ao calor de uma noite no Saara. Ver já seria muito bom; sem sujar o ambiente, melhor ainda. E não importa a “banalidade” da ação, mas a experiência da visão de locais cuja autoria só pode ser atribuída a Deus. Quem quer ir comigo?

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Bom feriado para todos.

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Nota: A edição de hoje do jornal “O Tempo” (Belo Horizonte, 30/05/2013)  trouxe a matéria sobre os 60 anos da coquista do Everest. A matéria não está assinada, mas o ótimo texto inspirou-me a escrever este post.

Nota 2: Na primeira foto, da esquerda para a direita, Diego Cardoso Flavio, Agus Gelfo, Flávio Monteiro e eu.