Tá melhorando, é prestar atenção

Sonia, Célia, Luiza e Benedita, em fotos das páginas do Instagram.

“Progredir, progredimos um tiquinho”, escreveu o poeta. Só por aqui, na terra de Mário de Andrade, mais de 156 mil pessoas fizeram de Sonia Guajajara a mulher indígena mais votada do Brasil! Lá pelas terras de Minas elegeram Célia Xacriabá. A Bancada do Cocar nasce timidamente com essas duas cidadãs, o que é histórico início de uma mudança. O povo indígena no poder!

Há mais tiquinho de progresso nessa imensidão de Brasil. Contra todo o etarismo vigente reelegemos duas octogenárias para o Congresso: Dona Luiza Erundina, com 87, e Dona Benedita da Silva, com 80 aninhos recém completos. Percebam, por gentileza, a sutileza da língua pátria: Reelegemos! Essas senhoras nos dão a maior segurança de que farão um excelente trabalho. Lá em Pernambuco, uma novidade: Marília Arraes e Raquel Lyra disputam o segundo turno para o governo estadual. Ou seja, esse cadinho evolutivo tende a aumentar e, se Deus quiser, há de crescer.

Citar Deus é complicado. Nesse aspecto, há uma grande dúvida se houve retrocesso ou se apenas veio à tona o verdadeiro caráter do brasileiro. Cristãos, por aqui, não costumam seguir Cristo. Matam-se uns aos outros, amaldiçoam o Papa e seus representantes… Há um tal de Júlio Lancellotti, muito combatido por fazer uma coisa tornada popular por São Francisco de Assis, por volta do ano de 1200: o Pe. Júlio cuida de pobres, o que deve ter saído fora de moda para os cristãos.

Dona Erundina é católica, lembra bem as tais “carolas” da minha infância: tementes a Deus, honestas e a serviço da comunidade. Não sei se há “carolas” entre as evangélicas, mas me parece ser parecida com Dona Benedita, que tem uma trajetória de serviços aos seus.

Seria um progresso imenso ter cristãos como essas duas senhoras entre nossos representantes – em todas as esferas! Elas se importam com as manifestações religiosas de matriz africana, respeitam os diferentes credos presentes no país e também se importam com o destino dos povos originários, o que as tornará próximas da Bancada do Cocar.

“Progredir, progredimos um tiquinho”, escreveu Mário de Andrade. Tenho cá comigo que quanto mais mulheres no poder, melhor e maior progresso teremos. É bem verdade que elas sofrerão golpes terríveis – como Dilma Rousseff – o que, espero, fiquem atentas para que não ocorra mais. Todavia elas resistem. E persistem! E todos nós vamos ganhando ânimo com essas pequenas, mas fundamentais mudanças em nosso país.

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Obs. O verso “Progredir, progredimos um tiquinho” é de “O poeta come amendoim”, poema que Mário de Andrade dedicou a Carlos Drummond de Andrade em 1924.

Drummond e a Copa do Mundo

drummond futebol

Mantenho-me tranquilo, ligeiramente distanciado da Copa do Mundo já que não tenho o hábito de perder a cabeça por um jogo de futebol. “Futebol se joga na alma”, diz a poesia de Drummond de Andrade e a minha prioriza outras coisas; entretanto há momentos em que me perco, como tranquilo cidadão, no emaranhado de uma partida. E afloram-me ódios desconhecidos por adversários momentâneos; ou então, conheço o divino êxtase provocado por um simples e mero gol.

O melhor de tudo o que vi e ouvi, até agora, sobre Copa do Mundo veio de Drummond de Andrade. A Companhia das Letras lançou “Quando é dia de Futebol”, uma coletânea de textos, poemas e crônicas de Carlos Drummond de Andrade publicadas ao longo de décadas no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil. Os textos foram selecionados pelos netos do poeta, Luis Maurício e Pedro Augusto Graña Drummond, cobrindo as Copas do Mundo de 1954 a 1986, esta a última testemunhada pelo escritor mineiro.

Drummond e futebol são temas emocionantes; entrelaçados resultam em livro delicioso por guardar grande distância do batido discurso esportivo para centrar no poético. Carlos Drummond de Andrade é o homem comum, o poeta, o intelectual que se deixa levar pela percepção na emoção popular provocada pelo futebol. É o indivíduo que se rende à graça de Garrincha, ou que torna-se súdito de Pelé. Também é o homem brasileiro, o Jeca Tatu libertado pela vitória obtida na Suécia, em 1958: “O futebol trouxe ao proletário urbano e rural a chave ao autoconhecimento, habilitando-o a uma ascensão a que o simples trabalho não dera ensejo”.

Arguto observador, o poeta emociona ao descrever torcidas, partidas, momentos que antecedem campeonatos, as consequências das vitórias, das derrotas. Cidadão do seu tempo, Drummond conta uma história do país via futebol;  tanto as artimanhas políticas dos extintos partidos ARENA e MDB buscando tirar proveito quanto, por exemplo, as transformações advindas com  a chegada da televisão colorida. Nas crônicas cotidianas, Drummond insere com delicadeza diferentes acontecimentos como a morte de Booker Pittman, deixando clara afeição pela filha do músico, a cantora Eliana Pittman, e uma vitória do Vasco.

Entre os textos mais incríveis deste livro quero destacar “Na estrada”, onde o poeta sintetiza a vida de Mané Garrincha, e outro, “Despedida”, escrito quando Pelé deixa a Seleção Brasileira. A argúcia do grande escritor expõe com maestria aspectos da vida dos craques que marcaram e permanecerão lendas na história do futebol brasileiro. Ao mesmo tempo em que Drummond emociona coloca os dois ídolos na condição do que são: homens, jovens atletas que nos deram grandes alegrias.

A Copa do Mundo está chegando. Há greves, discussões, muita gente contra. O país, parece, está vibrando com o evento. O que diria Drummond?  Não sei; tanto para quem é contra quanto para aqueles que aguardam ansiosamente quero concluir este texto com um período, contido na crônica “Celebremos”, escrita pelo poeta quando da nossa primeira vitória, em 1958: “Não se trata de esconder nossas carências, mas de mostrar como vêm sendo corrigidas, como se temperam com virtualidades que a educação irá desvendando, e de assinalar o avanço imenso que nossa gente vai alcançando na descoberta de si mesma.” Vale refletir.

Até mais.