26 de outubro. Milton Nascimento completa 70 anos. Minas Gerais comemora, o Brasil reverencia o compositor e cantor. Ganhei de Maria Elza Sigrist, uma amiga encantadora que reside em Campinas, interior de São Paulo, o primeiro disco de Milton Nascimento.
No sertão da minha terra
Fazenda é o camarada que ao chão se deu
Fez a obrigação com força
Parece até que tudo ali é seu…
Milton, carioca de nascimento, é de uma mineirice única, encontrando paralelo só em Ary Barroso, quando este compõe sobre a Bahia. Uma Minas Gerais nostálgica, religiosa, montanhosa, maneira, e outras tantas características da terrinha estão na obra do compositor que, criança, foi viver em Três Pontas, no interior mineiro.
Longe, longe ouço essa voz
Que o tempo não vai levar…
Com uma dose de culpa diante de outras, escolhi sete canções para lembrar neste momento festivo, do aniversário do Bituca (eu até que gostaria de chamá-lo assim!). Sete canções para comemorar os 70 anos de Milton Nascimento; músicas que, se ouvidas 70 x 7, ainda assim não cansam ninguém.
A partir dos anos de 1960 tornou-se comum a presença de compositores-cantores na música brasileira. Foi um meio de que esses artistas tivessem maior reconhecimento e, consequentemente, grana. Esse fato justifica um período de ascensão de grandes cantoras e a escassez de intérpretes masculinos. Os compositores não conseguem dizer não para as meninas, mas guardam para si as composições que poderiam acontecer na voz de um marmanjo.
Lá vinha o bonde no sobe-desce ladeira
E o motorneiro parava a orquestra um minuto
Para me contar casos da campanha da Itália
E de um tiro que ele…
“Saudade dos aviões da Panair”, a música dos versos acima, é uma rara exceção onde a interpretação de alguém é melhor que a de Milton. Esse alguém é Elis Regina; por outro lado, Milton Nascimento, apenas como intérprete e com sua belíssima e inconfundível voz, estabeleceu parcerias memoráveis com artistas como Mercedes Sosa, Gilberto Gil, e criou grandes clássicos ao cantar com, por exemplo, Chico Buarque.
O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e provas
Que andam combinando no…
No já lendário Clube da Esquina, Milton Nascimento capitaneou toda uma geração de compositores mineiros que lá, das terras de Minas, enviaram canções únicas para Lennon, McCartney, via trens azuis e outros mais. Com Lô Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Flávio Venturini, Márcio Borges, Toninho Horta e o genial Wagner Tiso, aprendemos a identificar uma música mineira distinta, com qualidades tão peculiares que tornaram essas canções universais.
Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto vidro e corte
Um sabor de chocolate…
Gosto, sobretudo, daquelas gravações em que Milton Nascimento consegue trazer Minas Gerais para onde quer que estejamos. A melodia doce, os batuques que remetem às congadas, a suavidade das toadas e quase sempre as vozes em coro, que mineiro, todo mineiro, não gosta de cantar sozinho.
Adeus, adeus, toma adeus
Que eu já vou embora
Eu morava no fundo d´agua
Não sei quando eu voltarei
Eu sou canoeiro.
Milton Nascimento está longe de nos dizer adeus. Desejamos outros 70 anos ao compositor que já garantiu presença em nosso imaginário pelos séculos que virão. Milton é Minas, é Gerais, é Brasil.
Quero terminar lembrando uma canção que foi um marco na minha trajetória pessoal; quando o cantor Milton Nascimento, com interpretação única, ajudou-me a segurar a barra, a nortear minha vida.
…Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito à força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura
Longe se vai…
Obrigado, Milton! Tantas canções cujos versos não estão aqui! “Travessia”, “Canção da América”, “Nos bailes da vida”, “Encontros e despedidas”… Ficaria aqui, escrevendo até esgotar, mas vamos embora; festejar os 70 anos de Milton Nascimento.
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Feliz aniversário!
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Notas musicais:
Na ordem em que aparecem no post, as canções e seus autores:
Morro Velho – Milton Nascimento
Sentinela – Milton Nascimento e Fernando Brant
Saudade dos aviões da Panair (Conversando no bar) – Milton Nascimento e Fernando Brant
O que será, que será (À Flor da Terra) – Chico Buarque
San Vicente – Milton Nascimento e Fernando Brant
Beira-mar – (Folclore do Vale do Jequitinhonha) Adaptação Frei Chico e Lira Marques
Caçador de Mim – Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá