Versos de mulher para um samba com amor

Menina linda, desde criança tinham-na por musa. Da família, sendo neta primogênita; do colégio, entre as coleguinhas e da Escola de Samba Bambas do Amanhecer. Tina “Nasceu para ser amada, idolatrada, salve! Salve!” dizia o pai. Deste guardava o som de cada palavra, o sorriso sereno, a força ao levantá-la e jogá-la para o alto no “salve, salve! Minha Tina!”.

Entre os sambistas percorreu o caminho natural das crianças da Agremiação. Foi destaque da ala mirim, rainha da Turma do Amanhã e, adolescente já desfilava entre as musas da bateria onde um dia deveria ser rainha. Fazendo jus aos seus Tina tinha samba no pé, ginga e graça somadas à uma beleza que dispensava fantasias mirabolantes. Também não carecia de adjutórios, balangandãs, reforçava a avó com o familiar “Nasceu para ser amada, idolatrada, salve! Salve!” repetindo a frase paterna, o homem já falecido em desastrada batida policial.

Ao longo de décadas de história os membros da Agremiação Cultural Escola Bambas do Amanhecer não perderam sua característica primordial: um grupo que conservava o jongo, os sambas de roda, as tradições herdadas dos avós. Com grande destaque para o conjunto percussivo e de cordas que garantia notas máximas em todos os desfiles e campeonatos carnavalescos. E sambistas, muita gente com o samba no pé. Resistindo a imposições externas de patrocinadores, dando de ombros para as balelas dos imbecis narradores televisivos, os compositores não abriam mão de música bem elaborada, ritmo sofisticado e envolvente. Samba é arte para fazer gente feliz, o lema nunca esquecido.

Tina, um apelido carinhoso. O nome da menina viera da paixão paterna por Clementina de Jesus, cantora ancestral, força e voz do samba brasileiro, a Quelé da voz marcante e inesquecível. A mãe da garota mantinha características comuns de muitas mulheres: Tina era para os chamados afetuosos, carícias verbais. No entanto, toda a atenção era pouco para quando se ouvia da matriarca o tom imperativo, decidido: “Clementina!”. Crescendo, a menina passou a impedir o apelido, resguardado para lembranças muito pessoais. Se insistiam reiterava que Clementina fora nome escolhido pelo pai, portanto…

Do imenso universo que envolve o carnaval e as escolas de samba, a jovem amadureceu preferências pelos sambas de enredo. Guardava como relíquia discos e fitas antigas de coleção herdada do pai. Admirava Jamelão, o lendário cantor da Mangueira, tinha paixão pelas interpretações de Elsa Soares e evidenciava preferência por enredos com histórias incontestavelmente bem definidas como aqueles assinados por Silas de Oliveira ou Martinho da Vila!

Mas loucamente a Yayá do Cais Dourado
Trocou seu amor ardente
Por um moço requintado
E foi-se embora… ¹

Clementina cantava a Yayá do Cais Dourado, mas não queria ir embora. Deixar sua gente e, principalmente, Valmir, o jovem ritmista que desde cedo foi alvo das atenções e paixões de Clementina. Como não se apaixonar pelo rapaz que, além de manusear instrumentos de percussão com a maior facilidade, ainda criava lindas melodias? Não era bom nos versos, seria pedir demais aos deuses. Palavra era domínio da menina e a dupla passou a brincar, ela com a letra, ele colocando melodia e, ainda tímidos, resolveram esconder até dos familiares os primeiros sambas, inibidos pela qualidade dos excelentes compositores atuantes no cotidiano dos carnavais da Escola.

Dançando nos ensaios, desfilando na frente da bateria, Tina tornou-se jovem e bela, musa querida de todos. Entre um carnaval e outro cumpria compromissos visando a festa, mas o que gostava mesmo era de namorar e compor com o parceiro que a vida lhe deu. Continuavam escondendo o resultado do empenho em criar sambas, principalmente pela vontade de Valmir. “Essas letras são coisas de mulher. Eu ainda preciso aprender a compor versos, ou arranjar um letrista para os meus sambas”.

Quando adolescente Clementina achava atitude normal as imposições do namorado. Temia envergonhá-lo perante a Bambas do Amanhecer dominada por compositores homens. E insegura, achava  que as próprias histórias que contava em suas letras tinham muito dos romances açucarados que gostava de ler. Já crescida, a questão teve seu ápice quando, insistindo em mostrar as criações de ambos para a comunidade, Clementina citou as criações e os grandes sambas de Dona Ivone Lara. O namorado foi cruel para com a menina, ainda insegura: – Você não acha que pode comparar seus versos com “Os cinco bailes da história do Rio?”, lembrando o primeiro samba de enredo da grande compositora da Império Serrano.

Carnaval, doce ilusão
Dá-me um pouco de magia
De perfume e fantasia
E também de sedução…²

Magoada, Clementina evitou briga, mas deixou de fazer versos para as canções do namorado alegando ausência de inspiração. Limitou-se a fazer aulas de dança, fazendo crescer o objetivo de ir além de musa da bateria. Ela pretendia desfilar como porta-bandeira e, para isso se preparava, para ser a representante máxima conduzindo o pavilhão da Escola. Intuía desde há muito que o namorado jamais seria seu Mestre Sala, pois faltava para ele a elegância e a gentileza necessárias para a função.

A vida seguiria cotidiana caso não houvesse grande perda para toda a comunidade. Morreu Antônio Almeida, célebre compositor, letrista e melodista completo, autor por dezoito anos consecutivos dos sambas de enredo da Bambas do Amanhecer. Um acidente causado durante viagem onde o velho compositor comemorava um vice-campeonato no recente carnaval. Passado o choque, amenizada a tristeza, a diretoria da Agremiação decidiu por um concurso para escolher o compositor oficial, aquele que coordenaria seus pares nas criações dos futuros sambas da Escola. Só seriam aceitos participantes da comunidade e estava permitido também o trabalho de duplas, ou trios. Todos se entusiasmaram e Valmir ignorou a parceira de suas primeiras canções que, evitando dissabores, preferiu ficar longe dos preparativos para a competição. A mágoa ficou exposta quando Tina ignorou os trabalhos inscritos pelo namorado.

Da grande final Clementina não pode, nem quis ficar distante. Estava feliz. Valmir fora anunciado entre os finalistas via composição em parceria com o irmão mais velho, Alfredo, um estranho no ninho. A moça jamais soubera ter um cunhado compositor. Presa no trabalho por uma reunião esperada que se alongou, a moça chegou ao evento bem no momento em que a quadra fervia. Valmir subiu ao palco para se apresentar como o grande vencedor daquele concurso. Entre alegre e surpresa, Clementina reconheceu imediatamente antigos versos que escrevera e não conseguiu segurar o desapontamento ante a certeza de não ter o próprio nome entre os criadores da composição.

O que seria uma briga imensa foi abafada pela diretoria, alguns membros da Velha Guarda e pela própria mãe da moça. Quando Clementina denunciou ser também autora, os demais concorrentes exigiram a desclassificação da dupla vencedora. Ficou no disse-me-disse. A mãe de Tina, agora interessada no Presidente da Agremiação ignorou a propriedade intelectual da filha: “Clementina, você não vai nos prejudicar por uma vaidade tola!” A moça, acostumada, obedeceu. O namoro terminou ali. Tudo se aquietou.

O desfile das escolas de samba daquele ano teve como grande marco o primeiro campeonato da Bambas do Amanhecer. Entre a alegria da vitória e a mágoa pela exclusão do próprio nome entre os criadores, Tina presenciou comemorações que atravessaram março, abril. Os compositores vencedores garantiram o direito de compor para os próximos carnavais. Quem iria contrariar? Prêmio merecido, sendo citados por revistas e jornais especializadas que reconheciam inegável poesia dos versos do samba enredo.

No ano seguinte os sambistas começaram a estranhar a demora em que se decidisse o novo enredo. Tradicionalmente, era o samba que determinava o enredo e não o contrário. Com o atraso da dupla, sempre afirmando que buscavam versos melhores que os anteriores, foi exigido que indicassem o tema. Já era o mês de maio e a infraestrutura material já estava comprometida. Tecidos, confecção de adereços e fantasias, projetos de alegorias… já estava na hora das aquisições, encomendas. O ainda apaixonado Valmir, sonhando com uma reviravolta do destino, informou: “Vamos homenagear Clementina de Jesus!”.

Novembro mais do que tenso, pesado. Pressionando a dupla de compositores foi marcada uma noite para apresentação do enredo da Bambas do Amanhecer. A decisão da diretoria foi irrevogável; não esperariam mais um único dia. O que se viu na hora da apresentação foi constrangedor. Uma dupla alcoolizada escorada em boa melodia, sob o som esfuziante da percussão, cantou versos medíocres, indignos da campeã do carnaval. Do constrangimento à revolta foram poucos minutos. Não tardou a que um rival do Presidente em exercício subisse ao palco expondo o dilema e a crise instaurada. A Bambas do Amanhecer não tinha um samba enredo. E o motivo, todos sabiam. A letra do samba anterior fora criado por Tina.

Quando soube do ocorrido, contam, que ela apenas sussurrou: “Mulher não compõe? Então vamos ver”. E após ouvir a melodia, por apenas duas vezes, pegou papel e caneta, pensou no pai e no afeto deste por Clementina de Jesus, na Mangueira, na trajetória da cantora, mãe querida de todos os sambista. Em poucos minutos redigiu os versos que, naquela mesma noite foram apresentados e aplaudidos por todos os presentes na quadra. Tina foi declarada compositora oficial da Agremiação Cultural Escola Bambas do Amanhecer. A moça não titubeou em corrigir quando foi anunciada: Clementina! Meu nome é Clementina Maria dos Santos.

Fevereiro. Carnaval. Entrou na avenida como destaque do carro de som, com faixa não de rainha, a compositora Clementina Maria dos Santos, entoando com alegria o seu samba enredo: “Versos de mulher para Quelé, um samba com amor!”. Exigiu que Valmir desfilasse bem atrás, escondido no meio de vários instrumentistas. E na semana seguinte, durante o desfile das campeãs, passou pelo sambódromo carregando sozinha o troféu de melhor samba de enredo do ano.

Valdo Resende / Fevereiro de 2022

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Notas musicais:

1 – Yá-ya do cais dourado é composição de Martinho da Vila para a Unidos de Vila Isabel, em 1969.

2 – Os cinco bailes da história do Rio, enredo da Império Serrano de 1965, é composição de Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e Bacalhau.

O que seria da música brasileira sem eles?

Seríamos mais tristes, e nossa música seria infinitamente mais pobre. Na galeria abaixo falta gente, muita gente. Não pretendi, nem pretendo que seja completa. O post recuperado (estava no extinto Papolog) é para manifestar carinho e afeto por todos, neste Dia da Consciência Negra.

LUIZ GONZAGA, CLEMENTINA DE JESUS, PIXINGUINHA, MILTON NASCIMENTO, ZEZÉ MOTTA e PAULINHO DA VIOLA

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PENA BRANCA e XAVANTINHO, JAIR RODRIGUES, ZÉ KETTI, ROSA MARIA, LECY BRANDÃO, MARTINÁLIA

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DJAVAN, JOÃO NOGUEIRA ELIZETE CARDOSO, DONA IVONE LARA, CHICO CÉSAR e CARLINHOS BROWN

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ATAULFO ALVES, DUDU NOBRE, ISMAEL SILVA, ALAÍDE COSTA, JORGE BENJOR e JOÃO DO VALE

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LUIZ MELODIA, GILBERTO GIL, MARTINHO DA VILA, TONY GARRIDO, ZÉ KETTI e PAULA LIMA.

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Poderia escrever um pouco sobre cada um. Optei para que a lembrança do artista seja de cada um, na medida em que olhe a foto. A minha lista, bastante pessoal, é afetiva.  Se eu começar a escrever sobre toda essa gente que gosto tanto, um feriado seria pouco.

Já li críticas sobre as comemorações deste dia.  Tudo bem; acho que há razões para discutir o assunto. De qualquer forma, acredito ser um bom momento para lembrar toda essa gente maravilhosa que faz a música do nosso país.

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Bom feriado.

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Um sonho de feijoada

Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Alcione, Paulinho da Viola e Elza Soares

Sabadão chegando, uma feijoada com roda de samba para aqueles que andam premeditando festas… E nessa de planejar, sonhar, idealizar, uma roda de samba começaria chamando gente de bem, como DONA IVONE LARA:

Foram me chamar

Eu estou aqui, o que é que há

Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho

Mas eu vim de lá pequenininho

Alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho…

Devagarinho a roda iria esquentando, com bons contadores de história, gente boa, tipo DUDU NOBRE, festeiro que adora contar das festas que rolam por aí:

Que tremenda confusão

Voava cadeira, voava pandeiro

Gente com vacilação

Bagunçando o samba no terreiro

Bebeu umas e ficou valente

Virou homem forte, não teve receio

Tinha cachaça no meio…

Nessa feijoada teria que ter gente cuidadosa, cautelosa, que tomaria conta de todos os detalhes, como MARTINHO DA VILA, cuidando para que não ocorra nenhuma confusão:

Batuque na cozinha

Sinhá não quer

Por causa do batuque

Eu queimei meu pé…

Ingredientes de uma boa feijoada estão em sites e programas de culinária. Mineiro, farei questão de um detalhe, que JORGE ARAGÃO não deixa ninguém esquecer: feijão com farinha.

Meu samba quem ouve adivinha

Feijão com farinha, tempero e sabor

Seguimos tocando essa bola

Que veio de Angola no som do tambor

Me chama onde houver um samba que eu vou.

Em roda de samba, se não pintar umas boas paqueras, não tem a menor graça. Mas, para que o namoro aconteça, para que ninguém pise na bola, guarde o que ELZA SOARES tem para alertar:

Devagar com a louça

Que eu conheço a moça

Vai devagar, devagar

Eu conheço a moça

Devagar com a louça

Vai, devagar

Prá não errar!

Seguindo conselhos da mulher “dura na queda” Elza, ninguém sofrerá; mas como todo mundo sabe, que se conselho fosse bom… Tem aquele que não escuta e, aproveita um cantinho da festa para lamentar no ombro amigo, cantando mágoas, como PAULINHO DA VIOLA.

Trama em segredo teus planos

Parte sem dizer adeus

Nem lembra dos meus desenganos

Fere quem tudo perdeu

Ah coração leviano não sabe o que fez do meu…

Feijoada de sábado, todo mundo sabe, ninguém chega rigorosamente na hora. E uma estrela ocupada, como BETH CARVALHO só apareceria mais tarde; chegaria toda humilde; para ela, basta um simples jiló:

Pimenta pode ser da mais ardida

Pois no meu peito já houve ardência maior

Não tenho preferência por comida

Obrigado nessa vida,

A engolir coisa pior, por isso ó nêga

Ó nêga pode preparar o jiló

Ó nêga pode preparar o jiló.

Agora, se o malandro demorar demais pra aparecer, pode rolar de encontrar panela vazia, pratos sujos e bebida no fim. Depois sairá por aí, reclamando, como fez ARLINDO CRUZ:

É que eu fui no pagode

Acabou a comida, acabou a bebida

Acabou a canja

O que que sobrou

O bagaço da laranja

Sobrou pra mim

O bagaço da laranja

Arlindo Cruz, Dona Ivone Lara, Jorge Aragão, Martinho da Vila

Tomando precauções pra chegar no horário, o cidadão não correrá o risco de perder belas canjas (não de galinha, Mané!); de gente que canta bem demais, e que, raramente, põe a mão na massa ou no feijão. Também, preste atenção nas unhas da ALCIONE… Não é mãozinha para lavar pratos. Deus deu a voz e é o que nos basta!

Este amor

Me envenena

Mas todo amor

Sempre vale a pena

Desfalecer de prazer

Morrer de dor

Tanto faz

Eu quero é mais amor…

Certamente todo mundo vai pensar que, nessa feijoada, o responsável pela cerveja seria o ZECA PAGODINHO. Não, um convidado desse naipe não traria nada; a gente pediria pro cara aparecer e a presença do indivíduo dispensaria tudo. Mas como ZECA sabe das coisas, certamente nos daria essa dica de pagodeiro:

Eu já mandei pedir à Odete

Para me mandar

Um chiclete de hortelã

Para tirar

Esse cheiro de aguardente

De romã do ceará

…Se quando eu chegar em casa

Não estiver de cuca sã

Prá disfarçar eu vou mascar

Um chiclete de hortelã.

Essa feijoada pode ir longe. E aqui, nos meus delírios cotidianos, ela já está ocorrendo. Quem sentiu falta de Diogo Nogueira, Lecy Brandão e mais um monte de gente do primeiro time, pode trazer. Pode acrescentar. Monte a sua trupe da feijoada e vamos comer e bebemorar.

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Bom final de semana!

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Notas:

Os versos acima citados são, respectivamente, das seguintes músicas:

Alguém me Avisou, Dona Ivone Lara.

Tinha cachaça no meio, Dudu Nobre

Batuque na Cozinha, Martinho da Vila

Feijão com farinha, Jorge Aragão

Devagar com a louça, Luiz Reis/Haroldo Barbosa

Coração leviano, Paulinho da Viola

Pode preparar o jiló, Arlindo Cruz/ Zeca Pagodinho

Bagaço da laranja, Jovelina Pérola Negra/Zeca Pagodinho/Arlindo Cruz

Gostoso Veneno, Nei Lopes /Wilson Moreira

Chiclete de hortelã, Zeca Pagodinho

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Esse texto foi postado originalmente em papolog/valdoresende

Bethânia, oásis da música brasileira

O lançamento do 50º álbum de Maria Bethânia celebra a carreira de uma das mais importantes cantoras da nossa história. “Oásis de Bethânia” é o título do novo trabalho, que tem na capa uma imagem do semi-árido brasileiro, em pleno sertão nordestino. Para a imprensa justificou a capa: “- Preciso lembrar que existe esse lugar no meu país. Isso me coloca do tamanho que eu sou”. Essa é a Bethânia, a mulher admirável, a mulher brasileira.

Ouvindo as dez faixas do cd,  reforço a certeza de que a discografia de Maria Bethânia sintetiza toda a música do país. Não é exagero afirmar que conhecer Bethânia é conhecer nossa música. Nos discos da cantora todos os ritmos, todas as regiões, todos os maiores compositores de nossa história. De Noel Rosa a Chico Buarque, Bethânia, que lançou em disco o irmão Caetano Veloso, canta Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ari Barroso, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, D. Ivone Lara, Joyce, Edu Lobo, Alceu Valença…

Poxa, são 50 álbuns. A lista desse Oásis de qualidade que é a carreira de Maria Bethânia cabe muito mais nomes. De Luiz Gonzaga a Gonzaguinha, tem também Djavan, Gilberto Gil, João Bosco e Aldir Blanc, Milton Nascimento, Roberto Mendes, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Haroldo Barbosa, Moraes Moreira, Dominguinhos e, que me perdoem todos os outros, vou encerrar essa lista primária com Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

Além dos maiores compositores brasileiros, Maria Bethânia celebrou, em seus discos, as grandes cantoras do país, sempre respeitosamente reverenciadas por ela. As duas cantoras mais presentes em seus discos são Gal Costa e Dalva de Oliveira. Com a amiga Gal, muitas gravações em dupla, com sucessos memoráveis, como “Sonho Meu”. De Dalva, Bethânia resgatou boa parte do repertório da mais notável cantora da era do rádio; inclusive no presente álbum, Dalva de Oliveira é lembrada através de “Calúnia” (Marino Pinto e Paulo Soledade).

Muitas outras cantoras estão nos discos, álbuns ou DVDs de Maria Bethânia. Nara Leão, Alcione, Miúcha, Sandra de Sá, Wanderléa, a cubana Omara Portuondo, a francesa Jeanne Moreau, Dona Ivone Lara e, entre muitas outras, Ângela Maria e a divina Elizeth Cardoso. Como fez com Dalva de Oliveira, Maria Bethânia relembrou em outros discos as canções de Aracy de Almeida, Carmen Miranda, Maysa, Isaura Garcia, Elis Regina…

Minha cantora preferida é incansável. Além dos próprios discos, Bethânia produziu outras cantoras, como D. Edith do Prato e a jovem Martinália e prepara, para breve, um Songbook com oito CDs dedicados à obra de Chico Buarque. Este sempre esteve nos discos da cantora. No atual, ela gravou “O Velho Francisco” com Lenine, um dos grandes momentos do álbum. Apesar de tudo o que já gravou de Chico Buarque, Maria Bethânia quer mais. Pretende abordar todas as diferentes faces do grande compositor brasileiro.

O trabalho constante de Maria Bethânia é o que faz da “Senhora do Engenho” a menina baiana que roda a saia pelos palcos do mundo todo, com uma graça e presença inconfundíveis. Estou, propositalmente, falando pouco sobre o atual disco, pois o lançamento do 50º álbum de Maria Bethânia é fato para lembrar aspectos de uma carreira brilhante, única.

Oásis é onde o caminhante do deserto mata a sede. Oásis é o lugar agradável, paradisíaco, pleno de água e sombra e conforto. O “Oásis de Bethânia” é a caatinga nordestina, o pampa gaúcho, a chapada mineira, a mata e o sertão brasileiro. A obra de Bethânia é o oásis de qualidade das nossas canções.

Maria Bethânia incomoda muita gente. Quando todo mundo engole, economiza palavras, Bethânia nos brinda com a poesia de Fernando Pessoa, Castro Alves e torna populares os densos temas de Clarice Lispector. Incomoda, porque enquanto incontáveis artistas se rendem as leis de consumo, Bethânia grava Villa Lobos, revive Catulo da Paixão Cearense, e torna populares os pontos de Oxossi, Iansã.

Enfim, se milhares de brasileiros entregam-se a uma aposentadoria precoce, vivendo apaticamente em função de um copo de cerveja, um jogo de futebol ou um ordinário programa de televisão, de outro lado, uma jovem senhora baiana,  de 65 anos, nos dá claros sinais de que está longe de parar. Gravou o 50º e prepara oito novos álbuns para o próximo ano. Depois; bom, depois virão outros e mais outros e, tomara, muitos outros!

Que bom poder beber no seu Oásis, Maria Bethânia!

Bom final de semana!