Muitas Chiquinhas para o Brasil!

Chiquinha Gonzaga, com 29 anos (divulgação)

Começar 2022, buscar novas possibilidades, trilhar outros caminhos, abrir alas… “Ó, abre alas que eu quero passar”. A ideia comum do ano enquanto criança entrando mundo afora, um planetinha danado de complicado para qualquer adulto e o 2022, engatinhando, carece de enfrentar presságios, previsões, profecias. A maioria dessas é um papo de otário, disse Caetano Veloso… “Ó, abre alas que eu quero passar”!

Da marchinha e do réveillon divaguei para a autora, Chiquinha Gonzaga, que conheci primeiramente via teatro, com Regina Braga fazendo a própria. Compositora, pianista, maestrina, Chiquinha Gonzaga foi uma mulher porreta e, certamente, sofreu muito por conta do caminho que resolveu traçar. Atualíssima, essa Chiquinha.

Vamos brincar de faz de conta e transitar com Francisca Hedwiges de Lima Neves Gonzaga por esse 2022. O nome é pomposo e digno de dicionário. Ops! No Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, Dona Francisca encontraria motivos para uma boa luta. A publicação informa que ela é “filha da mulata e mãe solteira Rosa Maria de Lima”. Como assim, “mulata”, “mãe solteira”? Tome tento, Sr. Cravo Albin!

O pai reconheceu a filha, colocou a menina para estudar piano e a obrigou a se casar aos 16 anos com um sujeito mais velho… Quantas mulheres ainda nessas condições, casando-se por decisão da família? Quando a jovem Chiquinha deu fim no casório foi deserdada, impedida de ver os filhos menores, dada como morta para esses e, mais, foi proibida de ver a própria mãe.

Chiquinha passou a dar aulas de música. Professoras, sabemos bem, carecem de trabalhar muito para garantir sobrevivência. Atenção, estamos falando do século XIX! Um bom número delas arranjam outras formas de ampliar ganhos. E foi assim que o teatro entrou na vida da compositora, que já tocava em bailes e festas.

Teresa Cristina, em suas lives, a cantora diz sempre do machismo nas escolas de samba, dificultando a vida de compositoras. Chiquinha, que chegou a comprar a alforria de um escravizado, lutando bravamente pela abolição da escravatura e pelo advento da República, estaria liderando alguma boa luta por aqui. Mais outra batalha, dessa vez por direitos trabalhistas: foi uma das fundadoras da SBAT, a Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais.

Chiquinha Gonzaga com 78 anos

Dos fatos mais interessantes sobre Chiquinha Gonzaga é sua busca pelo amor. Provavelmente também pelo prazer (não me venham apenas com o amorzinho romântico do tipo Augusto e Carolina, casal do “A Moreninha”). Ainda hoje metem bronca em mulheres que assumem relacionamentos com homens mais novos. Imaginem Dona Chiquinha, com 52 anos, apaixonada por um gajo de 16? Foram felizes! O rapaz permaneceu ao lado da compositora até quando, aos 87 anos, ela faleceu.

Bom pensar em Chiquinha Gonzaga como personagem para começar um novo ano. Libertária, sem preconceitos, engajada, emponderada, politizada, uma artista na melhor acepção da palavra.

Entre as primeiras notícias de 2022, li sobre um feminicídio em São Vicente (mais um!) e sobre um tal “quaquá” (Imbecil!) dizendo ser Dilma Rousseff irrelevante na política brasileira. O Brasil não mudou quase nada e, por isso, precisamos de milhares, milhões de Chiquinhas para melhorar o ano, o país, a vida, os homens.

Salve, Chiquinha Gonzaga!

Fonte das imagens: https://chiquinhagonzaga.com/wp/