A maior!

Semana em que Elis Regina e Nara Leão estão em foco na mídia brasileira. Que ótimo relembrar e homenagear essas artistas extraordinárias. Nas diferentes matérias sobre as duas cantoras invariavelmente recai sobre Elis o adjetivo maior. “A maior!”. Ninguém discorda; nem deve, nem pode. No entanto…

Provavelmente por sermos subdesenvolvidos, nós, brasileiros, tenhamos essa coisa do tamanho das coisas. O maior estádio, a maior usina hidrelétrica, a maior ponte… Esses exemplos arquitetônicos foram utilizados durante a ditadura militar, afinal os caras precisavam de dar motivos de orgulho para a gente do país. Mais ou menos nessa época a própria Elis disse em uma ou outra oportunidade que Maísa era a maior cantora, ou Gal Costa a maior cantora. Para Maria Bethânia reservaram o “a maior intérprete”.

A febre do “maior” veio depois de diferentes reinados. Nostalgia dos tempos coloniais, sem ter por aqui o charme das nobrezas europeias, inventamos títulos para praia – Quem não conhece “a princesinha do mar”? – criamos reis da voz, rainhas do rádio, rei da juventude, rei do baião, rainha da Jovem Guarda e, entre outros, para ficar bem claro que ainda não dispensamos as titulações nem mesmo em plena pandemia, agradecendo o trabalho de Teresa Cristina, elegendo-a Rainha das Lives. Serei sempre grato à cantora e compositora pelas noites em que nos salvou do desespero.

Afeto e reconhecimento estão entre diferentes sensações que caminham junto e em ordem invariável quando citamos nossas referências, nossas preferências. Se concordamos que Elis Regina é a maior, onde colocamos Nana Caymmi, Mônica Salmaso, Elizeth Cardoso, Ângela Maria, Elza Soares, Maria Bethânia, Alcione, Daniela Mercury? Caramba, ia deixando Dalva de Oliveira de fora, a Gal Costa! A Clara Nunes! Podemos colocar quantas cantoras na tal lista “A maior”?

As cantoras citadas no parágrafo anterior nos legaram (legam, ainda!) registros incríveis de inquestionável qualidade vocal. Todas elas, em um ou outro momento, nos arrebatam com suas interpretações e terão, como disse Elis, “a durabilidade do disco”, o que a gente sabe, graças à tecnologia, que essas vozes deverão estar por muito tempo conosco. Elis e Nara têm histórias peculiares em comum (veja aqui), mas neste texto quero enfatizar outros aspectos.

Nara Leão é páreo – se a gente necessitasse disso – para qualquer artista do mundo quando se coloca a representatividade como parâmetro. Milhares de quilômetros distanciam Nara de Leny Eversong, se pensamos em potência vocal. Sem dúvidas, é possível reconhecer e confirmar que o “fio de voz” de Nara foi mais forte que o de Lenny, ou de qualquer outra cantora. A moça rica de Copacabana norteou a Bossa Nova, subiu o morro e nos legou poesia e protesto, assinou junto com o pessoal da Tropicália e mandou às favas os preconceitos em relação a Jovem Guarda. Não é lero-lero. Comprova-se na discografia!

Elis Regina é páreo – e ela não precisa disso – para qualquer cantora do mundo quando se alia técnica e expressão, potência e domínio vocais. Representou como poucas a época em que viveu, mais ainda, sendo um retrato fiel do brasileiro: o ser batalhador que é arrimo de família, que enfrenta forças adversas para ganhar espaço. Nara, rica, fez o que bem quis e, cá para nós, sorte a dela. Elis, brigou feito fera para fazer o que queria, como queria. Briga com gravadoras, empresários, com o governo, com o universo machista onde transitou, brigas que precisavam levar em conta a necessidade de sustentar os seus.

Legal refletir sobre “a (o) maior” principalmente para uma juventude que, penso eu, confunde o ato de cantar com grito. É só assistir o The Voice” para confirmar a gritaria. É complicado abrir espaço profissional e, nesse país do “a maior” e dos “reis e rainhas de quase tudo”, o jovem já chega por baixo. Esquece a suavidade da Bossa Nova, por exemplo. João Gilberto ganhou o mundo colocando a voz em registro suave, como Nara e, na maturidade, Maria Bethânia. Dóris Monteiro é inesquecível e entre as cantoras atuais, Marisa Monte e Maria Rita sabem dosar potência e suavidade, brindando-nos com momentos deliciosos. Subir a voz é força expressiva. Todo cantor deveria aprender isso com Elis Regina, assim como a professora de suavidade – sem esquecer a precisão da expressão – é Nara Leão. As duas – em polos distintos – representam o que há de melhor em nossa música.

A imprensa usou e abusou da rivalidade entre cantoras. Não voltarei ao assunto (Veja aqui), posto que vejo pouca ou nenhuma novidade sobre a questão. A prática continua. Fora dessa necessidade de audiência, podemos refletir e discutir essa questão da adjetivação dos nossos artistas. São grandes, são maiores. Nunca em detrimento aos pares. São imensos em determinado momento, são fundamentais em outros. O que devemos é conhecer, reconhecer e agradecer quando houver o excelente trabalho de cada cantora, de cada artista. Há lugar para todo mundo.

Nos tempos dos registros físicos – discos em compacto, ou long play, fitas cassete, cds – o espaço era problema e, por isso, escolhi vozes femininas para minha coleção de discos. Uma razoável coleção de cds, indo de Aracy de Almeida à Zizi Possi. Ouço Elis tanto quanto ouço Maria Alcina, Evinha, Tetê Espíndola. Dedico horas à Zezé Motta, Beth Carvalho e também ao Quarteto em Cy. Giane e Inezita Barroso, tanto quanto Clementina de Jesus ocupam lugar especial e por aí vai. De A a Z, deixo rolar à vontade e, para lembrar um verso de Joyce Moreno, gosto de “canções que ninguém escuta”. Tenho muita coisa da Elis Regina, da Nara Leão, da Gal Costa. Quase tudo da Maria Bethânia, e quem me conhece sabe o lugar que Wanderléa tem no meu coração. Todas grandes! Todas são “a maior”!

Salve, Elis Regina! Salve, Nara Leão!

Um salve maior para todas as cantoras do Brasil!

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As fotos que ilustram este post estão em capas de disco de Elis (1977) e Nara (1968).

E a banda passa!

chico e nara e jair
Jair Rodrigues, Nara Leão e Chico Buarque, em 1965

Nunca pensei em ver “A Banda” passar. Aquela mesma, “A Banda”, do Chico Buarque que prefiro na voz de Nara Leão e que, invadindo a infância, permaneceu no cantinho de meus grandes afetos. Há como não gostar de “A Banda”? E se de repente… E não é que a banda passou de novo! A história veio bonita e meio torta, bem torta mesmo; mas, quem tá preocupado com linha reta?

Eu não “estava à toa na vida” e sim, tomando banho. Aos poucos a música, de longe, foi se aproximando, se aproximando. Logo recordei ser o primeiro sábado após o carnaval, quando sai aqui pelas ruas do bairro um simpático bloco conhecido como “Enterro dos Ossos”, fechando as festas de Momo na Bela Vista. Meu amor, não me chamou! Mas me avisou que a banda subia a nossa rua vinda lá dos lados da Rua Martiniano de Carvalho em direção à Brigadeiro Luis Antonio.

“Despedi-me da dor” e ainda molhado, enrolado em toalha de banho, fui pra janela ver a banda passar. Estávamos todos lá: o “homem sério” abandonou o caixa e saiu para a rua e, nesta, “o faroleiro” empunhava copo de cerveja como troféu. Várias namoradas, de todas as formas, de todas as idades estavam acompanhando a banda ou paradas, no passeio, “para ver, ouvir e dar passagem”.

O bloco “Enterro dos Ossos” é cheio das manhas. Tem lá sua porta-estandarte, seu abre-alas – uma charanga toda colorida e enfeitada – e músicos que formam uma suave e deliciosa banda. Esta enche nossas ruas de velhas canções de outros carnavais. Pura nostalgia! Grandes marchinhas, marotas e sempre, sempre “cantando coisas de amor”.

Eu não estava pensando em Chico Buarque! Nem em Nara, nem na música que venceu o Festival de Música Popular Brasileira de 1965, empatando com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, cantada por Jair Rodrigues. Nem mesmo pensava em fim de carnaval. Era apenas sábado e no domingo, dia 5, Daniela Mercury tomaria a cidade com seu Trio Elétrico e aí sim, eu iria fazer o meu “enterro dos ossos”. Foi então que…

Filmei a passagem do bloco pela minha rua para mostrar via redes sociais aos amigos e familiares. Quis registrar o contraste do “meu” quarteirão vazio e, a partir da esquina, a rua tomada pelo bloco. Lamento não ter o registro ideal, mas, caro leitor, observe no vídeo abaixo que há um pequeno edifício à esquerda em frente do qual o bloco está parado. E parou porque no segundo andar, no terraço, uma simpática velhinha dançava e acenava aos foliões. Como não lembrar que “O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou que ainda era moço pra sair no terraço e dançou”?

Hoje é domingo; no outro, com Daniela Mercury, dancei pouco e tomei um banho de chuva de mais de duas horas. Esta noite está silenciosa e as ruas do Bexiga estão sossegadas. Essas mesmas ruas cheias de momentos como aquele em que, vendo a senhorinha dançando no terraço, dei-me conta e exclamei: “- Foi isso que o Chico Buarque viu!” e transformou em canção, e povoou o coração de milhares de brasileiros com lembranças de bandas que cantam coisas de amor.

Tempos bicudos. Tais como aqueles que vieram após o golpe militar. Recordo que, na época, havia murmúrios que condenavam a nostalgia de Chico por “fugir” da realidade com uma “velha” marchinha. Cinquenta anos depois, vendo “O Enterro dos Ossos” e a Bela Vista em festa veio-me a certeza de que é este o Brasil que é nosso; alegre, leve, suave, o país que “tomou seu lugar depois que a banda passou”.

A banda ou o bando que tomou o país em 1964 passou; outro bando que está por aí, impedindo o país de cantar, também terá seu fim. Paramos para brincar carnaval, mas já voltamos. Estamos aqui, atentos, prontos para continuar. E lutaremos por um país melhor porque também amamos bandas, blocos, carnaval, e belas senhorinhas cantando nos terraços.

Até mais!

Elis Regina em 1965

elis menino das laranjas

Tornar-se cantora e ficar entre as melhores do Brasil foi tarefa gigantesca até para Elis Regina. É possível constatar a grandiosidade enfrentada pela cantora, por exemplo, traçando um painel do ano de 1965. Neste ano Elis projetou-se nacionalmente ao vencer o I Festival Nacional de Música Popular Brasileira (TV Excelsior) com “Arrastão” (Edu Lobo e Vinícius de Morais). De quebra fez um show com Jair Rodrigues e o Jongo Trio que resultou em disco e programa de TV – O Fino da Bossa – entrando definitivamente para a história da música brasileira.

Em 1965 atuavam algumas mulheres que embora na faixa dos quarenta anos, por contingências da época já eram “velha guarda”. Cantoras extraordinárias como Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Marlene, Emilinha Borba e Isaurinha Garcia enfrentavam a passagem da era do rádio para a era da TV. Elis tinha o trunfo da juventude até mesmo perante outra das maiores cantoras brasileiras, Ângela Maria, que em 1965 já estava com 36 anos. Maysa, também notável entre as melhores, estava com 29 anos e Elsa Soares, sambista ímpar, chegava aos 28.

Perante grandes cantoras, ídolos reconhecidos pela crítica e pelo público, Elis Regina era uma jovem surgindo com brilho no cenário musical brasileiro. Para representar a modernidade na música brasileira Elis tinha que estar à altura de Sylvia Telles, embora o mercado exigisse que ela fosse tão popular quanto Celly Campello.

1965 - Arrastao - Elis REgina (1)

Além das cantoras já estabelecidas outras meninas, como Elis, iniciavam carreira. Em 1965 Nara Leão já era um grande nome. Dona de personalidade marcante e de uma privilegiada visão de mundo, Nara unia compositores dos morros cariocas aos jovens bem nascidos da Zona Sul, mudando os rumos da nossa música.

É bastante conhecido o fato de Nara Leão ter convidado Maria Bethânia, menina que havia conhecido na Bahia, para substituí-la no show “Opinião”. Bethânia chegou e atingiu sucesso imediato entre os cariocas que viram o show e em todo o Brasil, via rádio, cantando “Carcará”. Com Bethânia veio Gal Costa, sempre suave e sem fazer muito barulho. A dupla baiana que por si já faria tremer qualquer concorrente ainda contava com dois amigos do tipo que toda cantora precisa: grandes compositores do naipe de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Em 1965, aos 24 anos Nana Caymmi voltava ao Brasil para retomar a carreira. Celly Campello, que três anos antes havia abandonado a carreira recusou participar do programa Jovem Guarda. Wanderléa aceitou, tornou-se imensamente popular e, contam os biógrafos, amiga de Elis Regina.

Em 1965 eu estava com dez anos. Ouvíamos rádio durante todo o dia. Eu parava para ouvir Wanderléa com um chamado irresistível: “Atenção, atenção, eu agora vou cantar para vocês, a última canção que eu aprendi…” A moça bonita da Jovem Guarda cantava “É o tempo do amor” e eu gostava tanto quanto de “Carcará”, o “bicho que avoa que nem avião” na interpretação definitiva de Bethânia. Tenho certeza de que a primeira canção gravada por Elis que me fez parar e prestar atenção na cantora foi “Menino das Laranjas” . Com dez anos eu apenas gostava; hoje percebo que Elis canta a música com graça – a mesma graça que me encantava em Wanderléa – e interpretava intensamente, como Bethânia. De quebra, “Menino das Laranjas” é de uma notável sofisticação melódica e rítmica.

Ainda era 1965 quando vi Elis na televisão. Aos vinte anos ela cantava “Arrastão” com alegria contagiante, com a força necessária para retirar a rede de pesca cheia, farta, sem deixar de lado a doçura da intérprete que narra o pescador querendo Janaína para casar. Em maio do mesmo ano estreava, na TV Record, o programa “O Fino da Bossa”, e neste registrava-se a maior parceria vocal de Elis Regina: Jair Rodrigues.

O disco “Dois na Bossa” veio antes e deu origem ao programa de TV. No disco estão “Menino das Laranjas” e “Arrastão”, as duas músicas que me fizeram gostar de Elis Regina. Também estão outras onze canções só na primeira faixa, compondo o pot-pourri de maior êxito da dupla Elis e Jair. Definitivamente, Elis alcançava a categoria de melhor cantora do Brasil. Nesse programa, sem o que se denomina hoje “música de trabalho”, Elis pode mostrar toda a sua versatilidade, o que é possível comprovar pelas gravações preservadas por Zuza Homem de Mello, disponíveis em CDs.

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Outro dia me perguntaram como foi o impacto do lançamento do disco Construção, de Chico Buarque, em 1971. Respondi quase que mecanicamente: “- Ouvíamos no rádio. Tocava o dia inteiro!” Continuando o papo, recordei o hábito de ouvir rádio, desde criança, quando conheci toda essa gente e, principalmente, Elis Regina.

No próximo dia 19, segunda, lembraremos a grande cantora, falecida em 1982. 33 anos sem Elis! Três gerações sem a grande intérprete!Comigo, tudo começou em 1965. Impossível não registrar esses 50 anos de admiração e respeito que tenho pela maior cantora do Brasil.

Salve, Elis!

Animações para um aniversário.

Quando vi as capas de discos no site “Animated Albums” fiquei fissurado na ideia de ter a brincadeira com algumas capas de discos brasileiros. Estava no Papolog e Paulo Simões me ofereceu como presente algumas capas com animações simples, puro divertimento. Um presente para não ser esquecido e permanecer online. Vamos aos gifs:

Começando com os olhos do Chico Buarque? “Olhos nos olhos – verdes, amarelos, vermelhos – Quero ver o que você diz! Quero ver como suporta me ver tão feliz!”

Chico Buarque_FINAL

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E se é pra brincar com olhares, Adoniran me traduziu: “De tanto levar flechada do teu olhar, meu peito parece até sabe o que?…

Adoniran Barbosa_FINAL

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E depois de Adoniran, que compôs “Bom dia, Tristeza” junto com Vinícius de Moraes, música imortalizada na voz de Maysa vejamos os inesquecíveis e expressivos olhos da cantora.  “Se todos fossem iguais a Maysa, que maravilha viver…”

maysa_final

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“Batidas na porta da frente, é o tempo! Eu bebo um pouquinho…” pra aguentar todas as fortes emoções que Nana Caymmi propicia. É barra!

Nana_FINAL

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Pra aguentar a saudade de tudo, apelo pro Carcará, aquele que “pega, mata e come”.  E vou seguindo, levando a vida com lembranças de Nara, Zé Keti e João de Vale. Somos todos de “Opinião”.

Nara

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E se é pra lembrar, com reverência e respeito, vamos sempre colocar acima, onde merecem! Tom Jobim e Elis Regina.

elis e tom

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Mas aniversário é dia festa! E “você precisa saber da piscina, da margarina, da gasolina” com toda a trupe da Tropicália.

Tropicalia

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Brincar um pouquinho no doce encontro de Caetano Veloso e Gal Costa…

gal e caetano

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E deixar cair uma lágrima, pura emoção, como Maria Bethânia, afinal, amanhã é o dia do nosso aniversário. Gosto de comemorar meu natalício pensando que em algum lugar há uma festa pelos aniversários de Bethânia, Paul McCartney e, sendo assim, não escreverei por aqui. Vou bebemorar!

Maria Bethania

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 Obrigado ao Paulo Simões, pelo trabalho legal e divertido.

Até mais!

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Bethânia, oásis da música brasileira

O lançamento do 50º álbum de Maria Bethânia celebra a carreira de uma das mais importantes cantoras da nossa história. “Oásis de Bethânia” é o título do novo trabalho, que tem na capa uma imagem do semi-árido brasileiro, em pleno sertão nordestino. Para a imprensa justificou a capa: “- Preciso lembrar que existe esse lugar no meu país. Isso me coloca do tamanho que eu sou”. Essa é a Bethânia, a mulher admirável, a mulher brasileira.

Ouvindo as dez faixas do cd,  reforço a certeza de que a discografia de Maria Bethânia sintetiza toda a música do país. Não é exagero afirmar que conhecer Bethânia é conhecer nossa música. Nos discos da cantora todos os ritmos, todas as regiões, todos os maiores compositores de nossa história. De Noel Rosa a Chico Buarque, Bethânia, que lançou em disco o irmão Caetano Veloso, canta Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ari Barroso, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, D. Ivone Lara, Joyce, Edu Lobo, Alceu Valença…

Poxa, são 50 álbuns. A lista desse Oásis de qualidade que é a carreira de Maria Bethânia cabe muito mais nomes. De Luiz Gonzaga a Gonzaguinha, tem também Djavan, Gilberto Gil, João Bosco e Aldir Blanc, Milton Nascimento, Roberto Mendes, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Haroldo Barbosa, Moraes Moreira, Dominguinhos e, que me perdoem todos os outros, vou encerrar essa lista primária com Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

Além dos maiores compositores brasileiros, Maria Bethânia celebrou, em seus discos, as grandes cantoras do país, sempre respeitosamente reverenciadas por ela. As duas cantoras mais presentes em seus discos são Gal Costa e Dalva de Oliveira. Com a amiga Gal, muitas gravações em dupla, com sucessos memoráveis, como “Sonho Meu”. De Dalva, Bethânia resgatou boa parte do repertório da mais notável cantora da era do rádio; inclusive no presente álbum, Dalva de Oliveira é lembrada através de “Calúnia” (Marino Pinto e Paulo Soledade).

Muitas outras cantoras estão nos discos, álbuns ou DVDs de Maria Bethânia. Nara Leão, Alcione, Miúcha, Sandra de Sá, Wanderléa, a cubana Omara Portuondo, a francesa Jeanne Moreau, Dona Ivone Lara e, entre muitas outras, Ângela Maria e a divina Elizeth Cardoso. Como fez com Dalva de Oliveira, Maria Bethânia relembrou em outros discos as canções de Aracy de Almeida, Carmen Miranda, Maysa, Isaura Garcia, Elis Regina…

Minha cantora preferida é incansável. Além dos próprios discos, Bethânia produziu outras cantoras, como D. Edith do Prato e a jovem Martinália e prepara, para breve, um Songbook com oito CDs dedicados à obra de Chico Buarque. Este sempre esteve nos discos da cantora. No atual, ela gravou “O Velho Francisco” com Lenine, um dos grandes momentos do álbum. Apesar de tudo o que já gravou de Chico Buarque, Maria Bethânia quer mais. Pretende abordar todas as diferentes faces do grande compositor brasileiro.

O trabalho constante de Maria Bethânia é o que faz da “Senhora do Engenho” a menina baiana que roda a saia pelos palcos do mundo todo, com uma graça e presença inconfundíveis. Estou, propositalmente, falando pouco sobre o atual disco, pois o lançamento do 50º álbum de Maria Bethânia é fato para lembrar aspectos de uma carreira brilhante, única.

Oásis é onde o caminhante do deserto mata a sede. Oásis é o lugar agradável, paradisíaco, pleno de água e sombra e conforto. O “Oásis de Bethânia” é a caatinga nordestina, o pampa gaúcho, a chapada mineira, a mata e o sertão brasileiro. A obra de Bethânia é o oásis de qualidade das nossas canções.

Maria Bethânia incomoda muita gente. Quando todo mundo engole, economiza palavras, Bethânia nos brinda com a poesia de Fernando Pessoa, Castro Alves e torna populares os densos temas de Clarice Lispector. Incomoda, porque enquanto incontáveis artistas se rendem as leis de consumo, Bethânia grava Villa Lobos, revive Catulo da Paixão Cearense, e torna populares os pontos de Oxossi, Iansã.

Enfim, se milhares de brasileiros entregam-se a uma aposentadoria precoce, vivendo apaticamente em função de um copo de cerveja, um jogo de futebol ou um ordinário programa de televisão, de outro lado, uma jovem senhora baiana,  de 65 anos, nos dá claros sinais de que está longe de parar. Gravou o 50º e prepara oito novos álbuns para o próximo ano. Depois; bom, depois virão outros e mais outros e, tomara, muitos outros!

Que bom poder beber no seu Oásis, Maria Bethânia!

Bom final de semana!

divulgação sbt

Rivalidade entre cantores! Quem ganha com isso?

Ontem, lembramos a morte de Elis. Em post anterior recordei Nara Leão – que faz aniversário no dia em que Elis morreu – e também Maysa. Três cantoras que namoraram, em épocas distintas, o mesmo homem. Li uma matéria publicada no UOL chamando a atenção para a “rivalidade” entre Elis e Nara. Incomodou bastante a agressão ao integrante da banda Restart. Daí a reflexão!

divulgação sbt
As "rivais" que vendem discos e lotam shows

Tudo indica que é condição do ser humano querer ser o melhor. Alguns confundem melhor com “os mais bonitos”, os “mais gostosos” e por aí vai. Se a coisa caminha pelas tramas do gosto – pessoal, autônomo, ou mediante a adoção de patamares acordados por um grupo – o indivíduo precisa ter a clareza da relatividade da situação que elege o mais bonito, a mais gostosa, os mais “tudo”.

Há que se ficar alerta e não confundir o melhor com resultados circunstanciais, como a audiência de um programa de TV ou a vendagem de discos, livros ou revistas; o melhor pode ser medido, aferido, comparado, estabelecido a partir de regras precisas. Mesmo gostando de alguém – a querida Nara Leão, por exemplo – são padrões reconhecidos em todo o planeta que determinam Elis Regina como melhor cantora. Afinação, extensão vocal com domínio de graves e agudos e além de uma incapacidade incrível de, ritmicamente, dividir uma música, ou seja, colocar a frase verbal de forma peculiar dentro da melodia estão entre os itens que caracterizam Elis Regina.

Com a Bossa Nova, João Gilberto acabou com a tirania do “dó de peito”, das vozes volumosas. Um caminho onde Nara Leão reinou com absoluta tranqüilidade. E aqui cabe citar uma qualidade de Nara: a capacidade de interpretar uma canção com total suavidade e leveza. As trajetórias musicais de Elis Regina e Nara Leão são parecidas, mas distintas, pois ambas são dotadas de personalidade e caráter ímpar.

A rivalidade é uma coisa forte, intrincada, na vida de todos nós. Vamos lembrar algumas?

Começa geralmente na escola um certo Meninos X Meninas que na vida adulta resulta em Homem X mulher; passa pela rivalidade de cidades como Rio de Janeiro x São Paulo ou lá, na terrinha, Uberaba x Uberlândia. Chega aos grandes inimigos do futebol Corinthians X Palmeiras, bem local, e às eternas disputas entre Brasil X Argentina, Uruguai, Franceses, Ingleses, Italianos… Continuando em quase todos os aspectos da atividade humana.

Martinha e Wanderléa. As "rivais" da Jovem Guarda.

No campo da música há rivalidades históricas! São facilmente lembradas: Marlene X Emilinha Borba, nos tempos áureos do rádio; Nara Leão X Elis Regina na época da Bossa Nova; Wanderléa X Martinha durante a Jovem Guarda; Maria Bethânia X Elis Regina nos anos 70; Maria Bethânia (de novo!) X Simone nos anos 80…Recentemente, Sandy X Wanessa e atualmente, Ivete Sangalo X Claudia Leitte.

Psicólogos afirmam que a rivalidade entre mulheres é uma coisa velada e que entre homens é escancarada. Dois bons exemplos: Roberto Carlos e Paulo Sérgio, na Jovem Guarda, levando RC a gravar um disco, “O Inimitável”, em franca guerra contra o “rival”. Outro exemplo, em outra área, as farpas constantes no embate Pelé x Maradona.

É bom notar – fácil obter isso em pesquisa – que são revistas, jornais e similares que criam essas rivalidades e vendem absurdo com elas. Estão quentes na memória as insinuações quanto à pinimbas entre Ivete Sangalo e Claudia Leitte; as duas correm para desmentir desafetos. Ou seja, vende-se a “briga” e fatura-se um pouco mais, com a “reconciliação”.

Há, por outro lado, rivalidades verdadeiras, advindas de choque entre indivíduos de um mesmo grupo buscando impor sua maneira de ser, de criar. O mundo do Rock é rico em histórias, algumas irreconciliáveis. Pessoas que iniciaram um trabalho e que, com o conflito estabelecido, deram outro rumo às próprias carreiras. O mais clássico dos exemplos, John Lennon X McCartney e, no Brasil, Rita Lee X Arnaldo Batista. A lista poderia crescer bastante!

Lamentamos o fim dos Beatles, o rompimento entre os primeiros integrantes de Os Mutantes. Mas, é bom ressaltar que nesse tipo de conflito continuamos ganhando. Cada indivíduo, no caminho escolhido, deixou ou tem deixado um trabalho digno dos grupos onde tudo começou. Com esse tipo de rivalidade, ganhamos. Com pinimbas criadas pela imprensa, ganha o dono do jornal! Embora seja fato certa cumplicidade entre a imprensa e alguns “rivais”.

Há artistas que só aparecem quando brigam com alguém, enquanto outros artistas passam ao largo dessa história de rivalidades. Gal Costa, por exemplo, foi amiga de Elis Regina e é amiga de Maria Bethânia. Ninguém conseguiu estabelecer uma briga entre Gal e quem quer que seja. É constatável historicamente que Bethânia espetava Elis afirmando ser “Gal é a melhor cantora do Brasil”. Gal, tranquila desde sempre, canta. Longe das encrencas das colegas.

Gal Costa soube neutralizar fofoqueiros sendo amiga de Elis e de Bethânia, assim como Ivete Sangalo soube neutralizar uma possível rivalidade com Daniela Mercury, declarando-se sempre fã da colega. Uma tática infalível, que não vingou em relação à Claudia Leitte.

Hoje é reconhecida a falsa rivalidade entre Marlene e Emilinha Borba nos tempos da Rádio Nacional

Verdadeiras ou falsas, as rivalidades resultam em sofrimento para aqueles que estão vivendo a situação, os próprios rivais. Gera frustração, tristeza, ciúme, inveja. No futebol, por exemplo, gera violência e morte; mas, como ficariam os programas esportivos sem esse aspecto? Complicado… Principalmente quando certos fãs confundem as coisas e resolvem jogar pedras em cantores e músicos.

É necessário que o indivíduo reconheça no artista, ou no time de futebol, as qualidades que tornam esses os melhores. Sem confundir com afeto, simpatia. Se não gostamos de um artista, basta evitá-lo. Agora, atirar pedra – Literalmente! – em um artista é, além de um crime, uma demonstração absurda de baixa auto-estima. Se for necessária violência para que reconheçam o “seu” artista como melhor, que raio de artista é esse? E que público é esse!

Um artista é bom ou ruim. Outra coisa é afeto. O que não pode é alimentar a rivalidade baixando o nível e chegando à violência. No futebol esta, em grande parte, é fruto de uma “guerra” alimentada em programas esportivos de rádio e televisão. Há que se rever os “jogos de vida e morte” para que estes não cheguem aos shows de música. Se vaias são desagradáveis; pedradas são inaceitáveis.

Bom final de semana!

As mulheres de Ronaldo

Lamento por quem chegou aqui pensando em algo tipo “Marias chuteiras”, ou gostosonas, ou outras… O Ronaldo em destaque é o Bôscoli e as mulheres em questão são Maysa, Elis Regina e Nara Leão. Como esteve envolvido com essas três cantoras geniais, o jornalista, compositor e produtor Ronaldo Bôscoli será um dos nomes mais citados, nas próximas semanas, pela imprensa especializada em música.

Janeiro é um mês fundamental na biografia das três cantoras. No dia 19 de janeiro próximo lembraremos a morte de Elis Regina. Em São Paulo serão feitas várias homenagens a maior cantora brasileira que irão até março, quando haverá um show no Ibirapuera. Feito pela cantora Maria Rita, filha da cantora, o show  irá apresentar um repertório só de canções gravadas por Elis Regina na voz de Maria Rita. Este é para ser festejado e será no dia 17 de março, que é a data do aniversário da cantora (Marque na agenda. Um sábado, show ao ar livre, no Parque Ibirapuera).

Nara Leão, a primeira namorada, 70 anos em 2012

Bôscoli foi casado com Elis Regina, sendo pai do primeiro filho da cantora, João Marcelo Bôscoli. O casamento foi um acontecimento para a época e a vida do casal foi fartamente documentada pelos fofoqueiros de então. O registro histórico está nas diferentes biografias sobre Elis Regina ou sobre a Bossa Nova, movimento do qual Bôscoli foi um dos principais nomes.

Elis Regina faleceu em 19 de janeiro de 1982. Esse dia, 19 de janeiro, também é o dia do aniversário de Nara Leão. Além da carreira ímpar e do repertório impecável, a musa da Bossa Nova, da Tropicália, da Música de Protesto, enfim, a Nara de todas as bossas será lembrada neste ano também pelos 70 anos que faria no dia 19.

Com Maysa, tempestade na aparente calmaria da Bossa Nova

Minha primeira lembrança de Nara Leão é cantando “A Banda”. Provavelmente posso tê-la ouvido cantar outros anteriores sucessos. Todavia conheci “Carcará”, um marco na carreira de Nara, quando esta fez o show “Opinião” com João do Valle e Zé Keti, na voz de Maria Bethânia. A gravação de Bethânia foi muito executada nas emissoras de rádio de Uberaba, MG, a minha terrinha. Outro sucesso de Nara, “O Barquinho” lembro sempre é na voz de Maysa.

Coincidências que fariam a festa de exotéricos sensacionalistas, Nara Leão faleceu no dia 7 de junho de 1989, um dia depois do aniversário de Maysa. Esta faleceu bem antes, em 1977, no mês de janeiro!

A lembrança das histórias de Maysa e Boscôli estão fresquinhas na memória de quem viu a minissérie que a Globo fez sobre a cantora. Há, no programa televisivo, uma clara menção ao namoro de Nara Leão e Bôscoli, interrompido bruscamente quando Maysa anunciou seu noivado com o compositor. Ou seja, recapitulando:

19 de janeiro: Morte de Elis Regina

19 de janeiro: Aniversário de Nara Leão

22 de janeiro: Morte de Maysa

O primeiro filho de Elis é de Bôscoli

Ronaldo Bôscoli passou pela vida das três, na ordem: namorando Nara, Maysa e casando-se com Elis Regina. Como compositor, foi limitado.  Entre as músicas mais lembradas estão “Lobo bobo” (parceria com Carlos Lyra); “O barquinho” (o parceiro foi Roberto Menescal); “Tributo a Martin Luther King” (grande sucesso do cantor Wilson Simonal, que assina a canção com Bôscoli) e “Você” (com Roberto Menescal).

Como produtor musical, ao lado de Carlos Miéle,  Bôscoli deixou grandes capítulos na história da música brasileira. Produziram shows de Wilson Simonal; o programa “O Fino da Bossa”, com Elis Regina e Jair Rodrigues no comando; vários programas na TV Globo e por mais de vinte anos foram os responsáveis pelos shows de Roberto Carlos.

Bôscoli, ao conquistar Nara, Maysa e Elis, deixou um dado biográfico invejável. Infelizmente, também foi por causa dessas conquistas que elas nunca estiveram juntas em shows ou discos. Ironias da vida: separados pelos desencontros amorosos, cantoras e compositor estão juntos na história. Sempre que se falar ou escrever sobre um, os outros serão lembrados.

Boa semana!