Bocage, O Triunfo do Amor: para celebrar Djalma Limongi Batista

Neste dia 4, terça-feira, no Cine Bijou, será a apresentação do filme “Bocage, O Triunfo do Amor” (1998), homenageando o diretor Djalma Limongi Batista, autor também dos longas “Asa Branca – Um sonho brasileiro” (1981) e “Brasa Adormecida” (1986). No teatro, Djalma realizou uma histórica montagem de Calígula, de Albert Camus..

Djalma Limongi faleceu dia 14 de fevereiro, aos 75 anos. Parte do evento do Bijou, a vida e obra do cineasta e professor será lembrada em conversa com Edith Limongi, Ismail Xavier, João Luiz Vieira, Lívio Tragtenberg e Eugênia Melo e Castro.

Vamos aquecer lembranças sobre Bocage, o Triunfo do Amor, com algumas citações do próprio Djalma Limongi, feitas em depoimento a Marcel Nadale. Nada melhor do que o criador narrando sobre a própria obra:  

“Bocage, o Triunfo do Amor é uma viagem ao mesmo tempo física, mas também interior – uma dualidade muito bacana que eu também senti como cineasta, rodando Brasil e Portugal com a câmera e a equipe”.

“Foi quando descobri a verdadeira importância de Manuel Maria Barbosa du Bocage, seu veio poético, sua época, sua personalidade, seu choque com a corte portuguesa”.

“Bocage conta com sotaques de Angola, Moçambique e Cabo Verde, além do português castiço de Coimbra, das entonações do Sul e do Nordeste brasileiro e das participações de outras línguas latinas, como espanhol e francês. E o latim original, entoado por um professor da USP, Marcos Martinho dos Santos, que sabe falá-lo com a cadência correta, segundo as mais recentes pesquisas da linguística”.

“Bocage enfrentou um surto moralista e homofóbico. Quando foi exibido, contudo, fiz questão de dizer que ele decepcionaria quem esperava por um filme gay. Há na película um erotismo frio, que remete a Pasolini. É um culto metafísico do corpo, o que condiz com o poeta Bocage, que vai da pornografia ao sublime”.

“Quando Bocage foi a Gramado, lembro de Nelson Pereira dos Santos me dizendo que não queria perder o filme porque o haviam advertido para não assistir porque era escandaloso. Mestre Nelson ria e duvidava que algo ainda pudesse chocar no cinema, queria saber como”.

“A viagem multiétnica de Bocage, em especial, me fez enxergar um Brasil cuja única identidade é a língua portuguesa – e que, ainda assim, é renegada junto com todo nosso passado. Aspiramos a outras pátrias. Nossa elite é um entreposto de bom grado para as multinacionais. Não há, portanto, reservas de mercado para nossa produção cultural. Não há sequer um senso de dar prosseguimento a nossa história”.

“Bocage me fez perceber que o principal trunfo do Brasil é o ethos e pathos de seu povo. Nutrimos uma cultura da afetividade que, sem qualquer intuito de nacionalismo laudatório, acho que só existe aqui. Esse ponto forte se traduz tanto numa sexualidade aflorada quanto num anarquismo perene. Talvez isso é que nos liberte. A História, graças a Deus, é imprevisível”.

“Bocage entrou em circuito no começo de 1998, no mesmo dia que o megassucesso Titanic (James Cameron)”.

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Citações extraídas:

Djalma Limongi Batista: livre pensador, por Marcel Nadale. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. (Coleção aplauso).

O livro está disponível em PDF neste link: Djalma Limongi Batista: livre pensador

Serviço:

Bocage, o Triunfo do Amor + conversa com convidados

Dia 4 de abril, 20h – Ingressos: R$ 10,00

Cine Bijou – Praça Roosevelt, 172 – São Paulo

Realização: APACI + CINE SATYROS + SPCINE

Arte para denunciar a 72ª vez sem água

O semiárido nordestino enfrenta sua 72ª estiagem. Em 512 anos de Brasil é como se houvesse seca de cinco em cinco anos. A atual, por exemplo, já se sabe que viria desde 2010. Mais uma vez sem água e sem soluções eficazes.

As delicadas figuras de Mestre Vitalino

O governo anunciou investimento de R$ 2,7 bilhões em ações de combate (Quanto desse dinheiro irá para bolsos privilegiados?) e, em caráter emergencial, as famílias das regiões afetadas receberão “Bolsa Estiagem” (R$ 400,00) além de medidas de ocasião que, em si, não resolverão o problema, já que certamente teremos a 73ª.

Uma das edições de O Quinze, de Rachel de Queiroz

Imagine-se passando pela 72ª estiagem. Não a primeira, nem a décima, mas a septuagésima segunda, quando durante longo tempo não cai do céu uma única gota de água. Raquel de Queiroz imaginou-se em uma seca, em “O Quinze”. Escreveu em 1930 sobre os problemas de seus conterrâneos com bastante conhecimento de causa, já que seus familiares tiveram que sair do Ceará por conta de terrível seca.

Vidas Secas, o filme

Por gentileza, atentem para os números. Raquel escreveu em 1930, sobre 1915. No cinema, 30 anos depois, precisamente em 1963, o cineasta Nelson Pereira dos Santos legou-os um clássico, estrelado por Átila Iório e Maria Ribeiro: “Vidas Secas”. O filme, premiadíssimo, foi baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos, também escrito na década de 1930, publicado em 1938.

Vou insistir nas datas, para enfatizar o quanto já foi dito, denunciado, refletido sobre os problemas do semiárido, sem que tenham surgido programas eficientes para solucionar a vida na região. Candido Portinari fez “Os retirantes” em 1944. O artista paulista pintou uma série de telas tornando o horrendo belo. Fome, miséria e morte expostas em museus distantes da região e das soluções possíveis para os habitantes do semiárido.

O horrendo tornado belo nos Retirantes, de Portinari.

Seca e fome também é tema em “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto publicado em 1955. Um sucesso literário grandioso, tão grande quanto no teatro, direção de Silnei Siqueira, musicado por Chico Buarque de Holanda, em 1965. Não bastasse, ainda veio a minissérie televisiva, na década de 1980.

É irônico constatar que, além de políticos e coronéis, também os artistas faturam alto com a seca. Só o pequeno dono de terra, o sertanejo é quem realmente sofre. Uma grande maioria saiu buscando vida melhor. Os fenômenos migratórios já foram calamidade, fazendo crescer os cinturões de miséria das grandes metrópoles. Maria Bethânia ficou nacionalmente conhecida cantando “Carcará” e dizendo números assombrosos entre um verso e outro da música de João do Vale e José Candido:

…Carcará é malvado, é valentão

É a águia de lá do meu sertão

Os burrego novinho num pode andá

Ele puxa no bico inté matá

1950. Mais de dois milhões de nordestinos viviam fora de seus Estados natais. 10% da população do Ceará emigrou; 13% do Piauí;15% da Bahia; 17% de Alagoas!

Carcará…

Emoção e tristeza em forma de música: Asa Branca, do Rei do Baião

O “Carcará” e a “Asa Branca” voaram longe. Luis Gonzaga cantou sua música, feita em parceria com Humberto Teixeira, emocionando várias gerações. A gravação original é de 1947. E para citar dois outros grandes artistas nordestinos, lembro “Seara Vermelha”, de Jorge Amado, publicado em 1946, que já foi traduzido para 26 outros idiomas. Junto com o escritor baiano, concluo com as figuras de Mestre Vitalino (Vitalino Pereira da Silva) que abriram as imagens deste post. Trabalho modelado em barro, com delicadeza e sensibilidade, evidenciando diferentes aspectos da vida do nosso povo, inclusive os retirantes…

Bela herança artística; pequenos exemplos dessa imensa herança. Todavia, uma triste realidade que teima em persistir. Será que teremos soluções encaminhadas antes da 73ª estiagem?

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Até mais!

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