Em um esporte em que atacantes são divinizados, o goleiro Gylmar dos Santos Neves é exceção. Ele ocupa lugar ímpar no panteão dos deuses do futebol. Hoje lamentamos a morte do jogador que estabeleceu os parâmetros de como deve ser um goleiro da seleção brasileira.
Não posso afirmar que recordo plenamente de algum jogo da Copa do Mundo de 1958. Eu estava com três anos e, tenho certeza, foi lá que me habituei com a barulheira durante o certame. Aliás, certame é uma expressão comum daquela época pouco usada hoje em dia. Guardo imagens de toda minha família ao redor do rádio, ouvindo atentamente um locutor que falava rápido, muito rápido. Aprendi o significado da palavra gol vendo meu pai indo para o quintal para soltar fogos de artifício antes que o locutor terminasse de gritar. Ali ficou estabelecida uma certeza: quando papai estava muito feliz comprava fogos e fazia muito barulho.
Em 1958 Gylmar era goleiro do Corinthians. Sabe-se que ele sofreu 527 gols. Não consegui descobrir, com precisão, quantos gols ele defendeu; Sei que ele conquistou três títulos paulistas e um Rio-São Paulo. Vida de goleiro tem essa sina, dos gols que entraram todo mundo dá notícia, mas exatamente foram quantas defesas? Das mais simples às defesas fantásticas, heroicas, quantas vezes as mãos abençoadas de Gylmar impediram a vitória do adversário?
Gylmar foi para o Santos F.C. em 1961. Ignorei solenemente. Aos seis anos gostava de ver meu irmão Valdonei jogando no “Campinho”, no time do Hermes. Não me deixavam jogar; eu já era ruim de bola, mas me orgulhava do irmão que, por ciúme eu chamava de “7 grosso”, em referência ao número da camisa que ele vestia, tornado mítico quando em camisa usada por Garrincha.
Na Copa do Mundo de 1962 eu começava a entender o mundo e este se abria através da tela mágica de uma televisão. Nas tardes de então, ouvíamos no rádio o Brasil ganhar o segundo título mundial. Ao anoitecer, não sei quem colocava uma televisão na esquina mais próxima; foram essas as primeiras vezes em que vimos a seleção pela telinha. Eu, ainda criança, não tinha a noção do que era um videotape. Na minha concepção o Brasil jogava duas vezes no mesmo dia e vencia os dois jogos. Passei a ter Gylmar como um Deus.
Foi de lá, daquele aparelho de televisão colocado em uma esquina que guardei imagens de defesas geniais do grande goleiro Gylmar. Também de como ele soltava a bola em locais estratégicos, colaborando na armação do time brasileiro.
Gylmar faleceu hoje, 25 de agosto, em São Paulo. Ficam as histórias de um atleta que ficou no imaginário brasileiro sem ações de marketing, sem apelos publicitários comuns. Bi-campeão do mundo, foi grande entre os maiores craques de futebol deste país e assim será lembrado: nosso maior goleiro.
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Até mais!
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