Mantenho-me tranquilo, ligeiramente distanciado da Copa do Mundo já que não tenho o hábito de perder a cabeça por um jogo de futebol. “Futebol se joga na alma”, diz a poesia de Drummond de Andrade e a minha prioriza outras coisas; entretanto há momentos em que me perco, como tranquilo cidadão, no emaranhado de uma partida. E afloram-me ódios desconhecidos por adversários momentâneos; ou então, conheço o divino êxtase provocado por um simples e mero gol.
O melhor de tudo o que vi e ouvi, até agora, sobre Copa do Mundo veio de Drummond de Andrade. A Companhia das Letras lançou “Quando é dia de Futebol”, uma coletânea de textos, poemas e crônicas de Carlos Drummond de Andrade publicadas ao longo de décadas no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil. Os textos foram selecionados pelos netos do poeta, Luis Maurício e Pedro Augusto Graña Drummond, cobrindo as Copas do Mundo de 1954 a 1986, esta a última testemunhada pelo escritor mineiro.
Drummond e futebol são temas emocionantes; entrelaçados resultam em livro delicioso por guardar grande distância do batido discurso esportivo para centrar no poético. Carlos Drummond de Andrade é o homem comum, o poeta, o intelectual que se deixa levar pela percepção na emoção popular provocada pelo futebol. É o indivíduo que se rende à graça de Garrincha, ou que torna-se súdito de Pelé. Também é o homem brasileiro, o Jeca Tatu libertado pela vitória obtida na Suécia, em 1958: “O futebol trouxe ao proletário urbano e rural a chave ao autoconhecimento, habilitando-o a uma ascensão a que o simples trabalho não dera ensejo”.
Arguto observador, o poeta emociona ao descrever torcidas, partidas, momentos que antecedem campeonatos, as consequências das vitórias, das derrotas. Cidadão do seu tempo, Drummond conta uma história do país via futebol; tanto as artimanhas políticas dos extintos partidos ARENA e MDB buscando tirar proveito quanto, por exemplo, as transformações advindas com a chegada da televisão colorida. Nas crônicas cotidianas, Drummond insere com delicadeza diferentes acontecimentos como a morte de Booker Pittman, deixando clara afeição pela filha do músico, a cantora Eliana Pittman, e uma vitória do Vasco.
Entre os textos mais incríveis deste livro quero destacar “Na estrada”, onde o poeta sintetiza a vida de Mané Garrincha, e outro, “Despedida”, escrito quando Pelé deixa a Seleção Brasileira. A argúcia do grande escritor expõe com maestria aspectos da vida dos craques que marcaram e permanecerão lendas na história do futebol brasileiro. Ao mesmo tempo em que Drummond emociona coloca os dois ídolos na condição do que são: homens, jovens atletas que nos deram grandes alegrias.
A Copa do Mundo está chegando. Há greves, discussões, muita gente contra. O país, parece, está vibrando com o evento. O que diria Drummond? Não sei; tanto para quem é contra quanto para aqueles que aguardam ansiosamente quero concluir este texto com um período, contido na crônica “Celebremos”, escrita pelo poeta quando da nossa primeira vitória, em 1958: “Não se trata de esconder nossas carências, mas de mostrar como vêm sendo corrigidas, como se temperam com virtualidades que a educação irá desvendando, e de assinalar o avanço imenso que nossa gente vai alcançando na descoberta de si mesma.” Vale refletir.
Até mais.