Sapos, tapas e um golpe

Foto Oficial Presidenta Dilma Rousseff. Foto: Roberto Stuckert Filho.

Creio que a maioria das pessoas tenha sofrido algum tipo de injustiça no decorrer de suas vidas. No mínimo não tiveram seus direitos respeitados ou tiveram que aturar aquela situação popularmente conhecida como engolir sapos. Tipo quando você tem que aturar um funcionário relapso – para ficar no razoável – para conseguir o serviço pelo qual o sujeito é pago para realizar.

Injustiças quando ali, na intimidade do sujeito, levam a um tipo de digestão onde o afetado deve lidar com suas frustrações sem interferências de outros. Uns rogam pragas, outros sonham cenas de assassinatos, há quem se prepara para algum tipo de revide e, entre várias outras possibilidades, há o famoso deixa para lá. Todavia, há as injustiças públicas. Difíceis de engolir, difíceis de esquecer.

Guardo de Antunes Filho o ensinamento de que “o primeiro tapa é o que vale, é o que entra para a história.” Dizia o diretor que, em situações adversas, perante um inimigo, um desafeto, na hora de uma briga, o importante era desferir o primeiro tapa. Um grande e sonoro tapa na cara! Na sequência o autor do tapa pode apanhar muito, mas o primeiro tapa é o que entrará para a história. Teatralmente é maravilhoso! Na vida real…

Nem uma necessidade mal atendida, nem uma bofetada recebida em público. O que me leva a escrever é algo muito pior; verdades e situações impostas a outros que, injustas, ficam por isso mesmo e a vítima não engole um sapo, mas uma saparia por toda a vida e, quiçá, após a morte. Um exemplo que me incomoda há anos: Publicaram que Michael Jackson fazia tratamentos para ficar branco. Um escândalo somado a outras situações vividas pelo artista. Ele afirmava ter vitiligo, mas… os tabloides e similares sensacionalistas duvidavam. Quando Michael morreu e, tempos depois, foi publicado os resultados da autópsia, constava lá, com absoluta clareza: o falecido tinha vitiligo. Pouco foi alardeado sobre tal fato.

Estamos em setembro. Desde fevereiro se sabe o resultado de um inquérito que vinha sendo feito pelo Ministério Público Federal, mas que foi revelado só agora. Movido contra Dilma Rousseff a partir de 2015, tornou popular a expressão “pedaladas fiscais” e foi usado para o impeachment que a tirou da presidência em 2016. Taí um sapo do tamanho do mundo imposto a uma mulher que, conforme o MPF, agiu conforme as práticas vigentes e, assim sendo, não havia motivos para a destituição da presidenta.

Dilma Rousseff, ao longo desses seis anos, manteve-se altiva, encarando “de frente” a tudo e a todos com firmeza. Se chorou, o quanto sofreu, ficou na vida privada da mulher vítima do machismo, da misoginia, da injustiça. Invariavelmente com serenidade, sorrisos reservados, calma, Dilma comenta tanto a tortura sofrida no período da ditadura quanto o golpe sofrido em 2016 com a postura de quem sabe o que é e de onde está. “A justiça foi feita”, declarou sobre o recente resultado.

Justiça seria reconduzir Dilma ao cargo impondo o imenso sapo a quem de direito. Um ou vários tapas aos que movidos por interesses escusos manipularam a opinião pública contra a primeira mulher a ocupar a presidência do país. Parece que vai ficar por isso mesmo e como ocorreu com a “revolução de 1964”, que foi um golpe, o impeachment de Dilma entra para a história como aquilo que foi: um golpe! Pedido de desculpas é pouco. Qualquer recompensa, por maior que seja, nunca será suficiente. Ao imbróglio de um inquérito transformado em impeachment resta o registro para a história: Foi golpe!