CANTOS E CONTOS DO RIO PARAÍBA DO SUL

Após levar montagens com textos que abordam a história e as características de cada cidade o Projeto Arte na Comunidade volta aos mesmos locais com um segundo texto. “Cantos e contos do Rio Paraíba do Sul” é a montagem, como o próprio título indica, sobre a região visitada e o mesmo texto foi apresentado nas cidades contempladas pelo projeto.

Conrado Sardinha, Luciana Fonseca e Rodolfo Oliveira voltaram a Cruzeiro, Lavrinhas e Queluz, onde verificaram os resultados da primeira visita (Quando solicitaram dos alunos narrativas próprias sobre as cidades) e também convidaram os mesmos para o encerramento, ocorrido em locais públicos de cada município.

“Cantos e Contos do Rio Paraíba do Sul” resgata lendas, fatos históricos e culturais da região, além de alertar para a necessidade da preservação ambiental. Escrito e dirigido por Valdo Resende, a direção musical é de Flávio Monteiro e os figurinos de Carol Badra.

Idealizado por Sonia Kavantan, o Arte na Comunidade 4 foi patrocinado pela Alupar, Taesa e apoiado pelas Usinas Queluz e Lavrinhas. Uma realização da Kavantan & Associados, Ministério da Cultura e Governo Federal.

Havendo interesse em reproduzir o texto ou interpretá-lo, é necessária a citação do motivo pelo qual o texto foi escrito e a autoria do mesmo.

CANTOS E CONTOS DO RIO PARAÍBA DO SUL

Original de Valdo Resende

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Luciana Fonseca e, acima, Rodolfo Oliveira e Conrado Sardinha. Foto: Atelier da Fotografia

(CARACTERIZADO BASICAMENTE TAL QUAL NA APRESENTAÇÃO ANTERIOR O ATOR ENTRA CANTANDO A MÚSICA DE ABERTURA; CAMINHANDO POR ENTRE O PÚBLICO DEVERÁ SEMPRE QUE POSSÍVEL RESGATAR ELEMENTOS DA PRIMEIRA APRESENTAÇÃO).

Vamos brincar de teatro…

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Luciana Fonseca e a letra da música de abertura. Foto: Atelier da Fotografia

Meus amigos: Voltei! Que bom estar novamente com vocês. Fazer teatro na própria cidade para os parentes, os amigos, os conhecidos é muito bom. Eu andei por toda a cidade, em várias escolas. Vou repetir meu nome; gosto que guardem o meu nome. Sou… (ADRIANO, CHICO ou PEDRO) e desta vez estou de volta para contar outros fatos, outros contos e cantos, agora da nossa região. Vamos brincar de teatro e o tema da nossa apresentação é o Vale do Paraíba, a Serra da Mantiqueira, as outras cidades do Vale. Vai ser muito legal. Vamos nessa? Quem já aprendeu a canção pode cantar comigo:

(CANTA APENAS O REFRÃO)

Vamos brincar de teatro…

Eu já andei muito por aí, nesse mundão de Deus. Fazendo peças de teatro, escrevendo e recitando meus versos. Vi muitos lugares bonitos, cidades encantadoras, regiões inteiras de uma beleza intensa, exuberante. Viajei pelo planalto, pela caatinga, pelo serrado, por florestas fechadas… Conheci as chapadas de Minas Gerais, o pantanal de Mato Grosso, nossas praias de norte a sul! Mas, nada supera o meu vale. O nosso Vale do Paraíba! É bem verdade que minha opinião é tendenciosa; como dizem por aí, cada um puxa a sardinha para a sua lata, não é mesmo? Mas, como não gostar daqui?

Eu sempre gostei de contar as histórias da nossa cidade e da nossa terra. Sempre que me perguntavam: – Onde fica a sua cidade? E pra fazer mistério, para acentuar a magia da nossa região eu respondia: – Sou das terras da A-man-ti-kir! Ninguém entendia nada e eu completava: A-man-ti-kir, a serra que chora. E escolhi contar tudo através do teatro. Em teatro, já sabem, não é, a gente pode ser tudo o que quiser!

(VINHETA. O ATOR CONTARÁ A LENDA DA MANTIQUEIRA INTERPRETANDO VOCALMENTE TODAS AS PERSONAGENS. CHAMARÁ QUATRO CRIANÇAS E ENTREGARÁ, A CADA UMA, ADEREÇOS MÍNIMOS PARA CARACTERIZAR AS PERSONAGENS. O ATOR DISTRIBUIRÁ AS QUATRO CRIANÇAS PELO PALCO, FACILITANDO O ENTENDIMENTO DO PÚBLICO).

Para contar a história da A-man-ti-kir, vou precisar de quatro crianças. Dois meninos e duas meninas. Quem quer brincar comigo?  (APÓS ESCOLHER AS CRIANÇAS). Bom, fiquem atentos, cada um aqui é um personagem e eu vou contar a história e vocês ilustrarão, com o corpo e as expressões de vocês. Vamos começar.

(ENTREGANDO ADEREÇOS PARA CADA CRIANÇA)

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Conrado Sardinha prepara criança para brincar de teatro. Foto: Atelier da Fotografia

(UM PEQUENO COCAR PARA UMA MENINA) – Você é uma indiazinha. (PARA A PLATEIA). Guardaram? Ela é uma índia da tribo tupi.

(UMA TESTEIRA DOURADA PARA UM GAROTO) – Você será o sol. O nosso rei dos astros. Um sol brilhante e forte!

(UMA TESTEIRA BRANCA PARA UMA MENINA) – Você será a Lua! Nosso satélite que enfeita o céu deixando-o claro, bonito.

(UM PEQUENO COCAR VERMELHO PARA UM MENINO) – E você, com esse cocar vermelho, será Tupã, o Deus poderoso dos índios. Deus tupã!

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“O sol” observa “Tupã” sob o comando de Rodolfo Oliveira. Foto: Atelier da Fotografia

Agora, vamos começar a história. (APROXIMA-SE DE CADA CRIANÇA, NA MEDIDA EM QUE CRIA AS VOZES DE CADA PERSONAGEM. O TOM DA CENA DEVE SER FARSESCO, ACENTUANDO A BRINCADEIRA DO FAZER TEATRAL. O ATOR, SEMPRE QUE POSSÍVEL, ORIENTARÁ AS REAÇÕES E EXPRESSÕES DE CADA CRIANÇA).

ÍNDIA – Olá! Eu sou uma indiazinha tupi. Sou muito linda e gosto de brincar com as flores e com os pássaros. Ultimamente tenho ficado um pouco triste. É que estou apaixonada. Muito apaixonada. Super apaixonada! #apaixonada!

(O ATOR VOLTA A SER ELE MESMO ENQUANTO CAMINHA PARA O SOL)

ATOR – #apaixonada! Será que essa indiazinha tem whatsApp? Eu, hein. Vai saber, não é? Vamos ao outro personagem, o sol!

SOL – Olhem para mim! Vejam como sou… Amarelo como o ouro, gostoso como o amarelo mel! Todos admiram minha grandeza e ficam amarelados perante minha força. Meus raios são amarelos fantásticos!

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Conrado Sardinha orienta criança que faz “o sol”. Foto: Atelier da Fotografia.

ATOR – (VOLTANDO PARA A ÍNDIA) Esse sol é modesto como ele só!

INDIA – Oh, como sou infeliz! Oh, de que me adianta ter os cabelos negros lindos, boca carnuda linda se o sol, por quem estou apaixonada, nem me enxerga. Oh! Estou apaixonada pelo sol e ele nem me percebe, não sabe que eu existo. Oh, mundo cruel!

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Conrado Sardinha observa menina que faz “a lua”. Foto: Atelier da Fotografia.

ATOR – Coitadinha! A menina passava horas e horas olhando para cima e nada de o sol percebê-la! Que bobo! Uma indiazinha tão linda! Acontece que, um dia – sempre tem um dia nessas histórias – o sol percebeu a menina e… Ficou ligado na garota! Enfeitiçado pela doce indiazinha. Ficou tão apaixonado que resolveu não sair mais do alto do céu, só pra permanecer olhando a menina. Imaginem! O sol, parado no centro do céu, lá de cima namorando a menina! Os outros índios da aldeia, os animais, os seres todos não entendiam a falta da noite? Onde a noite tinha ido parar? Acontece que mais alguém estava apaixonada pelo sol! A lua! (APROXIMA-SE DA CRIANÇA QUE FAZ A LUA).

LUA – Ai que ódio! Que ódio, que ódio, que ódio! Esse solzinho ousa me desprezar! E pior, me trocou por essa indiazinha borocoxô.

ATOR (QUEBRANDO A CENA). Borocoxô? Que palavra antiga, dona lua! Assim a senhora entrega a sua idade. Ninguém mais por aqui sabe o que é borocoxô (VOLTA RAPIDAMENTE PARA A MENINA QUE FAZ A LUA).

LUA – Indiazinha chata foi o que eu quis dizer. E agora tenho que ficar aqui, no canto, porque o sol bobão não sai do alto do céu. Vou reclamar para Tupã, eles vão ver o que é bom pra tosse! (APROXIMANDO-SE DO MENINO QUE FAZ TUPÃ). Tupã, vê se pode, ele fica lá no céu, aquela indiazinha na terra, um chove não molha, e acabaram-se as noites, todas as noites! Como os animais vão descansar? Como as pessoas poderão dormir? Está tudo secando. Esturricando de tanto sol! Ah, eu tentei falar com ele e ele disse que nem Tupã, nem você, Tupã, tira ele de lá!

ATOR – Luazinha ciumenta. Venenosa. Tupã não deixou por menos.

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Um “tupã” feliz ao lado de Rodolfo Oliveira. Foto: Atelier da Fotografia

TUPÃ – Acordem nuvens negras! Acordem raios enraivecidos! Escureçam todo o céu. Tirem o sol para lá! Vou criar, com minhas mãos de Deus, a montanha mais alta que já existiu! Apareça! Grande montanha! Enorme, imensa!E vou colocar essa indiazinha lá dentro, longe dos olhos do sol. E resolvo essa situação.

ATOR – (REUNE AS QUATRO CRIANÇAS PERTO DE SI) Pobre indiazinha! O que poderia fazer contra Tupã, a Lua? Lá, dentro da imensa serra criada por Tupã só fazia chorar. Chorou tanto, mais tanto, que suas lágrimas alcançaram o topo da serra e desceram, formando rios e mais rios por todo o vale. Foi assim que surgiu A-man-ti-kir, a serra que chora. A-man-ti-kir, que todos chamamos Mantiqueira! E assim termina nossa história. Palmas para nossos atores! (AGRADECE AS CRIANÇAS, CONDUZINDO-AS DE VOLTA A SEUS LUGARES).

Linda a lenda de como surgiu a Serra da Mantiqueira, vocês não acham? Nas minhas apresentações teatrais essa lenda interessa a todos, pois todos ficam encantados com a grandiosidade e beleza da nossa Mantiqueira.

Vocês sabiam que a Mantiqueira tem 500 quilômetros de extensão? E que dos dez pontos mais altos do Brasil, quatro estão aqui, na nossa serra? Todavia, esses números todos que dizem respeito ao complexo imenso da Mantiqueira não são mais importantes que um único pôr de sol. Nós, que somos daqui, somos presenteados constantemente com imagens mágicas, fantásticas, o melhor show que a natureza pode oferecer.

Eu já estive lá em cima, à noite, acampando em noite de lua cheia. O nosso vale é tão lindo e as nossas cidades, iluminadas, parecem o céu na terra, cheio de estrelas reunidas em grupos, cada grupo indicando uma localidade. Cruzeiro, Lavrinhas, Queluz, Lorena, Aparecida, Taubaté…

Uma noite de lua muito clara, lá de cima, todos nós conseguíamos ver o Rio Paraíba, serpenteando pelo Vale. Nosso belo rio Paraíba do Sul não nasce na Serra da Mantiqueira; ele vem de outro lado, a Serra da Bocaina que, por sua vez, é parte da Serra do Mar. Para que os colonizadores chegassem até aqui tiveram que subir a Serra do Mar e para irem atrás do ouro, em Minas Gerais, tiveram que atravessar a Mantiqueira. Nosso Vale do Paraíba ali, entre duas serras.

A história do Vale do Paraíba ganha dimensão mundial, mundial mesmo, no período em que o Brasil não só exportava café para o mundo todo; nosso país era o maior produtor de café e as primeiras fazendas mais importantes estavam aqui, no Vale do Paraíba. O nosso ouro, a nossa riqueza veio primeiramente do café.

(CANTA A CANTIGA “O CAFÉ”)

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Cantiga de roda e também de trabalho: “O Café” foi um dos resgates do Arte na Comunidade.

Uma reviravolta mundial ocorreu em 1929, quando a bolsa de valores de Nova York caiu, fazendo cair os preços das mercadorias em praticamente todo o mundo. O café, que valia ouro, passou a valer muito pouco e como tínhamos grandes estoques tivemos que queimar o café que não conseguimos vender. Muitos fazendeiros ficaram arruinados, mas logo em seguida se levantaram, extraindo madeira das encostas da serra, cultivando cana de açúcar e, depois, com o passar dos anos, valorizaram a pecuária leiteira, da qual fomos grandes produtores. Café, madeira, cana, leite! É muita riqueza!

Se a gente prestar atenção vai perceber que toda a riqueza da nossa região está ligada aos nossos rios. Todo o nosso vale é amplamente irrigado por água doce.

Podemos dizer que a vida das pessoas, habitantes do Vale do Paraíba, está intimamente ligada aos rios, cachoeiras, córregos; há histórias, muitas histórias envolvendo nossa gente e os rios. Há verdadeiras, aquelas que estão registradas nos livros e na lembrança das pessoas e há também outras, que aconteceram no imaginário de alguns criadores que, contando fábulas e lendas para os filhos, netos, amigos, enriqueceram a imaginação de todos.

É daqui, do Vale do Paraíba, que as histórias do Saci, do Caipora e da Cuca, entre muitos outros seres, saíram para ganhar páginas de livros, as telas do cinema e da televisão (PEGA O LIVRO CONTOS E LENDAS DE UM VALE ENCANTADO, DE RICARDO AZEVEDO). Algumas estão aqui, neste livro. Histórias contadas pelas avós, pelos tios, que foram recolhidas por um autor legal, o Ricardo Azevedo. Eu gosto muito da história que ele chama de Sopa de Malandro.

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Conrado Sardinha exibe o livro de Ricardo Azevedo. Foto: Atelier da Fotografia

Essa história é do tempo quem que Pedro Malazarte, um caboclo esperto andava por todo lado. Ele gostava de correr mundo e um dia veio passear por aqui, no Vale do Paraíba. Subiu um pouco da serra, cansou, voltou, atravessou rios, córregos, boa parte do vale e, claro, teve uma hora que sentiu muita fome. Mas, muita fome mesmo! Sabe aquela fome que parece que está destruindo a barriga da gente? Pois então, quando Pedro passou por uma casa, em uma das tantas fazendas por aqui, sentiu cheiro de comida… Esperem! Vou interpretar os dois; o Pedro e a dona de casa. Foi mais ou menos assim:

(VINHETA. O ATOR PREPARA-SE PARA INTERPRETAR PEDRO MALAZARTE E UMA COZINHEIRA DO VALE. UM CHAPEU PARA PEDRO E UM LEQUE PARA A DONA DE CASA SÃO OS ELEMENTOS MÍNIMOS SUGERIDOS).

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Duas personagens e um ator. O Projeto priorizou o jogo teatral. Foto: Atelier da Fotografia

PEDRO – Ai, que fome! Como é duro caminhar quando a gente tem fome. Esperem, mas que cheiro de comida é esse? Hum; que delícia! Não resisto, vou pedir um pouquinho dessa comida.

ATOR – Pedro bateu palmas (FAZ A AÇÃO) e apareceu uma mulher, com cara de poucos amigos. (FAZ UM PEQUENO JOGO, SIMULANDO OS DOIS PERSONAGENS)

MULHER – O que o senhor quer?

PEDRO – Boa tarde, Dona. Andei a manhã inteira, a tarde toda, venho de longe e não tenho nada para comer. Estou com tanta fome! A senhora poderia me arranjar um pouquinho de comida?

ATOR – E a mulher, com cara de deboche e de poucos amigos respondeu:

MULHER – Moço, não tenho comida. Aliás, eu nem vou jantar. Outro dia, quem sabe!

ATOR – O cheiro de comida que se espalhava pelo ar dizia que a mulher era mentirosa. Pedro fingiu acreditar e, de repente, teve uma ideia. Vejam o que ele fez!

PEDRO – Tudo bem, dona. Não faz mal. Eu dou um jeito. Já que a senhora não pode me dar comida eu vou preparar uma sopa de pedra.

MULHER – Sopa de quê?

PEDRO – Sopa de pedra! A senhora nunca experimentou? É uma das melhores sopas que tem. Aprendi com minha mãe. A mãe da senhora não ensinou como fazer sopa de Pedra? É melhor que sopa de batata, cenoura, sopa de feijão, de milho.

MULHER – Nunca ouvi falar.

PEDRO – Se a senhora me emprestar um tacho, eu faço a sopa pra matar a minha fome e, ao mesmo tempo ensino-a como fazer uma deliciosa sopa de pedra.

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As versões de Luciana Fonseca e Rodolfo Oliveira  para o Pedro Malazarte.

ATOR – Já ouviram dizer que a curiosidade matou um burro? Pois então; e não é que a mulher emprestou um tacho para o Pedro? Ele, espertíssimo, arrumou alguns gravetos, fez uma fogueira, encheu o tacho de água e colocou pra ferver, enquanto saiu por ali, bem em frente à mulher, escolhendo as pedras para a tal sopa.

PEDRO – (PEGANDO SUPOSTAS PEDRAS) Hum; essa pedra é boa. Substanciosa! Essa aqui também; essa, não. É dura demais. Nossa; essa é das mais gostosas que tem. E essa daqui? Delícia!

ATOR – A mulher olhando e Pedro catando pedras. Limpou todas e já foi jogando dentro do tacho. Quando a água começou a ferver ele, com a voz mais macia do mundo, pediu:

PEDRO – Não daria pra senhora me arrumar uma colher e um tantinho assim de manteiga? Por obséquio!

ATOR – A mulher atendeu arrumando a colher e a manteiga, curiosa para ver como era a tal sopa. Pedro começou a mexer a sopa e voltou a pedir, com a mesma voz macia.

PEDRO – E um tiquinho de sal, tem?

ATOR – A mulher atendeu e o Pedro emendou:

PEDRO – E um pouquinho de cheiro-verde? E uma rodelinha de cebola? Uma batatinha e um chuchu, tem? Essa sopa vai ficar muito boa!

ATOR – E a mulher, só indo buscar coisa por coisa que o Pedro pedia. O cheiro começou a ficar bom e foi então que Pedro fez o pedido final:

PEDRO – Por favor, a senhora não tem um pedacinho de linguiça e um punhadinho de arroz? É só pra dar gosto.

ATOR – A mulher voltou com a linguiça e o arroz. Pedro terminou de fazer a sopa e ainda pediu um prato e uma colher para a mulher que, ali, curiosa, viu ele tomar toda a sopa. E lá se foi o cheiro-verde, a cebola, a batata, o chuchu, a linguiça e o arroz. A mulher até sentiu vontade de tomar um pouco da sopa, mas Pedro tomou tudo, deixando as pedras no fundo da panela. Só as pedras. A mulher, olhando aquilo e já se sentindo otária perguntou:

MULHER – Mas… e as pedras?

ATOR – Pedro pegou as pedras, guardando-as no bolso e se despediu, rindo da cara da mulher.

PEDRO – Vou levar as pedrinhas comigo, para a próxima sopa! Tchau! (CORRE EM VOLTA DO PALCO, COMO SE FUGINDO DA MULHER)

ATOR – Não adiantou nada ser ruim e não dar comida para o Pedro. Ele, esperto, levou a melhor! Há muitas outras histórias aqui e em outros livros do Ricardo Azevedo. Este livro chama “Contos e Lendas de um Vale Encantado”, o nosso vale do Paraíba. A gente pode ler as histórias e contá-las para outros, brincando de fazer teatro, como fizemos agora. Mas, não são só lendas que tem aqui. Há ditados populares da região, quadrinhas, receitas, crendices e adivinhas. Quer saber, vamos brincar de adivinhas?

Vou convidar algumas crianças para brincar de adivinha!

(O ATOR CONVIDA CRIANÇAS, COLOCANDO-AS AOS PARES PARA TENTAR ADIVINHAR AS RESPOSTAS DAS PROPOSIÇÕES. UMA PRANCHETA E LÁPIS OU CANETA SERÃO OFERECIDOS PARA QUE AS CRIANÇAS REGISTREM AS RESPOSTAS. O ATOR DIRÁ A ADIVINHA, REPETIRÁ A MESMA E DARÁ TEMPO PARA AS RESPOSTAS).

ATOR – Prestem bastante atenção que esta é fácil. Vamos lá. Ninguém fala a resposta, anota no papel pra que a gente veja quem adivinhou. Não vale assoprar. Lá vai:

O que é; o que é?

Luiz tem na frente

Miguel tem atrás

Solteiro tem no meio

E casado não tem mais?

(O ATOR REPETE A ADIVINHA E ESTABELECE O TEMPO PARA A RESPOSTA. APÓS UM TEMPO MÍNIMO DÁ A RESPOSTA E INICIA A PRÓXIMA ADIVINHA).

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A adivinha estimula a memória e a interpretação de texto. Foto: Atelier da Fotografia

ATOR – Muito bem, agora vamos para a segunda adivinha. Muita calma, atenção e vamos adivinhar. Não se esqueçam, não é pra falar, é para escrever a resposta.

O que é; o que é?

É verde, mas não é planta,

Não é bule, mas tem bico.

Conversa, mas não é gente,

Vergonha não tem um tico?

ATOR – Palmas para quem acertou! Agora, a última adivinha! Vamos ouvir, adivinhar e anotar a resposta. Atenção! Essa adivinha é das boas!

O que é; o que é?

É ave, mas não tem bico.

É ave, mas ninguém caça.

É ave sem asa e sem pena.

É ave cheia de graça.

(O ATOR DÁ A RESPOSTA, PEDE APLAUSOS PARA OS PARTICIPANTES, AGRADECE E CONDUZ AS CRIANÇAS A SEUS LUGARES).

ATOR – Ave-maria! Maria, a Aparecida. Nossa região ficou muito famosa por conta da aparição da imagem de Maria no Rio Paraíba. A mãe do Cristo não só teria aparecido, mas também feito vários milagres. O Vale do Paraíba abriga todas as religiões, mas é impossível negar a importância de Aparecida no cenário católico nacional.

Todo mundo sabe ou ouviu falar de como a imagem apareceu. Um fidalgo português com fome, exigindo comida e a saída foi pescar para atender o homem. Três pescadores encontraram a santa ao jogarem a rede para pescar. Acharam o corpo, sem cabeça, em seguida pescaram a cabeça da imagem e por fim, conseguiram pescar muitos peixes. Ok! Acharam a imagem dentro do rio. Mas, cá pra nós, quem foi que jogou a santa dentro do Paraíba?

Quem foi que jogou a santa dentro do Paraíba?

Diz a lenda, e aí, é lenda, que no tempo de antigamente apareceu uma gigantesca e monstruosa cobra no rio Paraíba. Era tão grande, mas tão grande, que quando a cabeça estava em Queluz, o rabo ainda estava em Cruzeiro! Dizem que ela devorou muitos pescadores e que fez buracos imensos, pra se esconder, em toda a extensão do rio. O povo tinha medo que as cidades despencassem, caindo nos buracos feitos pela cobra gigante e vivia assustado pelas constantes mortes de pescadores. O buraco feito pela cobra ia longe, tão fundo, que diziam que chegava até ao inferno. Um terror! Até que um dia, o povo resolveu pedir ajuda à santa:

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Rodolfo Oliveira diz versos inspirados em Ariano Suassuna. Foto: Atelier da Fotografia.

Valei-nos, Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré!

Não há bode, não há cobra, ninguém que pode com a fé,

Afaste do rio essa cobra, mande-a pra onde puder,

Valei-nos, Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré.

E jogaram a imagem no rio, bem na frente da cara da cobra. É, foi isso sim. A imagem foi boiando rio abaixo e a cobra foi seguindo, seguindo, até desaparecer pra nunca mais voltar. O monstro foi embora e a imagem acabou se partindo nas pedras do Paraíba, indo para o fundo, só sendo encontrada muito tempo depois. Como diz Chicó, aquele amigo de João Grilo, que por sua vez é amigo da Compadecida, tudo gente do Ariano Suassuna: “- eu não sei, só sei que foi assim”!

Esse tempo de santos e lendas, de índios e colonizadores ficou na história, lá longe. O Vale do Paraíba, como todo bom lugar, foi se transformando com o crescimento do país, com a chegada das grandes empresas, grandes indústrias que favoreceram o crescimento das cidades mudando tudo por aqui. Só aqui, no Estado de São Paulo, são 39 municípios sediados no Vale do Paraíba. Alguns se tornaram grandes metrópoles, mudando totalmente a economia da região.

Outro dia estava olhando e descobri que temos, em todo o Vale, mais de dois milhões e duzentos mil habitantes! Mais de dois milhões! É gente demais, não é? Gente que precisa trabalhar, que precisa de energia elétrica pra manter usinas siderúrgicas, a indústria aeronáutica, indústria bélica além, é claro, da agropecuária. Uau! Muita coisa!

Quando há muita coisa os problemas aparecem. Por isso devemos estar sempre atentos para garantir a qualidade de vida do nosso vale. Quando visitei as escolas, quando estive aqui, ensinei origami para algumas crianças.

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Luciana Fonseca com o origami, feito junto com os alunos de cada cidade.

Fizemos um peixe, lembram-se? Para quem não se lembra, ou para quem não sabe, a ideia é fazer um peixe com dobradura, a arte do origami e, com isso, alertar as pessoas para que não sujem nossos rios. Vamos fazer o peixe? Vou ensinar a vocês.

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Momento de fazer origami para lembrar de preservar o rio.

(APÓS FAZER O PEIXE, PROSSEGUE) Desta vez, além de fazer o peixe – sim, porque essa é uma campanha que devemos manter, sempre! – vou cantar pra vocês uma música! Mas, eu gostaria de não cantar sozinho. Quero algumas crianças que façam o coro, cantando junto comigo. Quem gosta de cantar? Quem vem cantar comigo?

(O ATOR DEVE ESCOLHER UM MÍNIMO DE CINCO CRIANÇAS, NO MÁXIMO DEZ, EVITANDO ENCHER DEMAIS O ESPAÇO CÊNICO. DEVE ENSINAR O REFRÃO E, SEMPRE QUE POSSÍVEL, UMA COREOGRAFIA BÁSICA).

ATOR – Atenção que primeiro vamos aprender o refrão:

Limpe a água

Limpe o rio

Piraquara quer pescar!

ATOR – Piraquara é o pescador, o homem do campo que vive da pesca. Vamos lá, de novo, vamos aprender a cantar e a dançar, vamos fazer um som legal.

Limpe a água

Limpe o rio

Piraquara quer pescar!

ATOR – E agora que estamos com o refrão na ponta da língua vou fazer o meu som, que lembra muitos peixes de água doce e alguns dos principais rios do nosso país. Vamos lá!

(A MÚSICA DEVE SER ACOMPANHADA, NO MÍNIMO, POR PALMAS FAZENDO O RITMO E DANDO ANDAMENTO APROPRIADO. O REFRÃO É DITO PRIMEIRAMENTE PELO ATOR QUE, NO BIS, PEDE O ACOMPANHAMENTO DAS CRIANÇAS).

Cadê tilápia, traíra?

Onde tem tucunaré?

Piabuçu nunca vi!

Nem jundiá, nem mandi!

Limpe a água, limpe o rio

Piraquara quer pescar

Pra onde foi surubim?

Piau-palhaço vai voltar?

Não vejo mais lambari

Piabanha onde é que tá?

Limpe a água limpe o rio

Piraquara quer pescar

Bagre-guri tem ali?

Ximboré, curimbatá?

Corvina do outro lado?

Dourado veio pra ficar!?

Limpe a água limpe o rio

Piraquara quer pescar

Paraíba, Rio Doce,

Amazonas, Paraná

São Francisco, Beberibe,

Araguaia, Japurá,

Rio Madeira, Tietê,

Rio Purus, Juruá,

Tocantins, Solimões,

Brasileiro quer pescar!

Limpe a água limpe o rio

Brasileiro quer pescar (REPETE DUAS VEZES)

(O ATOR AGRADECE E CONDUZ AS CRIANÇAS A SEUS LUGARES, PREPARANDO-SE PARA ENCERRAR A APRESENTAÇÃO)

ATOR – Cantar é bom, porque dá um clima de festa. E essa festa é válida para que nós fiquemos atentos para as coisas do nosso Vale do Paraíba. Para os problemas, buscaremos soluções e para tudo o que há de bom por aqui vamos preservar e celebrar, meus amigos…

(CONFORME A CIDADE, O RESPECTIVO ATOR DIZ OS VERSOS ABAIXO)

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Luciana Fonseca esteve em Queluz

Violeta é meu nome!

Sendo pobre nunca passei fome,

Pois nasci em belo vale

Onde aprendi a pescar,

A carpir, fabricar!

Senhores, sou de Queluz

Devo me despedir,

Agora vou terminar.

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Além de Lavrinhas, Rodolfo Oliveira também foi Pedro Menestrel, em algumas escolas de Cruzeiro

Adriano, este é o meu nome,

Sendo pobre, nunca passei fome,

Pois nasci em belo vale

Onde aprendi a pescar

A carpir, fabricar!

Senhores, nascido em Lavrinhas!

Devo me despedir,

Agora vou terminar.

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Conrado Sardinha apresentou-se em Cruzeiro.

Pedro Menestrel é meu nome

Sendo pobre, nunca passei fome,

Pois nasci em belo vale

Onde aprendi a pescar

A carpir, fabricar!

Senhores, nascido em Cruzeiro!

Devo me despedir,

Agora vou terminar.

(APÓS OS VERSOS O ATOR DESPEDE-SE CANTANDO)

E agora, quem se lembrar da canção que cante comigo:

(CANTA A MUSICA DE DESPEDIDA)

Vamos brincar de teatro

Vamos brincar de ser…

Tchau, pessoal! Adeus! Até a próxima!

Valdo Resende/2016

O VIAJANTE DO EMBAÚ

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Conrado Sardinha é O Viajante do Embaú. Foto divulgação/Atelier da Fotografia

“O Viajante do Embaú” é parte do Projeto Arte Na Comunidade 4 realizado em três cidades do Vale do Paraíba. O texto foi apresentado na cidade de Cruzeiro – SP, onde duas montagens foram levadas em dezenas de escolas do município: uma interpretada por Conrado Sardinha, que é o ator que ilustra as fotos deste post, e a outra montagem com Rodolfo Oliveira (que ilustrará a montagem apresentada em Lavrinhas).

Neste blog serão publicados todos os  textos das duas fases do Arte na Comunidade 4. Havendo interesse em reproduzir o texto ou interpretá-lo, pedimos a citação da origem.  “O Viajante do Embaú” foi escrito e dirigido por Valdo Resende. As músicas são de Flávio Monteiro. Idealizado por Sonia Kavantan o Arte na Comunidade 4 foi patrocinado pela Alupar e Taesa e também apoiado pelas Usinas Queluz e Lavrinhas. Uma realização da Kavantan & Associados, Ministério da Cultura e Governo Federal.

O VIAJANTE DO EMBAÚ

ORIGINAL DE VALDO RESENDE

(CARACTERIZADO COMO UM MENESTREL, O ATOR ENTRA CANTANDO A MÚSICA DE ABERTURA E, ANTES DE IR PARA O ESPAÇO CÊNICO PRINCIPAL – PALCO OU SALA DE AULA – BRINCA COM OS PRESENTES. ALÉM DAS CRIANÇAS, DEVE DAR ÊNFASE AO PROFESSOR EM SALA, CUMPRIMENTANDO-O E REVERENCIANDO-O).

Vamos brincar de teatro

Vamos brincar de ser,

Viver muitos personagens

Nessa viagem e assim crescer.

O palco é a rua, a sala,

A praça ou o nosso quintal

A história a gente inventa

Ou conta aquela já bem contada

Que recontada, não tem igual!

(termina de cantar e cumprimenta a plateia)

Meus amigos: Cheguei!

Saudações a todos! Sejam bem-vindos! Espero que estejam bem acomodados. Que lugar bonito esse aqui! Vindo para cá fiquei olhando o rio; imbatível, invencível! O rio corre! E também fiquei olhando a serra. Poderosa! Majestosa! Imponente! Observei as casas, algumas antigas; outras bem novinhas. Sempre que vou para alguma apresentação gosto de olhar bem o lugar, as pessoas… E chegando ao local, como estou chegando aqui, agora, gosto de ver se está tudo certinho, bonitinho e arrumadinho! Só assim posso começar!

(REPETE APENAS A PRIMEIRA PARTE DA MÚSICA)

Vamos brincar de teatro

Vamos brincar de ser,

Viver muitos personagens

Nessa viagem e assim crescer.

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Conrado Sardinha . Foto divulgação/Atelier da Fotografia

Sou daqui, de Cruzeiro. Nasci há bastante tempo em um pequeno sobradinho bem ali, na Rua Carlos Gomes. Meu quarto era no andar superior e da nossa janela eu avistava de um lado a estrada de ferro e do outro, o nosso Rio Paraíba do Sul. Dava para ouvir o barulho dos trens, indo e vindo, indo e vindo, noite e dia sem parar. Eu sabia para que direção o trem estava indo mesmo quando era noite e eu já estava deitado. (FINGE QUE OUVE) Hum, esse trem esta indo para o Rio de Janeiro! Opa, esse outro, vai na direção de São Paulo. Exatamente, para onde vai cada material dentro dos vagões? E os passageiros? Sim, havia trem de passageiros. Para onde iriam  esses viajantes?

A Rua Carlos Gomes termina no Rio Paraíba.  Naquele tempo dava pra nadar, pescar. Meu pai tinha uma pequena canoa e saia com meus tios para pescar. Eu ia com ele e só não gostava quando o barco parava. Eu queria saber onde o rio terminava, onde começava…

Cresci assim, vendo coisas indo e vindo e acho que é por isso que gosto de andar por aí. Gosto de ir pro norte, sul, leste… Todas as direções. Carlos Gomes, eu acho que todos sabem, mas é bom lembrar, foi um grande compositor. Criou óperas admiradas no mundo inteiro! Ópera é uma forma de teatro. Teatro cantado! E acredito mesmo que foi assim que me tornei ator, menestrel itinerante, viajando sempre pra lá e pra cá. Acho que vocês gostariam de saber quem sou, mas vou fazer isso em versos!

(MÚSICA DE FUNDO ENQUANTO O ATOR DECLAMA OS VERSOS APRESENTANDO-SE AO PÚBLICO)

Atenção, todos vocês,

Quem vos fala é um menestrel,

Aquele que trova, poeta,

Não faz versos só de fel.

Desde os tempos de outrora

Pela graça divina

No canto não desafina

Na dança não desatina

Do palco é dono e senhor!

Peço a todos, com respeito,

Prestem atenção: sou um ator!

Pedro Menestrel é meu nome

Sendo pobre, nunca passei fome,

Pois nasci em belo vale

Onde aprendi a pescar

A carpir, fabricar!

Senhores, nascido em Cruzeiro!

Vim aqui me apresentar.

(TERMINA FAZENDO MESURAS E VOLTA A FALAR NORMALMENTE)

Os menestréis surgiram na Idade Média. Menestrel era um músico que acompanhava os poetas, os trovadores, os jograis, os atores. Em alguns casos havia artistas completos que cantavam, compunham versos, tocavam instrumentos… Modéstia a parte, coloco-me entre esses artistas capazes de alegrar as pessoas em prosa e verso, declamando, cantando ou fazendo mímica.

Tive um professor que adorava literatura. Ele nos ensinou que através dos livros poderíamos ir para todos os lugares, perto ou distantes, neste ou em outro país. Eu era mais jovem e ainda não podia viajar sozinho, então resolvi viajar através dos livros. Foi assim que descobri os Menestréis caminhando pelas estradas medievais, apresentando-se em festas profanas, em festas religiosas, nas vilas mais simples e nos palácios mais suntuosos. Cantando e fazendo teatro.

Cresci, estudei teatro e saí pelo mundo e agora estou de volta para contar histórias e brincar com vocês. Fazer teatro é muito bom! É uma brincadeira divertida. Vou chamar algumas crianças para brincar de teatro comigo. Quem quer? (O ATOR CHAMA CRIANÇAS PARA UMA BRINCADEIRA. COM AS CRIANÇAS NO PALCO, DEVE PERGUNTAR NOME E CONVERSAR MINIMANENTE COM CADA CRIANÇA, ANTES DE COLOCÁ-LAS NO CANTO E EXPLICAR O JOGO).

Prestem atenção que, depois, vocês farão comigo. O teatro é algo mágico que nos transforma naquilo que temos vontade. Agora, por exemplo, vou brincar de ser um pequeno gato (CONFORME FALA, ILUSTRA COM GESTOS). Mas não vou ser um gato assim, sem mais nem menos. Para brincar de ser um animal tenho que pensar nesse animal, observar quando for possível para fazer a transformação aos poucos. Gato não tem pernas nem mãos, tem patas. Portanto, esqueço pés e mãos e vou pensando em como um gato anda, como senta, como se deita, como toma leite e assim por diante…  (VOLTA A AGIR COMO SER HUMANO) Gatos comem ratos e ratos vivem na sujeira. Onde tem sujeira, tem rato. Até nos rios, há ratos. Ratos de rio, que vivem no mato são fonte de alimentação para os pássaros? Mas, e se somem os pássaros? Nossos córregos, sujos, ficam cheios de ratos, essa água, contaminada, piora a situação dos nossos rios… (VOLTA A IMITAR UM GATO). Eu sou gato de madame. Não gosto de comer ratos, prefiro ração (FINGE TENSÃO), ai, ai,ai, vem chegando o cachorro da vizinha, eu não gosto de cachorros! Qual gato gosta de cachorros? (LEVANTA-SE IMEDIATAMENTE)

Melhor ser ator que gato enfrentando rato! Sabem de uma coisa, o que eu gosto de teatro é isso. A gente pensa, reflete, imagina e transforma em ação. Vamos brincar! (CHAMA AS CRIANÇAS PARA PERTO DE SI E FAZ AS AÇÕES JUNTO COM AS MESMAS). Vamos lá, façam comigo! Vamos fazer teatro com nossos corpos! Então vamos nos transformar em cachorrinhos. (AS PALAVRAS SÃO ILUSTRADAS PELAS AÇÕES DO ATOR E DAS CRIANÇAS). Vamos nessa? Nosso cachorrinho caminha para um lado, para o outro e, de repente, chega ao lugar onde escondeu um pequeno osso. E começa a escavar, recuperando o delicioso ossinho. Mas, atraído por um assobio, balança o rabo feliz, pois chegou o seu dono. E nosso cachorrinho ergue-se só com as patas traseiras para saudar o grande amigo que chegou e depois de muito brincar vai pro seu cantinho, deita-se e… Dorme! (PARA A PLATEIA) Palmas para nossos atores!

(AGRADECE AS CRIANÇAS CONDUZINDO-AS DE VOLTA A SEUS LUGARES)

Fazer teatro só com movimentos e gestos é o que chamamos de mímica! Dominar o corpo e os gestos é uma grande tarefa de todo ator. Todavia, de todos os elementos que compõem e caracterizam um ator, eu tenho especial amor pelas palavras. E é fácil entender o amor pelas palavras; é só imaginar a alegria que temos quando nossas mães nos chamam pelo nome, ou mesmo, quando necessitamos e chamamos: – pai! Essas palavras são bonitas, não é mesmo? Pai, mãe…

As palavras são fortes podendo começar uma guerra ou estabelecer a paz. Algumas palavras são tão ricas que não possuem um único significado! Manga, por exemplo, é aquela fruta deliciosa e é parte da nossa camisa. Vejam a nossa Cruzeiro, outro exemplo. Vocês já pensaram nos diferentes significados da palavra Cruzeiro?

Primeiro significado para todos nós é claro, pois trata-se do nome pelo qual identificamos nossa cidade: Cruzeiro! Mas cruzeiro também já foi dinheiro; esse dinheiro que hoje chamamos real, já foi cruzeiro.  Sabiam que há uma árvore chamada cruzeiro? Ela pode ser encontrada no Brasil e na Venezuela. Ah, e a palavra cruzeiro também indica outras coisas. Pois bem, agora eu tenho uma brincadeira, um desafio para algumas crianças. Venham brincar mais uma vez?

(O ATOR CHAMA ALGUMAS CRIANÇAS PARA BRINCAR DE ADIVINHA. FORNECERÁ PAPEL E LÁPIS PARA UM JOGO DE SIGNIFICADOS).

A brincadeira é muito simples; já vimos alguns significados da palavra “cruzeiro”, mas não vimos todos, certo. Vou dar um tempo para que vocês escrevam outros significados para cruzeiro. Quem sabe? Quem vai lembrar? Quem não souber, peça ajuda! Vamos lá? Tempo!

(SIGNIFICADOS ESPERADOS: CRUZ, CRUZEIRO DO SUL, CRUZEIRO/VIAGEM e TIME DE FUTEBOL. O ATOR DEVE AJUDAR AS CRIANÇAS NA OBTENÇÃO DAS RESPOSTAS, COMENTAR ESSAS E AGRADECER A PARTICIPAÇÃO NA BRINCADEIRA).

Há muitas outras palavras com significados distintos, diferentes. A palavra terra é uma delas. Pode ser o solo onde pisamos; o lugar onde a gente nasceu; um local para plantio e cultivo de lavouras e, entre várias outras possibilidades, o significado mais importante: Terra é o nosso planeta. A terra é azul, disse o primeiro cosmonauta que foi ao espaço. Doido, não é, porque a gente sabe que a terra é ocre, avermelhada e a água, nossa grande riqueza, refletindo o céu, faz com que nosso planeta fique todo azul quando visto lá de cima. O astronauta, lá de cima, viu a terra e o mar, refletindo o céu. Ah, que vontade de ser astronauta, um viajante espacial.

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Conrado Sardinha. Foto: Atelier da Fotografia

(MOSTRANDO O LIVRO) Este livro, da Ruth Rocha com desenhos de Otavio Roth fala de maneira linda sobre tudo o que temos de bom por aqui: “Azul e lindo planeta terra, nossa casa”. A gente olha pra cima e vislumbra a imensidão do céu e, quando é noite estrelada, temos a grandiosidade representada por milhares e milhares de estrelas. Todavia, conta a autora Ruth Rocha, nenhum planeta conhecido é igual ao nosso. Com ar, água, florestas que resultam em vida! Já imaginaram a terra sem ar? E quando sentimos sede? É horrível, não é? Já pensaram se a gente fica sem as árvores que purificam o ar, sem a água, nossa principal fonte de vida?

Ruth Rocha escreve para crianças, para todo mundo. Ela escreve histórias, peças de teatro. E gosta também de adaptar histórias para teatro. Adaptar é pegar uma história já contada em forma de romance, por exemplo, e transformá-la em peça de teatro. Se a gente pega um livro como esse, lê com atenção, vai perceber inúmeras possibilidades de contar histórias a partir de todas as coisas que envolvem nosso planeta.

Imaginem só: a água pode ser um personagem, a terra, as árvores, as flores… Tudo o que, junto, forma nosso planeta. Através desse livro a gente aprende o que deve fazer para que a vida não desapareça daqui, da terra. E podemos fazer isso, por exemplo, transformando a água em uma personagem. O que ela faria? O que a água nos diria? Vou brincar de ser água. (COMPÕE A PERSONAGEM COM UM ADEREÇO AZUL)

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Conrado Sardinha/ Atelier da Fotografia.

Escuta aqui, o Mané, vai me jogar sujeira até quando? Não vê que já to turva, lodosa?” (VOLTANDO A SER PEDRO) Eu faria uma água bem nervosa, tensa! Sabe como é, desculpem, mas minha paciência é pequena para quem não cuida do nosso planeta. Eu faria uma água que roda a baiana! (VOLTA A SER ÁGUA) “Veio pescar, é? Joga lixo e quer encontrar peixe? Os peixes foram embora, morreram! Quer pescar, limpe meus rios, meus córregos. E não jogue sujeira em mim, tá ouvindo?”

(VOLTANDO) Vocês acham que água não pode ficar nervosa? Quando vejo uma tempestade, penso em águas tensas, chateadas com o que fazemos com ela. E aí vêm os companheiros da tempestade, os raios e trovões, apavorando a gente. Mas, eu não estou aqui pra falar só de planeta, de água. Meu assunto também é a nossa cidade, Cruzeiro. Adoro brincar de teatro e de falar sobre nossa cidade. Uma vez me pediram pra falar sobre o Túnel da Mantiqueira, que todos aqui sabem onde é; a maioria já foi lá, não é mesmo? Todavia, quero mostrar pra vocês como gosto de falar pras pessoas sobre o nosso famoso túnel. Prestem atenção que deixarei de ser Pedro para ser outro personagem.

(COM ELEMENTOS MÍNIMOS O ATOR TRANSFORMA-SE EM UM EX – SOLDADO PAULISTA DA REVOLUÇÃO DE 1932. TEM UMA MATRACA E, SEGURANDO-A, INICIA SUA HISTÓRIA. OBS. NA ROUPA DO SOLDADO PODE ESTAR IMPRESSO UM CARTAZ DA REVOLUÇÃO DE 1932).

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Conrado Sardinha / Atelier da Fotografia

SOLDADO – Sou um soldado paulista. Já estou velho, cansado. Mas, se necessário sou capaz de lutar! Lutei aqui, bem na entrada desse túnel, em 1932! Ah, velho túnel da Serra da Mantiqueira… Se esse túnel pudesse falar! Mas eu falo por ele. Eu conto o que eu vivi aqui, quando nós, paulistas, lutávamos por uma nova constituição brasileira. De um lado os aliados de Getúlio Vargas e daqui, do nosso Estado, nós, os soldados paulistas. Queríamos uma nova Constituição, um conjunto de leis mais claras e precisas de como conduzir nosso país.

Vista de longe parece que foi pouco tempo de luta. Tudo começou em Nove de julho e terminou pouco depois, em dois de outubro, bem aqui, em Cruzeiro. Entrem numa briga e fiquem brigando durante mais de dois meses para que sintam como é! Não tivemos apoio de ninguém e, cercados, fomos ficando sem armas, sem comida, sem munição… Inventamos a matraca (EXIBE E MOVIMENTA O OBJETO) para fingir que tínhamos metralhadoras. Parecia teatro…

Um dia fui destacado para vir aqui, na Serra, pra defender os interesses paulistas contra os ataques que viriam do outro lado. Nossos inimigos viriam por Minas Gerais e, atravessando o Túnel, nos atingiriam fatalmente. Construímos valas para nossa defesa e, escondidos, esperávamos o inimigo. Eu ficava olhando, tenso, para esse velho túnel construído pelo Imperador Pedro II! O que diria o imperador ali, naquele momento?  Mesmo com seus 996 metros de comprimento nós ouvíamos assustados os barulhos vindos do outro lado. Eu sábia que aqui, que o nome do local era Garganta do Embaú; no entanto, naqueles momentos de luta com o som aterrador da batalha, as luzes da cidade longe, lá longe, faziam-me pensar em garganta de monstro, garganta do diabo.

Nossos inimigos avançaram e fomos militarmente derrotados. O final da revolução, bom lembrar, foi assinado na nossa Cruzeiro, na Escola Doutor Arnolfo de Azevedo. Depois, o mundo mudou muito! Mas, eu sempre venho aqui, visitar o velho túnel onde vivi momentos cruciais na minha vida. Mas, querem saber de uma coisa, o que mais gosto de imaginar, quando estou aqui, é de uma velha Maria Fumaça resfolegando serra acima, levando D. Pedro II, Dona Tereza Cristina, a Princesa Isabel, O Conde D’Eu… Na primeira viagem de trem, inaugurando o Túnel da Mantiqueira, a família do Imperador acompanhada de um homem muito especial! O Major Novais, Manoel de Freitas Novaes, o fundador de Cruzeiro, a nossa cidade.

(VOLTA A VINHETA E, ENQUANTO O ATOR TIRA OS ADEREÇOS DO SOLDADO, JÁ CONTINUA A HISTÓRIA)

PEDRO MENESTREL – Há muita história sobre a revolução de 1932. A luta dos paulistas foi fundamental para uma nova Constituição. Os brasileiros gostam de fazer Constituições. Há um monte delas. É só necessitar de botar ordem na casa que já realizam outra. Por exemplo, precisamos cuidar do planeta, logo, na Constituição mais recente foi dedicado vários itens à preservação do nosso ambiente, da nossa casa.

Somos todos responsáveis pela preservação do nosso ambiente. E aí, quando se tem um lugar bonito como a Serra da Mantiqueira, um lugar riquíssimo como o Vale do Paraíba, a nossa cidade, o que atrai muita gente, é lógico que cuidar do ambiente passa a ser fundamental. Vocês sabem que saí pelo mundo e quando voltei, a primeira coisa que fiz foi ir lá, ver a minha velha Rua Carlos Gomes, ouvir o trem e caminhar até o rio, ver de perto o meu Rio Paraíba. Fiquei preocupado! O que andaram fazendo com o meu rio?

(CANTA COM A MELODIA DA CANTIGA “SENHORA DONA SANCHA”)

Meu lindo Paraíba,

Quem não te respeitou?

Turvando sua água

Quem foi que te sujou?

(VOLTA A FALAR) Ah, não é nada fácil ver nosso rio correndo perigo. Meu avô já reclamava por não conseguir tomar água do rio; ele dizia que o avô dele tomava água direto do rio. Nossa! E hoje, não é recomendado nem nadar nele…  (PEGA UM PAPEL PARA DOBRADURA E COMEÇA A MANIPULÁ-LO, CRIANDO UM PEIXE).  Muitos peixes desapareceram e, embora algumas instituições estejam recuperando nossos cardumes muito ainda há por ser feito. Precisamos ver garças, muitas garças e outros pássaros nas margens do nosso rio. Precisamos voltar a nadar, a pescar sem medo de nada. Mas, pra isso, não podemos ficar parados. Vamos fazer duas coisas! Duas! A primeira é aprender essa nova letra da cantiga de roda que é pra gente não esquecer de que temos que cuidar do Paraíba. Vamos lá? Eu canto uma frase e vocês repetem; assim, a gente aprende os quatro versos.

Meu lindo Paraíba,

Quem não te respeitou?

Turvando sua água

Quem foi que te sujou?

(O ATOR ENSINA A PLATEIA, CANTANDO UM VERSO, PEDINDO QUE A MESMA REPITA E APÓS FAZER OS QUATRO VERSOS, REPETIRÁ TODA A CANTIGA. ENQUANTO ISSO FARÁ UM SEGUNDO PEIXE COM O PAPEL DE DOBRADURA)

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Conrado Sardinha / Atelier da Fotografia

(EXIBE OS PEIXES PARA A PLATEIA) Vejam no que transformei esses papéis. Um peixe! Eu disse que faríamos duas coisas, certo?  A primeira foi a música. Agora quero ensinar as crianças a fazerem esse peixe. A ideia é a seguinte: sempre que possível, a gente faz um peixe para lembrar que temos que cuidar do rio para que ele volte a nos dar muitos peixes pra pescar. E quando a gente ver alguém, seja quem for, sujando os nossos rios, nós não vamos brigar, vamos fazer um peixe como este e dar de presente à pessoa, para lembrá-la que rio sujo é rio sem vida. Vamos aprender a fazer esse peixe?

(O ATOR FARÁ O ORIGAMI E ENSINARÁ AOS ALUNOS DE CADA SALA. COM CALMA MOSTRARÁ CADA ETAPA DA ATIVIDADE, ORIENTANDO E PERMANECENDO ATENTO PARA QUE TODOS FAÇAM O ORIGAMI. EM SEGUIDA, AGRADECE AS CRIANÇAS E PROSSEGUE).

Dobrar papel é uma arte desenvolvida no Japão. Lá eles dizem origami e assim ficou conhecido no mundo inteiro. Origami. Arte de dobrar papel e transformá-lo em flores, animais e toda uma série de coisas. Quem me ensinou foi um velho ator japonês, radicado no Brasil. Fizemos amizade quando ele esteve aqui, na nossa cidade, fazendo uma apresentação de dança, no nosso Capitólio, nosso Teatro Municipal. Meu amigo japonês ficou encantado, pois ele já se apresentou no Teatro Scala, de Milão. Ele dizia “alla scala”! Eu, como ator, devo confessar que tinha inveja dele por ele ter se apresentado até no Scala. Mas, por outro lado, eu estreei profissionalmente no Teatro Capitólio! E todos os seus 450 lugares estavam ocupados! (BRINCA) Um sucesso!

Ah, eu ainda levei meu amigo japonês para conhecer toda a nossa cidade. Era engraçado quando ele dizia Casa de Nazaré!(REPETE A PALAVRA COM SOTAQUE JAPONÊS). Casa de Nazaré. Os japoneses têm um sotaque muito legal. E meu amigo perguntava por que vieram engenheiros ingleses para a construção da nossa ferrovia. A companhia era inglesa, eu respondia. E contei a ele que nossa cidade surgiu, efetivamente, junto com a estrada de ferro. O Major Manoel de Freitas Novaes queria que a estrada de ferro passasse nas terras dele. Isso deu origem à cidade de Cruzeiro. Eu insisti tanto para que meu amigo japonês  aprendesse a falar Cruzeiro, que achei que seria fácil ele falar Mirante do Cruzeiro. Ai, o problema foi… (COM SOTAQUE JAPONÊS) “mirante”! ele tentou, tentou e acabou aprendendo.

Andamos por toda a região. Ele gostava de andar a pé, como eu e, inclusive, adorava ficar contemplando nosso gigante.Qual cruzeirense não parou, pelo menos uma vez na vida, para contemplar o gigante formado pelas variações da mantiqueira? Formávamos uma bela dupla subindo a serra, caminhando pelo vale. Eu gosto muito de ir até ao pico do Focinho do Cão; lá, entre os turistas e visitantes fiz amigos, são pessoas que gostam de praticar voo livre. Eu prefiro ficar aqui no chão, contando minhas histórias, fazendo meus poemas. Quem gosta de palavras não gosta apenas de falar, gosta de escrever. E quem escreve, acaba escrevendo versos. É; eu, Pedro, adoro escrever versos. Meus primeiros foram sobre nossa cidade!

Cruzeiro, no Vale do Paraíba

Vale mais que um tal dinheiro

E para todos aqui nascidos

Muito mais que o time mineiro!

Há no céu um cruzeiro

Outros tantos por aí

Por estradas, igrejas, outros vales,

No entanto, nenhum vale

Como o Cruzeiro daqui.

E foi assim, cantando e inventando cantigas e brincando com as palavras que passaram a me chamar de Pedro Menestrel. E desde então, gosto de dizer: Sou Pedro Menestrel, cruzeirense! E vou logo emendando para não deixar dúvidas:

Cruzeiro, no Vale do Paraíba

Vale mais que um tal dinheiro

E para todos aqui nascidos

Muito mais que o time mineiro!

Depois, lá pelas tantas, quiseram conhecer um pouco mais sobre nossa cidade. No começo eu contava cada fato, como se fosse um contador de causos, um narrador de histórias. Mas, eu adoro as palavras e havia decidido ser ator. E foi assim, querendo melhorar a maneira de contar a história que fui pensando, pensando (ENTRA A VINHETA E O ATOR TRANSFORMA-SE NO VIAJANTE DO EMBAÚ), pensando bastante! E fui muito além do tempo, lá atrás, na época dos bandeirantes. E foi assim que me tornei (ESTA FALA DEVE COINCIDIR COM A COLOCAÇÃO DE UM ÚLTIMO ADEREÇO) o Viajante do Embaú!

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Conrado Sardinha / Atelier da Fotografia

(O VIAJANTE DO EMBAÚ É UMA LEMBRANÇA DAS PRIMEIRAS EXPEDIÇÕES NA REGIÃO ATRAVÉS DE UM PERSONAGEM QUE REMETE AO BANDEIRANTE, SEM SER ESTE, JÁ QUE SERÁ UM GUIA PARA OS BANDEIRANTES. ELEMENTOS DE COMPOSIÇÃO MÍNIMOS DEVEM ALTERAR O VISUAL DO ATOR, SEM TRANSFORMÁ-LO TOTALMENTE, JÁ QUE O DESEJO É MOSTRAR O ATO TEATRAL).

– Estou aqui há muito tempo. Cheguei primeiro quando um dia sai do Campo de Piratininga para buscar caminhos que me levassem ao ouro que, sabia, estava do lado de lá da serra. Meu nome é Antonio Manuel, mas todos me conhecem como O Viajante do Embaú. Logo que cheguei por aqui fiz amizade com alguns índios Puris, aqui da região, e depois me tornei amigo dos Cataguases. Muito antes de qualquer outro português eu andei por aqui e, com certeza, fui o primeiro cristão a tomar banho na Cachoeira das Três Quedas e naquela outra, hoje conhecida como Véu de Noiva. Falando em noiva, tive uma paixão fulminante que me levou ao casamento e ao desejo de ficar por aqui mesmo. Assim, casado e feliz, resolvi guiar outros que desejassem ir além. Pela Garganta do Embaú passou o grande Brás Cubas. Depois, Domingos Jorge, o Velho, e muitos outros bandeirantes. São vinte e cinco quilômetros serra acima! Esta é a rota do Embaú, caminho para Minas Gerais, para o sertão! Quanto ouro passou por aqui?

Na Garganta do Embaú encontramos a divisa de São Paulo com Minas Gerais. Uma passagem mais fácil, pois este é o trecho mais baixo da serra da Mantiqueira. Depois, muito depois, os homens utilizaram este caminho para a construção da via férrea, da estrada que agora é muito usada por outros viajantes que passam sem me ver; mas eu estou sempre por aqui, tomando água mineral fresquinha e comendo amoras silvestres.

(VOLTA A SER O MENESTREL) Um dia, um garoto interrompeu minha apresentação. (IMITA UM GAROTO) “Ué, esse viajante não morre nunca? Do tempo dos bandeirantes até hoje deveria estar mais velho! Ou é um fantasma”. (VOLTA A SER O MENESTREL) Ele não é um fantasma, é um personagem, meu garoto. “Ah, e personagem não tem idade nem morre?”. Não, voltei a responder. Personagens tem a idade que a gente quiser, podem morrer e ressuscitar, voar e mergulhar no mais profundo dos rios, sem perder a respiração. Essa é a magia do teatro.

(DECLAMA) O palco é a rua, a sala,

A praça ou o nosso quintal

A história a gente inventa

Ou conta aquela já bem contada

Que recontada, não tem igual!

(VOLTA A IMITAR O GAROTO) Se você é mesmo ator – disse o menino – mude o personagem. Ou vai ver, é daqueles que só sabem fazer um personagem. O viajante do embaú… Só esse?

O garoto me desafiando e eu me divertindo. É claro que posso fazer vários personagens. (O MENESTREL, ENQUANTO FALA, COLOCA NOVOS ADEREÇOS, TORNANDO-SE O MANOBRISTA DA ROTUNDA. UM BONÉ DESSES USADOS POR FERROVIÁRIOS É A SUGESTÃO MÍNIMA) Eu adoro desafios! E adoro brincar. Aliás, teatro é uma grande brincadeira. Vejam agora do que eu vou brincar. Vamos ver quem vai perceber primeiro o lugar e o personagem que vou fazer!

(ENTRA MÚSICA QUE REMETE AOS MOVIMENTOS DE UM TREM)

MANOBRISTA – Piuiiiiiii! (FINGE AS RODAS DE UM TREM) Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, TchaK (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. (FINGE SAIR DE DENTRO DA MÁQUINA) Ah, guardei minha primeira máquina. Vamos guardar a próxima. Girando a plataforma! Vou guardar mais uma máquina. Vamos embora que logo termino o expediente. Não tem ninguém na linha? Nenhum animalzinho. Melhor apitar! Piuiiiiiii! (FINGE AS RODAS DE UM TREM) Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, TchaK (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. (FINGE SAIR DE DENTRO DA MÁQUINA E FALA DIRETAMENTE COM O PÚBLICO). Estou aqui desde 1930, quando inauguraram a rotunda. Sou responsável por guardar todas as locomotivas, os vagões. Temos quinze galpões. Somos únicos em toda a região. Piuiiiiiii! (FINGE AS RODAS DE UM TREM) Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, TchaK (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. (FINGE SAIR DE DENTRO DA MÁQUINA). Ah, meninos, que saudade da minha bela rotunda. (CHAMA UMA CRIANÇA) Venha, você, vem aqui, vamos brincar. Piuiiiiiii! (PARA O GAROTO) Agora vamos fazer as rodas do trem Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, Tchak… E agora, vamos parar (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. Quero mais duas crianças, vamos lá! Piuiiiiiii! Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, Tchak (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. Mais uma vez Piuiiiiiii! Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, Tchak (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. De novo! Piuiiiiiii! Tchak, Tchak, Tchak, Tchak, TchaK (FINGE BRECAR) Fshhhhhhhhhhh. Parou! Chegou a hora de parar e descansar.

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Conrado Sardinha / Atelier da Fotografia

(O ATOR AGRADECE A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS E CONDUZ AS MESMAS A SEUS LUGARES)

ATOR- A rotunda é o prédio que eu mais gosto aqui, na nossa cidade. E o maquinista que eu interpretei fez o som do apito, das rodas, do breque com onomatopeias. Já conheciam essa palavra? Onomatopeia? Onomatopeia é a forma como imitamos as coisas, os aves, os insetos, enfim, tudo o que há por aí e que possa ser imitado. Querem saber, vamos brincar de onomatopeia. Vou chamar algumas crianças para essa brincadeira.

(PARA ESTA BRINCADEIRA O ATOR DEVE CHAMAR CRIANÇAS, DIVIDINDO-AS EM GRUPOS DE TRÊS INTEGRANTES CADA).

A brincadeira é a seguinte; eu proponho uma onomatopeia e vocês finalizam adivinhando do que ou de quem estou falando, certo? Vai ser assim (DECLAMA):

O cachorro faz au! Au!

Meu relógio tic-tac

Balde d’água faz chuá

E o pato, como faz? (O ATOR AGUARDA QUE AS CRIANÇAS RESPONDAM, COMENTANDO EM SEGUIDA) quac-quac.

 Viram como é fácil? Vamos de novo, prestem atenção!

O cachorro faz au! Au!

Meu relógio tic-tac

Balde d’água faz chuá

E a vaca, como faz?

Mais uma! Atenção!

O cachorro faz au! Au!

Meu relógio tic-tac

Balde d’água faz chuá

Meu porquinho, como faz?

Agora, pra terminar, vamos fazer várias onomatopeias:

O cachorro faz au! Au!

Meu relógio tic-tac

Balde d’água faz chuá

Meu gatinho, como faz?

E o bode faz?

E o leão?

E a cobra?

E agora a última, atenção, e o carro como faz?

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Conrado Sardinha / Atelier da Fotografia

(AGRADECE AS CRIANÇAS, AOS PROFESSORES E PREPARA-SE PARA TERMINAR A APRESENTAÇÃO)

Muito obrigado a todos. Sabem por que o carro foi a última onomatopeia? Porque está na hora de ir embora, dar adeus, puxar o carro. Gostei muito de estar com vocês. Brincar de teatro é bom demais. E no meio da peça a gente canta, a gente declama poesia, faz origamis, brinca de onomatopeias… Os livros são nossos grandes guias nessa viagem. Não se esqueçam do livro da Ruth Rocha e, se quiserem ver outros livros, falem com seus professores! Há muitos livros com peças e histórias pra gente brincar.

Agora preciso ir embora. Vou visitar muitas escolas, muitas salas e brincar de teatro com muito mais gente. Prestem atenção que tenho algo muito especial a solicitar de vocês: eu gostaria que cada um de vocês escrevesse uma história sobre nossa cidade. Pode ser em versos, uma redação, uma peça de teatro… Professor, se algum aluno precisar, você pode ajudá-lo nesse trabalho? Muito obrigado! Quando eu voltar vou ver o que vocês fizeram; combinado? Pra vocês, que ficam por aqui, para você, querido professor (a) meu muito obrigado e quem já aprendeu a canção pode cantar comigo.

(canta a musica de despedida)

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Conrado Sardinha / Atelier da Fotografia

Vamos brincar de teatro

Vamos brincar de ser,

Viver muitos personagens

Nessa viagem e assim crescer.

O palco é a rua, a sala,

A praça ou o nosso quintal

A história a gente inventa

Ou conta aquela já bem contada

Que recontada, não tem igual!

Tchau, pessoal! Adeus! Em breve estarei de volta. Até a próxima!

(Valdo Resende – Concluído em Março/2016)

 

 

Domingo, Mostra Teatral em Queluz – SP

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Rodolfo Oliveira, Conrado Sardinha e Luciana Fonseca. Elenco de “Os Piraquaras do Vale do Paraíba”  (Foto Divulgação). 

“Histórias para a hora do não”, de Carla Fioroni, direção de João Acaiabe é a peça convidada na Mostra Teatral do Projeto Arte na Comunidade 4 em Queluz, no próximo domingo, dia 28, às 14h30. No elenco estão Carla Fioroni e Katherine Zavagnison. O evento será aberto com a apresentação de “Os Piraquaras do Vale do Paraíba”. Escrita e dirigida por Valdo Resende, a montagem conta com os atores Conrado Sardinha, Luciana Fonseca e Rodolfo Oliveira. Composição e direção musical é de Flávio Monteiro e os figurinos são de Carol Badra

Patrocinados pela Alupar e Taesa e apoiado pela Usinas Queluz e Lavrinhas, o projeto Arte na Comunidade 4 é uma realização da Kavantan & Associados, Ministério da Cultura e Governo Federal.

Conheça outros detalhes abaixo.

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Teatro valoriza o Rio e os Piraquaras do Paraíba do Sul

 

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O Rio Paraíba e a estrada de ferro, no município de Lavrinhas – SP

A montagem “Os Piraquaras do Vale do Paraíba” está na Mostra Teatral que encerra a passagem do Projeto Arte na Comunidade 4 pela cidades de Lavrinhas, Cruzeiro e Queluz, no interior de São Paulo. Teatro dentro do teatro, as personagens são atores que nasceram na região e que também são poetas, menestréis, bardos, trovadores, contando fatos em prosa e verso, além de apresentar cenas valorizando aspectos históricos e culturais do Vale do Paraíba.

A Serra da Mantiqueira, a estrada de Ferro, a Revolução de 1932, a Via Dutra estão presentes em cenas onde os atores mudam de personagem durante a ação, agilizando a narrativa e evidenciando o jogo teatral, elemento que permeou todo o trabalho do Arte da Comunidade 4 na região. Personagens do folclore são citados assim como a importância dos acontecimentos religiosos que tornaram famoso o Rio Paraíba do Sul.

O progresso e o crescimento de todo o Vale do Paraíba teve consequências que vem de longe, como o desmatamento da Serra da Mantiqueira e, mais recente, a poluição dos rios. Somando história e cultura regional às questões ambientais, ganha destaque na peça o cuidado que se deve dispensar ao meio ambiente. Piraquaras são os habitantes ribeirinhos do Rio Paraíba do Sul. A peça resgata a expressão carinhosa que identifica pescadores, lavradores e demais ribeirinhos do Paraíba e pede cuidado para com os rios, fundamentais para a sobrevivência de todos nós.

Durante as primeiras fases do Projeto Arte na Comunidade 4, nas escolas das cidades participantes, nossos atores ensinaram aos alunos peixes confeccionados em origami, a técnica japonesa para dobradura. Durante a mostra intensificam a campanha iniciada nas escolas pedindo que cada criança faça um peixe com dobradura e dê de presente a quem sujar o rio. Um alerta para enfatizar a vida que se perde com a poluição.

Escrita e dirigida por Valdo Resende, Os Piraquaras do Paraíba conta com os atores Conrado Sardinha, Luciana Fonseca e Rodolfo Oliveira. Composição e direção musical é de Flávio Monteiro e os figurinos são de Carol Badra

Idealizado por Sonia Kavantan, o Projeto Arte na Comunidade é patrocinado pela Alupar e Taesa e apoiado pela Usinas Queluz e Lavrinhas; é uma realização da Kavantan & Associados, Ministério da Cultura e Governo Federal.

E agora, Queluz!

Queluz SP

No próximo domingo, dia 28 de agosto, das 14h30 às 18h00, no Espaço de Eventos 8 de Março teremos a Mostra Teatral que encerra o Projeto Arte na Comunidade 4 na cidade de Queluz, no Vale do Paraíba. “Histórias para a hora do não”, de Carla Fioroni, com direção de João Acaiabe está na programação que também terá a apresentação de “Os Piraquaras do Vale do Paraíba”, texto e direção de Valdo Resende, autor também do poema abaixo:

Queluz praça2
Queluz (sp) Fotos Valdo Resende

 

A NOSSA QUELUZ

Queluz, no vale do Paraíba,

É minha cidade natal.

Não confunda, meu amigo,

Com a outra de Portugal.

Aquela é cidade de reis

A nossa, bem brasileira,

Para nós é sempre a primeira.

São duas belas cidades

Quem conhece assim afirma

No meu coração não tem igual

Por isso repito e te peço

Não confunda, meu amigo,

Com a outra de Portugal.

A montagem de Os Piraquaras do Vale do Paraíba foi feita exclusivamente para o encerramento do Arte na Comunidade 4. No elenco estão Conrado Sardinha, Luciana Fonseca e Rodolfo Oliveira. As músicas são de Flávio Monteiro e os figurinos de Carol Badra.

O Projeto Arte na Comunidade, idealizado por Sonia Kavantan, tem patrocínio da Alupar e Taesa, via Ministério da Cultura e Apoio Cultural das Usinas de Queluz e Lavrinhas. É uma realização da Kavatant & Associados.

Todos estão convidados!

Para não esquecer

Do encerramento do Projeto Arte na Comunidade em Lavrinhas e Cruzeiro há algumas imagens para não esquecer: O trabalho de alunos e mestres em maquetes que valorizaram a visão da criança sobre a própria cidade e, também, o carinho do público para com nossa equipe, comparecendo em massa na Praça Dr. Antero Arantes para ver a exposição de trabalhos e a apresentação da peça OS PIRAQUARAS DO VALE DO PARAÍBA.

LAVRINHAS (SP)

CRUZEIRO (SP)

PRAÇA DR. ANTERO NEVES ARANTES, EM CRUZEIRO

Meu agradecimento especial aos nossos parceiros nesta empreitada.

O Projeto Arte na Comunidade, idealizado por Sonia Kavantan, tem patrocínio da Alupar e Taesa, via Ministério da Cultura e Apoio Cultural das Usinas de Queluz e Lavrinhas. Realização da Kavatant & Associados.

 

E a menina cantou nossa canção!

Últimos ensaios de “Os Piraquaras do Vale do Paraíba” na cidade de Cruzeiro. Tomo o ônibus de volta para São Paulo e divido o assento com uma garota morena, de onze, doze anos de idade. Os pais, nos bancos da frente, colocaram a menina sem dar muita atenção ao acompanhante. Quase que instintivamente pensei na possibilidade de perturbações, mas mudei de ideia quando a menina, percebendo que a mãe falava muito alto ao telefone pediu, educadamente, para a mulher falar mais baixo. Arrumou-se e ficou quietinha enquanto tentei me distrair com um livro.

A Via Dutra apresentando o rotineiro pôr de sol atrás da Mantiqueira enquanto, à nossa esquerda um garoto, com uma tosse forte, profunda, ininterrupta, fez-me lembrar de outras épocas quando tal situação culminava com estadias nos sanatórios de Campos do Jordão, ali mesmo, no meio da Serra. A garotinha puxou assunto: “- Minha mãe também tosse assim. Sempre!”. E emendou, olhando meu livro: “- Você vai ler tudo isso, página por página?” Acenei que sim e ela: “- Eu gostaria de ler. Um dia vou gostar”. Achei a resposta engraçada e resolvi conversar com a garota: – Sua professora não indica livros, não pede leituras? “- Que ano você acha que estou?”

Escola dr arnolfo Azevedo
Conrado Sardinha na Dr. Arnolfo Azevedo; onde estará minha nova amiga?

Eu olhei e chutei. Terceira? Não, quinta série, ela respondeu e informou estudar na Doutor Arnolfo Azevedo, em Cruzeiro. A escola entrou para a história por ter sido o local onde assinaram documentos dando por fim a Revolução de 1932. Conrado Sardinha esteve lá apresentando as montagens do Arte na Comunidade 4. Resolvi perguntar se ela havia visto e o que se lembrava das peças. Para minha surpresa a menina começou a cantarolar:

Vamos brincar de teatro

Vamos brincar de ser

Viver muitos personagens

Nessa viagem e assim crescer…

Ela não tinha certeza da segunda parte e eu, já emocionado, cantei com ela:

O palco é a rua, a sala,

A praça ou o nosso quintal.

A história a gente inventa

Ou conta aquela, já bem contada,

Que recontada, não tem igual.

Sábado à tarde, pôr de sol na Via Dutra. Uma garotinha cantando a música que fiz em parceria com Flávio Monteiro. Ela, sem perceber minha emoção, disse adorar o nome Menestrel.  “– É muito bonita essa palavra, Menestrel! Como era o primeiro nome do moço?” Pedro, Pedro Menestrel, respondi. E abrindo o celular mostrei fotos dos nossos ensaios, do Flávio e do Pedro, que na escola dela foi interpretado por Conrado Sardinha. “– Como, Conrado Sardinha? Por que mudar o nome?” Pedro é a personagem; Conrado é o nosso ator. “- Ele é muito bom! Engraçado!” Tenho certeza de que Conrado irá gostar, informei.

Já íntimos, mostrei fotos também de Rodolfo Oliveira, em Lavrinhas, e da Luciana Fonseca, em Queluz. Convidei a garota para nossa apresentação, no próximo sábado, dia 20, em Cruzeiro, na Praça da Rua 7. – Pede para o teu pai te levar! Foi o único momento em que ela mudou o semblante. “- Ele não é meu pai, é padrasto.” Preferi não identificar o sentimento com que concluiu a informação, como se fosse uma pequena vingança: “- Ele é muito mais velho que a minha mãe”.

O garoto, do outro lado, não parava de tossir, encolhido na poltrona. E minha companheira de viagem, esquecendo o padrasto, perguntou por que ele não se deitava, já que estava sozinho em duas poltronas. E de novo mudou de assunto, perguntando como se escreve Resende. Eu informei e a pequena, ardilosa, fingiu não entender, pedindo-me para que mostrasse no Facebook. Em seguida, já na minha página, ela falou-me o próprio nome e pediu que eu pesquisasse, para vê-la. Obedeci; olhamos algumas fotos e ela, confirmando o ardil: “- Me adiciona! É ali, no canto. Clica ali”.

Sábado estaremos em Cruzeiro. Espero rever minha nova amiguinha. Cansados de fotos, peças, mesmo com as tossidas do garoto, tiramos um cochilo, acordando já em São Paulo, em plena Marginal. Logo ela se foi no burburinho da rodoviária, sem olhar para trás, e eu voltei para casa, feliz! Há uma garota que canta a letra que escrevi, musicada por Flávio Monteiro. Há uma criança que acha Menestrel um lindo nome e que dificilmente irá se esquecer de Conrado Sardinha. Esse é o nosso trabalho, no Arte na Comunidade. Povoar cabecinhas de histórias e de boas lembranças. É isso que faz com que nos sintamos realizados, felizes.

Até mais