
Algumas palavras aparecem frequentemente quando o tema é o indivíduo criativo. Talento, dom, inspiração e vocação costumam compor as características de tal pessoa que, no mais das vezes, são coroadas com o adjetivo inato, ou seja, pertencentes ao mesmo desde o nascimento.
São palavras bonitas, cuja sonoridade nos alegra pelo significado comum que costumam carregar. Quem não gosta de ser identificado como talentoso? Como refutar a afirmação que tal atividade veio através de um dom único, intransferível, divino? Também é delicado duvidar de um indivíduo que se diz vocacionado e que resolveu ou criou algo via inspiração – também divina!
Não se trata aqui de negar tais acontecimentos na vida das pessoas. O cuidado fundamental do jovem estudante ou do profissional iniciante é com excessos de autocrítica ou com julgamento inadequado, mesmo que de pessoas bem-intencionadas. Sempre peço aos jovens que reflitam sobre essas questões, posto que em dado momento podem sofrer as consequências de uma autocrítica que, ao invés de propiciar reconhecimento e clareza da situação, passa a ser elemento inibidor. De outro lado, sem parâmetros e critérios precisos de avaliadores, podem sofrer julgamentos inapropriados.
O que um jovem principiante pode fazer diante do profissional criativo experimentado, reconhecido e aclamado socialmente que o sentencia, afirmando que ele não tem talento, não tem o dom, faltou inspiração? Prefiro alertar para a necessidade de critérios técnicos, referências previamente adotadas e, entre outros, a precisão da competência necessária, do conhecimento esperado na hora da avaliação. Ninguém ajuda ou torna melhor a trajetória do outro determinando falta de talento, dom, vocação…
Biógrafos costumam alardear o talento precoce de artistas como Mozart, por exemplo, como se tivesse pouca importância o fato de o pai do compositor ter sido músico da corte austríaca ou, outro dado, do Mozart menino ter presenciado a irmã estudando cravo. Nem de longe pretendo questionar a qualidade do grande compositor, mas penso ser importantíssimo fazer notar ao jovem que o ambiente era musical e o primeiro talento (sim, aquele talento da parábola evangélica) já estava dentro de casa: o cravo. A família musical, o ambiente austríaco foram o “dom” recebido pelo compositor que, com inspiração, entregou-se prazerosamente ao ato de compor.
Questões de fé são complexas e, previamente, merecem respeito. Se alguém acredita ser beneficiado com um dom deve, no mínimo, agradecer a quem deu e trabalhar, muito, com responsabilidade para ser digno de tal graça. E é esse trabalho árduo e profundo o primeiro passo da chamada inspiração; ou seja, estudar e preparar-se adequadamente para uma atividade é o ato de inspirar para, no processo em andamento, chegar na solução desejada. Sem conhecimento da técnica, sem exercícios primários fundamentais, Mozart tocaria cravo, órgão, violino, piano? Não há inspiração que resolva a falta de conhecimento.
O autoconhecimento é fundamental para que um indivíduo siga em frente conforme seus desejos. Sentir-se chamado para determinada profissão, a tal vocação comum aos meios religiosos, pressupõe o reconhecimento de uma disposição natural para a atividade sonhada. Além das disposições, há que se reconhecer as aptidões, as necessidades, as competências exigidas para seguir em frente evitando frustrações.
Trabalhei com o grande diretor teatral Antunes Filho com quem aprendi que “muitas pessoas são de teatro, poucas serão atores ou atrizes”. Tendo em vista a verdadeira dimensão de uma atividade, de um setor, de uma categoria profissional como o teatro, por exemplo, podemos perceber em que parte de todo esse universo estaremos nos realizando pessoal e profissionalmente. Não ter talento para aspectos criativos de um determinado setor não implica em abdicar da criatividade para atuar em áreas técnicas administrativas. Por essas e outras questões que é fundamental o cuidado com a autocrítica e o julgamento alheio.
Edward de Bono nos ensina que “fora da ciência e da avaliação objetiva, o julgamento é sempre subjetivo”. Assim, peçamos de quem nos julga e avalia o conhecimento para tanto, a objetividade que nos ajude a identificar como seguir em frente, retomar caminhos, orientar novos rumos. Que outros reconheçam em nós talento, dom, inspiração… Nós mesmos, precisamos do autoconhecimento, da vontade que nos impede de recear custos materiais e imateriais na realização dos nossos sonhos. E ser criativo, como qualquer outro aspecto da atividade humana, pressupõe estudo e trabalho. Vamos nessa?
Até mais.
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ATENÇÃO: O texto acima permeia o conteúdo do curso CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO NO AMBIENTE CORPORATIVO que será realizado no dia 19 de outubro de 2019 no Hotel Matsubara, em São Paulo. As inscrições estão abertas e os detalhes sobre o curso está no site www.competency.com.br
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