Elos Ancestrais no Ceará

Cecilia Calaça é a curadora da exposição Elos Ancestrais, no Sesc Crato, no Ceará. A ação ocorre em paralelo com o XIII Congresso Internacional “Artefatos da Cultura Negra”, tendo início nesta segunda, 19 de setembro, o evento prossegue até dia 24 próximo.

Cecília Calaça

Artista visual e pesquisadora da Arte afrocentrada, Maria Cecília Félix Calaça, também é Mestre na área de Artes Visuais pela UNESP e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. É coautora dos livros: “Afro Arte Memórias e Máscaras” e “Arte Africana & Afro-Brasileira”.

Para a exposição sob sua curadoria Cecilia apresenta os trabalhos de Clebson Francisco, Dan Pelegrin, Eliana Amorim, Gerson Ipirajá, Hailla, Herbert Rolim, Jéssica Alves, Nick, Lucas Lacerda, Maria Macedo, Soupixo e Zakira. Abaixo a ideia e proposta do evento nas palavras da curadora:

“No decorrer da nossa existência podemos transitar entre o tempo remoto e/ou presente. As vivências e conhecimentos diversos advindos de âmbitos como família, cultura, história entre outros, servem de repertório para o fazer artístico.

Artistas de descendências plurais na constância de suas construções poéticas, são atravessados por ligações atemporais. A criação de cada obra expressa um olhar particular de suas raízes étnicas, memórias, territórios, elementos simbólicos e pesquisas que se tornam narrativas potentes. Você já pensou quais são os elos entre você e seus ancestrais?

A mostra é um convite para que todos possam conhecer, se reconhecer e refletir. Aprecie a forma como cada artista expressa sua conexão com os seus ancestrais e questione de que modo podemos estar conectados aos nossos. (Cecília Calaça)”

Todos o pessoal do Crato está convidado para essa exposição. O início, no dia 19, será às 16h.

Parabéns aos envolvidos!

Fragmentos: o vai e vem da memória

Detalhe da exposição no Barroco Arte Café

O que nos vem à mente quando recordamos algum fato, alguma pessoa? Certamente não é o todo. Há imagens “padrão” que identificam e nos levam para o Egito (Pirâmides) ou Salvador (Elevador Lacerda), ou qualquer outro lugar do planeta. Diante da lembrança de um ser humano, afirmam por aí, o mais difícil é recordar a voz. Parece que a voz é a primeira coisa que esquecemos das pessoas que se vão.

Uma cidade inteira, como São Paulo, possui infinitos pontos para se memorizar e, parece, conforme a época um ou outro assume preponderância. Quando cheguei por aqui o Viaduto do Chá mantinha sua importância, mas eu me orientava e dominava a cidade pelo “alto”. Se o Pico do Jaraguá me avisava que estava chegando, as torres da Paulista, o Edifício Itália e a torre do Banespa orientava meu ir e vir, descobrindo a metrópole.

Desejei, desde a primeira ideia, ilustrar meu livro com fotos de Uberaba. E, sem dúvida, me incomodava a “paisagem” enquanto composição tradicional que, apesar de reavivar a memória carregava em si um distanciamento, uma falta de foco. Busquei sanar minhas inquietações com visões bem particulares da cidade, com ângulos precisos, que deveriam revelar, estimular e, sobretudo, reativar a memória. E usei, sem medo de ser feliz, de imagens antigas, obtidas em momentos únicos, precisos, sem me preocupar com “altas definições”.

Um conjunto significativo das imagens publicadas no livro está exposto no Barroco Arte Café. São 20. Aquelas que, representativas, atingiriam o leitor de toda e qualquer idade.

Quando terminamos o livro, aí já entrando o trabalho de edição e diagramação de Flávio Monteiro, as discussões e debates orientando nossas decisões e algumas premissas foram adotadas.

Temos um único grupo de crianças, de muito longe no tempo, e apenas um cidadão atual parcialmente mostrado nas fotos. No mais, a cidade é quase deserta, devendo ser preenchida por quem a vê, pelas recordações e vivências do leitor. O preto e branco leva a que o receptor veja no tom que queira, com quietude esmaecida pelos anos ou com as cores da festa, do momento vivido.

Algumas “sutilezas” estão evidentes. O descaso para com prédios históricos, o desmatamento desnecessário, um arame farpado aqui, uma grade ali e, por aí vai. É o receptor que, disposto ou não, passará por cada detalhe detendo-se ou não diante do detalhe da imagem.

A exposição “Fragmentos: O vai e vem da memória” ficará no Barroco Arte Café até o dia 22 de dezembro. Os livros também podem ser adquiridos no local. Quem não pode ir até a cidade mineira pode ter uma ideia da exposição no velho casarão ocupado pelo espaço cultural. Para aquisição de livros e quadros (Sim, estão à venda) converse com o pessoal do local. São simpáticos e atenciosos.

Até mais!

Encontro com Katia Canton

Artista visual, escritora, jornalista, professora e curadora, Katian Canton estará no próximo domingo, 14 de março, 18h00 no Trem das Lives. Fernando Brengel vai conversar sobre a pluralidade dessa profissional multimídia, digna representante contemporânea de todas as mulheres homenageadas nesse mês de março. Abaixo, texto do Brengel para o encontro com Katia Canton no Trem das Lives.

Katia Canton não é de ficar parada. Jornalista pela ECA-USP, estudou arquitetura, literatura e civilização francesas e dança. Em 1984 arrumou as malas e foi a Paris como aluna do aclamado coreógrafo Peter Goss. Mas isso foi só o começo.

Após esse período, residiu oito anos em Nova York, atuando como repórter. Temporada em que aproveitou para fazer mestrado e doutorado na New York University. Como bolsista, ficou 18 meses no MoMA – Museum of Modern Art, dedicando-se a projetos de arte e narrativa, até que as saudades do Brasil falaram mais alto.

De volta, ingressou como docente na USP, ocupou o cargo de vice-diretora do MAC, Museu de Arte Contemporânea, e ministrou o curso de Estética e História da Arte. Respire, tem mais.

Artista visual e curadora, realizou exposições aqui e lá fora. E ainda arranjou tempo para escrever livros de arte e mais de 50 títulos voltados ao público infanto-juvenil, o que lhe rendeu 3 Prêmios Jabuti.Atualmente,

Katia Canton encara desafios entre o Museu da Mulher, a psicanálise e outras atividades que ela contará para a gente.

Uma hora de live será suficiente?

Domingo, 14.03, 18h00 no Instagram.com/tremdaslives

Leonardo da Vinci: conhecimento sem limites

da vinci projeção

A exposição “LEONARDO DA VINCI 500 anos de um gênio” está em São Paulo e aqui permanece até 1 de março de 2020. Ótimo programa para as férias, é bom reservar tempo razoável para permanecer no local. Por exemplo, a projeção em múltiplos e diversos tamanhos de telas dura cerca de 40 minutos; por si, justifica plenamente a experiência prometida ao visitante. Mas, não fica nisso. Outros espaços demandam tempo para uma observação digna do trabalho do artista italiano.

Tendo sido bastante discreto, pouco se sabe concretamente sobre a vida de Leonardo da Vinci, exceto aquilo que diz respeito aos trabalhos e as diversas mudanças de cidades. Certamente foi vaidoso; relatam que era bonito, usava roupas vistosas e gostava de festas. Com certeza foi dono de uma curiosidade insaciável, o que é comprovado por trabalhos em arquitetura, biologia, música, escultura, pintura. Visionário, inventou objetos incríveis e na pintura foi o precursor do claro/escuro legando ainda, em sua Monalisa, a paisagem de fundo que alteraria os retratos por todo o sempre.  Foi o homem renascentista por excelência, o cientista para o qual não há limites para o saber.

O universo da arte adora mitos e adjetivar Da Vinci como gênio é parte desse costume. Entrando na exposição no MIS EXPERIENCE quem pode negar a genialidade do artista? Estão lá, por exemplo diversos exemplos da escrita especular, ou espelho, e ainda é difícil especificar os motivos, embora não faltem conjecturas para essa atitude do artista. Canhoto, foi ambidestro, e em tempos de gente imbecil (como esses que vivemos) dificultar a leitura seria útil, embora baste um espelho para decifrá-la.

da vinci escrita

A escrita de Da Vinci ilumina os desenhos, dignos dos melhores livros de medicina, e bem em frente aos mesmos há diversas pinturas. Em todas as salas estão objetos tridimensionais, reprodução dos inventos que servem para a guerra tanto quanto para a arte e a ciência. Uma sala dedicada à Monalisa soma conhecimento ao senso comum que permanece interessado na identidade da moça e em possíveis “fofocas” que alimentam a curiosidade vulgar. Aquela mesma que levou milhares de leitores às livrarias via fantasias de Dan Brown.

Seja pelo Homem Vitruviano, ou pelos esboços da escultura de cavalo para a família Sforza, ou ainda pela extraordinária beleza e teatralidade d’A Santa Ceia, tudo leva a afirmar e a reconhecer um grande e imenso amor pelo conhecimento. Penso que seria esse o aspecto a enfatizar: Quanto mais conhecemos, mais há por conhecer e de tudo quanto é possível conhecer nada é bastante para nos limitar, fazer parar. E é essa característica que apaixona no Renascimento, nos renascentistas. O ilimitado amor pelo estudo, pela pesquisa, pela aquisição de práticas e técnicas, pela elaboração de teorias, pelo exercício da sensibilidade via arte em diferentes expressões.

Há brinquedos na exposição “LEONARDO DA VINCI 500 anos de um gênio”. E há ciladas oportunistas, como venda de canecas ordinárias estampadas com obras do artista por 59,00 reais! Livros, cartões postais e outros objetos por preços acintosos. Isto num evento que tem patrocinadores poderosos que deveriam bancar até os ingressos para a população (Não é mesmo, d. Vale?) da qual tiram tanto. E baratear objetos e livros garantiriam não só maior escoamento, mas colaboraria efetivamente nos objetivos de facilitar conhecimento e entretenimento para a população.

Vamos lá brincar e conhecer. E deixar para comprar livros onde estão em conta. Sugiro conter a ansiedade por cacarecos e seus preços abusivos e, desejo, sobretudo, que possamos aprender a amar o conhecimento tanto quanto Leonardo da Vinci.

 

Até mais!

 

Em tempo:

da vinci onibus

“LEONARDO DA VINCI 500 anos de um gênio” está no MIS EXPERIENCE. Rua Vladimir Herzog, 75. Água Branca. São Paulo. São Paulo.

“Ex África” é a África?

ex africa
A thousand Men Can Not Build a City (detalhe) – Abdulrazaq Awofeso – Nigéria

O CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil – SP, anuncia “Ex África” como a “maior exposição sobre arte africana contemporânea já realizada no Brasil”. Estão na mostra fotografias, pinturas, esculturas, performances, vídeos e uma instalação, totalizando 80 obras que deverão, ainda conforme a instituição, ampliar o debate sobre a significativa contribuição da herança africana na formação da identidade brasileira.

O título da exposição foi retirado de uma citação de 2000 anos atrás, atribuída ao escritor Caio Plínio Segundo: “Ex Africa semper aliquid novi” (da África sempre há novidades a reportar). Certamente a exposição é “da África”, mas pretender que ela represente o continente é ponto a ser questionado. Se a exposição traz dezoito artistas vindos de oito países, mais dois afro-brasileiros, seria esse grupo representante de todo o continente?

Ano passado, por duas oportunidades, trabalhei com um grupo de angolanos que, em dado momento, ressentiram-se de que nós, brasileiros, nos referimos ao continente como se este fosse unificado e identificado como grupo homogêneo. O continente africano, com 54 países, está muito além da generalização que nossa ignorância e descaso histórico registra ao longo de séculos. Foi esta reinvindicação do grupo angolano que voltou, imperiosa: Oito países refletem a arte contemporânea de toda a África?

Por menos que conheçamos a Europa sabemos distinguir as imensas diferenças entre, por exemplo, os portugueses e seus vizinhos espanhóis. Todavia, no caso presente, qual a semelhança entre Senegal e o distante África do Sul? Quais as diferenças entre a Nigéria e Gana?

Pela exposição é possível perceber que o grupo apresentado entrou na “cena artística global” com obras que poderiam ser vistas em qualquer outro espaço ou galeria em que se expõe arte contemporânea. Estão antenados e, certamente, interagem com seus pares de outros continentes. Transitam por diferentes formas, suportes, linguagens e dão-nos a certeza de que, como nós, estão ou são globalizados.

Há que se ter um começo; e o CCBB começou há 15 anos com a mostra Arte da África, retomando a temática – pretensiosa – de apresentar “um panorama da produção artística da África atual e suas influências no mundo…” Ainda não. Falta muito para que possamos identificar cada país africano como fazemos com Europa e América do Norte, ou mesmo, com nossos vizinhos aqui da América do Sul.

A curadoria da exposição, assinada por Alfons Hug e Ade Bantu, tem o mérito de mostrar faces de alguns países através da obra de artistas representativos. Abre-nos uma porta para o continente e nos instiga a ir além para quem sabe, um dia, podermos distinguir pelo menos uma dezena, das dezenas de países africanos.

Até mais!

Nosso belíssimo planeta

sebastiao-salgado-genesis-baobab-trees

O maior evento fotográfico do ano é editorial. O lançamento do livro Gênesis, de Sebastião Salgado, mais que acontecimento artístico, é um grandiloquente registro de um maravilhoso planeta: o nosso! Com todas as interferências humanas, para o bem e para o mal, nosso planeta resiste; belo, poderoso, absolutamente encantador. As expressivas imagens do fotógrafo mineiro, radicado em Paris, propiciam uma viagem alucinante, extasiante, poeticamente terna e reflexiva.

Sebastião-Salgado-Genesis-exposição-1

A viagem de Sebastião Salgado, para a feitura do livro, começou em 2004 e terminou em 2011, tendo passado por todas as regiões do mundo. A Antártica, no sul do planeta, abre o livro com imagens das Malvinas e da Patagônia. Depois vem capítulo denominado Santuários. Neste, as ilhas Galápagos, tribos da Indonésia, Madagascar e os planaltos de Papua – Nova Guiné.

Herd of buffalos, Kafue National Park, Zambia, 2010

África é capítulo contundente que começa pelo Saara e conclui com imagens da Etiópia. Após nos mostrar o que ainda há de selvagem nos EUA o fotógrafo encerra o livro com imagens da Amazônia e do Pantanal.

Sebastião-Salgado-Genesis-exposição-2

Publicado pela Taschen, editora alemã, é desejo do fotógrafo que o livro seja adquirido pelo maior número possível de pessoas. Comprei por um bom preço, via internet. Nas livrarias está bem mais caro; portanto, todo o cuidado é pouco já que o livro é um sucesso e as livrarias estão aproveitando para arrancar grana de quem não procura valores mais acessíveis.

O autor e a obra. As imagens deste post foram colhidas entre as disponíveis na Internet.
O autor e a obra. As imagens deste post foram colhidas entre as disponíveis na Internet.

245 imagens entre as publicadas no livro estão expostas no Sesc Belenzinho, em São Paulo. O evento começou no dia 5 de setembro e vai até 1º de dezembro, de terça a domingo. Um passeio e tanto para que, em meio ao caos paulistano, possamos redescobrir nosso planeta por meio das lentes mágicas de Sebastião Salgado.

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Bom final de semana!

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Férias chinesas sem sair de São Paulo

Detalhe de obra em exposição na biblioteca.
Detalhe de obra em exposição na biblioteca.

A exposição “Seis séculos de pintura chinesa” em destaque na Pinacoteca é uma mostra que nos permite desvendar uma arte delicada, profunda, de domínio técnico impecável. Mais que questões formais e estéticas, o evento torna-se uma possibilidade de contato diferenciado com as expressões de um povo. Sabemos muito pouco ou quase nada sobre arte chinesa.

A coleção exposta na Pinacoteca é do “Musée Cernuschi”, de Paris. São 120 pinturas de diferentes períodos: China Imperial (1368-1911), China Republicana (1912-1949) e artistas atuantes no século XX. Henri Cernuschi foi economista e banqueiro, tendo fundado o museu com seu nome em 1898.

Painéis imensos, exigindo olhar demorado para apreensão dos detalhes.
Painéis imensos, exigindo olhar demorado para apreensão dos detalhes.

Duas peculiaridades merecem nossa atenção; primeiro é a presença de obras do artista Zhang Daqian, pois este morou no Brasil cerca de vinte anos. O artista insere-se entre outros que, trabalhando em Paris divulgaram a arte chinesa. Na Pinacoteca temos obras que foram feitas enquanto o artista morou no Brasil. A segunda é a publicação em formato digital do catálogo da mostra, disponível gratuitamente para download no site da Pinacoteca.

Diferente da arte ocidental, a pintura chinesa tem outros propósitos. A leitura do catálogo, antes do evento, propiciará melhor aproveitamento das mesmas. Os formatos são diferenciados, exigindo um percurso visual particular. A exposição, montada nos parâmetros ocidentais – são seis espaços divididos cronologicamente – não deixa de evidenciar maneiras distintas de aproximação e visualização dos trabalhos chineses.

O caráter simbólico das pinturas exige do observador mais que a observação do visível, mas daquilo que o objeto representa. Com freqüência, cada pintura é uma “viagem estática”, pois a montanha, por exemplo, é um lugar de isolamento espiritual para o pintor-poeta.

Artechinesa 2
Sutileza nos detalhes, delicadeza na forma e no conteúdo.

O suporte mais freqüente é o papel e o nanquim é presente em praticamente todos os trabalhos. Em muitos, além da imagem pictórica, há textos poéticos que são parte da composição, dando-nos vários exemplos da arte caligráfica chinesa.

Creio, sobretudo, que a exposição “Seis séculos de pintura chinesa” leva-nos a pensar diferente, com outros critérios, para a grande civilização e para as multidões chinesas, nossas contemporâneas. No grande salão da Pinacoteca estão expostas a delicadeza de diferentes gerações, a suavidade de traços, a leveza de formas, a sutileza temática. Todas essas qualidades: delicadeza, suavidade, leveza, sutileza são expressões de artistas que representam todo um povo em diferentes épocas. Acredita-se que o pincel, para o artista chinês, ia muito além da concepção ocidental de prolongamento da mão. Para os chineses, o pincel transmite emoções e por isso é a expressão do coração. Ao observar atentamente podemos concordar com essa máxima chinesa.

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Boas férias!

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A exposição “Seis séculos de pintura chinesa” permanecerá até o próximo 04 de agosto.

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