A mulher, mãe do Filho

Dia de Nossa Senhora Aparecida chegando e imagino Maria ensinando o filho a falar. As mulheres, cuja paciência é infinita, repetem, repetem, interpretam grunhidos, insistem na repetição e aos poucos as crianças vão emitindo sons, articulando sílabas, pronunciando palavras. Mães! Essas também levam os filhos a identificar coisas, pessoas, animais. Ensinam a usar as mãos em palmas e preces. Sustentam a criança em seus primeiros passos até que caminhem sozinhas. Maria certamente fez tudo isso. Certamente foi ela a ensinar o Cristo a chamar Deus de Pai.

À despeito de todas as pinimbas dogmáticas sobre Maria, razão de muitas diferenças e contendas entre cristãos, o que não se pode negar é a presença da mãe ao lado da criança, da mulher caminhando ao lado do filho. É a mãe que gera, dá à luz, apresenta Jesus no templo. Também está presente nas Bodas de Caná, quando ele realiza o primeiro milagre. Segue-o até o fim, estando presente na Paixão e, continua ao lado dos apóstolos, após a ascensão. Essas situações estão descritas nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos.

Penso ser inato o respeito e carinho para com a mãe. É delicadamente emocionante ver alguém maduro, homem ou mulher, amparando e conduzindo a própria mãe. Há algo que não se rompe; simbólica ou psicologicamente, parece que o cordão umbilical não é cortado. Tal relação ultrapassa o humano e, não raro, pensamos mães como deusas. Não é à toa que a maioria das religiões reverenciam a maternidade.

As aparições de Maria ao longo da história são inquietantes. Guadalupe, Medalha Milagrosa, Lourdes e Fátima são sinônimos de fé, conforto, levando milhões de fiéis para o México, a França e Portugal, lugares onde registraram-se as aparições. Além dos testemunhos da mulher celestial conversando com pessoas, há outras formas de presença pelo planeta através das imagens como a de Aparecida que, por conta de fenômenos alçados à condição de milagres, acrescentam fatos à história de Maria.

Entre a ternura das atitudes da mãe de Jesus e a beleza das narrativas dos que a viram em suas aparições está a mulher. Ela é a Senhora, Cheia de Graça, Mãe de Deus, Rainha do Céu e quantos mais títulos lhe possam ser atribuídos, não é bom esquecer o fato de que aquela que veneramos é uma mulher.

Somos filhos de Deus, somos irmãos e é necessário equilíbrio colocar uma Deusa ou uma Mãe nesse meio. Isto se faz necessário num mundo onde o respeito à mulher carece de imposição legal. Simples e terrível: precisamos de leis para respeitarmos as mulheres! Criminoso e contraditório. E após cotidianas cenas de desrespeito presenciamos o sujeito reverenciando as santas e deusas de cada religião.

São imensas as implicações político-sociais da recente morte de uma mulher muçulmana por, embora usando um véu, ter fios de cabelo à mostra. Nada justifica a morte da jovem, assim como não se justifica o desrespeito para com toda e qualquer mulher. Fé, a gente respeita. Hábitos, a gente muda.  A Mãe de Deus é reverenciada por Islâmicos e Cristãos. Já passou da hora das duas religiões frisarem a seus fiéis a humanidade dessa mãe, mulher, como as que estão lado a lado convivendo conosco. Tudo bem iniciarmos nossas orações com o sinal da cruz simultâneo ao “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, entretanto, frisar se faz necessário: esse filho aí, da prece, tem uma mãe. Mulher, Maria!

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Nota: A imagem de Nossa Aparecida que está na foto foi um presente de minha avó. Eu estava com cinco anos, mais ou menos. Trago-a deste então, associando a mãe do céu à minha mãe, Laura, foto do fundo.

Para Uberaba, aqui de longe

Sei que ainda vou voltar… onde hei de ouvi cantar uma sabiá (Chico Buarque, Tom Jobim)

Um ano sem ir a Uberaba (maldita pandemia!). Toca a viver de lembranças…

E eu sinto uma saudade insana da estrada, da sensação de voltar, chegar na cidade onde nasci.

As primeiras saídas, tentativas de mudança foram confusas. Era um querer vir, não querendo, diria a personagem popular. Era comum viajar chorando, o rosto escondido, olhando a noite pela janela do ônibus. A juventude garantia ânimo e força para voltar na semana seguinte. Era o ir e vir constante, gerando sextas-feiras de ansiedade, segundas-feiras de cansaço.

São Paulo e a vida, aos poucos, exigindo outras posturas. E de uma vez por semana, passei a visitar a cidade uma vez por mês. Não contabilizei o tempo. Mas o trabalho foi exigindo e, aos poucos, a vida mudando… Uberaba passou a tomar todos os feriados.

Tempo, tempo, tempo… E chegou o período de ir só nas férias, em aniversários especiais, visitas a doentes. Nunca mais que quatro meses sem visitar a cidade. Não pensava, nunca cogitei de ficar distante um ano inteirinho.

201 anos! O ano que não vi. Um ano!

Ano passado era pra ter sido uma festa enorme, a gente comemorando o bicentenário da cidade com lançamento do Uberaba 200 anos – No Coração do Brasil, “Euzinho” lá, entre os poetas da cidade no livro organizado por Martha Zednik de Casanova.

Foi o que tinha de ser.

Hoje acordei após sonhos. Nesses, estava lá, como em muitos outros. Esta quarentena infinda não manda nos meus sonhos. E o bom de sonhar é que o tempo não conta. Vejo meu quintal como há muito não é mais, com goiabeira, laranjeira, mamoeiro, jabuticabeira… Sonho com o quarto que dividi com meu irmão e que, após ele se mudar para Brasília, pintei todos os móveis de preto, para desalento da família (Eu era dark e não sabia!). Sonhos… Minha cidade dentro dos meus sonhos.

Uberaba! Tá na hora de pedir versos emprestados a Caetano Veloso:

“por mais distante, o errante navegante, quem jamais te esqueceria…”

A pandemia ainda está aqui, aí, em todo o Brasil. O que deveria ser festa pede apreensão, cuidado dobrado. Recebo notícias de minhas irmãs, trancadas sem que sejam Carmelitas, Concepcionistas. Não vão ao Carmelo, à Medalha Milagrosa. Não vão a lugar nenhum. E, daqui, reitero: Não saiam! Tomem cuidado! A vacina taí!

“por mais distante, o errante navegante, quem jamais te esqueceria…”

Por mais que vivamos tempos sombrios, ninguém vai nos tirar os sonhos, os desejos. Por isso lá vai meu desejo maior neste 02 de março:

Feliz aniversário, Uberaba! Que todos tenham saúde!

Que todos os doentes se curem! Que todos sejam vacinados.

Que possamos estar juntos novamente, presencialmente!

Feliz aniversário, Uberaba!

Julho sem adrenalina no Museu de Arte Sacra

Museu de Arte Sacra foto by Valdo Resende

Férias começando, a adrenalina ainda pegando forte, eu procuro retomar a paz e o sossego no Mosteiro da luz, especificamente no Museu de Arte Sacra; nada como um lugar tranqüilo, onde o passado se faz presente e, de quebra, faz-me lembrar um pequeno pedaço de Minas Gerais, na querida São Paulo.

Abdias e Ezequiel, lembrando Minas Gerais.
Abdias e Ezequiel, lembrando Minas Gerais.

Fundado em 1970, o Museu de Arte Sacra de São Paulo abriga milhares de obras em seu acervo, priorizando imagens religiosas do século XVI ao século XX.  Está na ala mais antiga do Mosteiro da Luz, construído em 1774 e abriga uma clausura, da Ordem das Irmãs Concepcionistas (Mais um item  para lembrar Uberaba, onde as Irmãs residem na clausura da Igreja da Medalha Milagrosa).

Nos jardins estão quatro réplicas dos profetas criados por Aleijadinho (Antonio Francisco Lisboa) para o santuário de Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas do Campo, também Minas Gerais. Foram cedidas ao Museu de Arte Sacra pela Justiça Federal; pertenceram originalmente a Edemar Cid Ferreira, mas foram confiscadas quando do processo do indivíduo por lavagem de valores.

Os quatro profetas cedidos pela Justiça Federal
Os quatro profetas cedidos pela Justiça Federal

O local tem uma importante coleção de lampadários além de outros objetos sacros, objetos e mobiliário laicos. Tenho especial interesse nos oratórios barrocos, guardando imagens coloniais de rara beleza. Entre as obras do acervo, a escultura da imagem de Nossa Senhora das Dores, também de Aleijadinho, é de um requinte formal extraordinário e deixa evidente a capacidade do artista em expressar-se e captar expressões.

Museu de Arte Sacra foto by Valdo Resende

Visitar museu não é ação tipo caminha por corredores de shopping. É bom descansar o olhar, refletir, interiorizar o que está sendo visto ou, simplesmente curtir o silêncio que, no Mosteiro da Luz, é secular e continua absolutamente aconchegante. No pátio interno é possível ver, e ouvir, pássaros, isso sob o murmúrio da delicada fonte central.

Pátio do Mosteiro da Luz foto by valdo resende

O local é muito visitado também pelos fiéis de Frei Galvão, que está entre os fundadores do antigo Mosteiro. Após as orações na capela dedicada ao Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, como foi canonizado, é possível conseguir as pílulas que, para os crentes, são um santo remédio. O museu também abriga um importante acervo de presépios de diferentes regiões do mundo. Para quem não é de São Paulo, o endereço é Avenida Tiradentes, 676, bem próximo da Estação do Metrô Tiradentes e está aberto de terça a domingo.

Mosteiro da Luz foto by valdo resende

O Museu de Arte Sacra está em uma das regiões mais movimentadas da cidade. O barulho da avenida é intenso, todavia esquecido logo que se adentra ao velho prédio, como se uma viagem no tempo fosse iniciada observando as paredes seculares, o mobiliário antigo, as imagens e objetos que permearam a vida de nossos antepassados. É recomendável para todos nós, que vivemos nesse mundo acelerado; a gente sai de lá calminho, introspectivo, pronto para continuar a viver.

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Até mais!

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