Ponto de honra, de Monahyr Campos

Nosso convidado do Trem das Lives, Monahyr Campos lançou recentemente, pela Editora Patuá, o livro de contos COLO. Conheça abaixo um dos textos da obra, Ponto de Honra. Neste conto Monahyr entra no universo de uma violência presente, ignorada por muitos, preocupação de outros, evidenciada e caracterizada em uma linguagem peculiar, aproximando o leitor do ambiente, cenário e modo de vida das personagens envolvidas.

O link para a aquisição do livro está no final do conto. O Trem das Lives, com Monahyr Campos será no próximo domingo, dia 8, 18h, no instagram.com/tremdaslives.

PONTO DE HONRA

Acordei de madrugada com o sistema nervoso, pregado na intuição: o Travoso, comandante da ala ia me pedir antes da visita, daqui a dois dias! Acabou que eu tava mordido, na fissura de ficar bicudaço, mas careta que tava, num parava num pensamento. Mil fita na cabeça, mil treta. Todo o falatório por causa de uma brizola miúda, mó merreca, e agora, os perdigão aprontando a bicuda e eu no fim do carretel.

Precisando dar um pino, precisando dar um pino, psôr. Tá ligado? Eu jurado só porque num entrei na fita e deu zica. Aí, do nada aparece uns passarinho e assopra meu nome. Aê, psor, o senhor tem que por um pano! O senhor tem deus no coração, num vai quebrar a perna!

Eu sentindo toda aquela aflição, sabia que tinha que me manter a uma distância segura. Por outro lado, como ignorar um pedido de alguém naquela condição?

Eu não posso entrar na frente, entende? Se der pra conversar, lógico que eu faço um corre, mas não dá pra garantir. Cê tá ligado que se eu firmar contigo, viro adubo na mesma lampiana que você. Quando eu for lá no xis eu dou a letra. Segura a onda, aí.

Dois anos e dois meses de trabalho aqui na penitenciária e já estou quase insensível a essas confusões. A princípio, era pra ser apenas seis meses de trabalho forçado, mas fui me meter a besta de dar minha contrapartida social, de fazer a minha parte. Agora sou refém de mim mesmo, dentro de um episódio do Hannibal, visto com desconfiança pelos presos; com desdém pelos funcionários; como louco por meus colegas de profissão; e nunca mais fui visto de forma nenhuma por minha mulher, nem meu filho… A mulher é ex, mas o filho é pra sempre.

No começo eu ficava desesperado, achava que tinha obrigação de ajudar esses coitados. Só aos poucos fui me dando conta de que, se bobear, muitos deles nem sabem o que é esse sentimento de empatia – apelam por minha intersecção justamente por saberem que eu prezo por meu sentimento de humanidade, que eu os vejo a todos como meus iguais, mas eles sabem porque estão aqui – eu não.

Hoje é o Carqueja. Semana passada, foi o coitado do Apendicite. Antes, o Buti. Teve também o caso do Timba, do Sprite. A lista é infinita… Tudo história mal contada, diz-que-me-disse; um, porque dizem que talaricou a feinha do outro; aquele porque era jacaré… Pessoas com problemas seríssimos em lidar com autoridade e, de repente, condenadas a viver sob um regramento extremamente rígido.

Aqui a vida é no limite o tempo todo. É no limiar do julgamento que o mais forte organiza a convivência, verbalizando as regras, que são invariavelmente aceitas por consenso. Não faria sentido questionar qualquer lei, simplesmente porque cada norma num ambiente primitivo é a consagração de um modo de viver, é sempre ponto de honra!

As paralelas encontram-se no infinito. Na teoria funciona muito bem essa afirmação, mas aqui, vivo diariamente a experiência de estar numa realidade paralela, beirando o absurdo pelo lado de dentro. Qual a vantagem de poder sair, se a sensação de desconforto levo comigo: a minha e a deles? “Aqui a vida é no limite o tempo todo”. O refrão do MC Louva-a-Deus não me dá descanso, vinte e quatro horas por dia martelando a britadeira nos neurônios.

Lembro de ter lido, há um bom tempo, num livro bastante badalado, que para se constatar se uma pessoa está viva, o meio mais fácil é colocar um espelho em suas narinas e observar: enquanto estiver respirando, a superfície ficará embaçada, sempre. Se a imagem refletida permanecer límpida, é porque não há mais vida. Sabedoria dos antigos que eu tive que aprender nos livros.

Feliz de quem vive “pregado na intuição”, como diria o Carqueja, mas eu, preciso de livros pra aprender até o que a vida ensina. E eu sei que estou vivo, eu existo, porque em minha vida, sempre vejo tudo embaçado. Visão límpida, só quando a gente encara a morte de perto, no susto, no choque! Quando a pancada te arranca do confortável e te empurra pro precipício, você enxerga longe, o fundo do poço fica cristalino, mesmo se a água for turva.

E eu sobrevivendo neste inferno, como se existir me bastasse, como se a satisfação fosse duradoura cada vez que tenho notícias de algum ex-interno recuperado. Como se a gratidão fosse uma qualidade que se possa esperar de quem teve sua humanidade arrancada junto com a placenta, como se…

  • Tá morgando, fessor?! O senhor é o maior responsa, mas num dá brecha. O Carqueja vai cair e é hoje! O presidente já deu a letra, aqui mancoso num tem vez. O senhor num sabe de nada, né não? Fica pianinho que a gente dá a letra quando for chacoalhar o colégio. Lembra quando o ganso falou pro senhor faltar? Ninguém avisou o otário do nervosinho… agora ele tá o maior groselha.

Eles me avisaram quando teve rebelião. Simplesmente faltei. O Alemão não teve a mesma sorte, agora não é nem de longe o arrogante de tempos atrás. Tiraram toda a petulância dele aos berros. Passou mais de duas horas, pendurado, de ponta-cabeça, no telhado do presídio, sendo ameaçado, correndo o risco de escapar das mãos daquela gente ensandecida, completamente animalizada.

Infelizmente o Carqueja vai ser triturado. Perdeu.

A cada vez que tentava dormir, me vinha a imagem daqueles olhos estatelados feito jaca madura, caindo no terreno baldio de minha insônia, me pedindo socorro. Coitado. Eu era sua derradeira esperança. Eu, de mãos completamente imobilizadas, totalmente impotente. Disposto a resgatar algumas individualidades através do conhecimento, percebi que nem mesmo o meu melhor, nem minha dedicação ao máximo grau pode interferir na dinâmica daquele lugar.

Qualquer texto, poema ou discurso que lhes apresento, sempre vai transitar na possibilidade de se tornar uma extrema unção. “Pra morrer, basta estar vivo”, nunca minha mãe teve tanta razão! E quem me garante que a qualquer hora, não vai aparecer um “passarinho” para assoprar o meu nome?

MONAHYR CAMPOS

PARA ADQUIRIR “COLO acesse aqui o site da editora.

Dia do Professor no Trem das Lives

Professores!!! Somos, não estamos. Brengel e eu…

Não estamos, mas podemos viajar no Trem das Lives para homenagear os que são, os que estão… ou não (diria o grande Caetano Veloso). Assim, no próximo domingo, comemoraremos antecipadamente o nosso dia (Dia 15 – quinta-feira – quantos estarão trabalhando?). Brengel, que é um fofo, escreveu:

“É com muito carinho que o Trem das Lives está preparando uma edição especial alusiva ao Dia dos Professores. Educadores de regiões distintas do país contarão um pouco do seu dia a dia, das suas realidades e sonhos. Lições de vida emocionantes. Não falte”.

Eu… Bem, não vou citar o nome de ministro que menosprezou os profissionais da educação. Insisto, todavia, no dever de respeitar toda e qualquer profissão. Não se trata de colocar umas sobre as outras, mas de ordená-las segundo sua inserção na vida do ser humano. Pai e mãe, avós, tios, irmãos e primos não são profissionais, mas familiares do ser que, para aprender metodicamente, criteriosamente, qualquer coisa além do universo doméstico precisa de um PROFESSOR!

Não se pode esperar muito de alguém (Ministros e similares no poder) que não consegue reconhecer a própria caminhada e o que foi necessário vivenciar para dar cada passo . Por isso eu desafio qualquer um (Ministros e similares no poder) a entrar em uma sala e, sem a FORMAÇÃO ADEQUADA, sem polícia armada na porta ou dentro da sala, tentar dar aula para trinta, cinquenta, cem alunos ou mais. FORMAÇÃO ADEQUADA em negrito e maiúsculas, pois nosso ensino, em qualquer circunstância e mesmo com dificuldades, acontece com preparação detalhada, planejamento sério, consistente e responsável. Do contrário, seria aventura, irresponsabilidade.

Fiquem tranquilos. O Trem das Lives vem com muita tranquilidade e delicadeza viajar com professores legais (por legal entenda: devidamente formados, capacitados e experientes no que fazem), simpáticos, agradáveis, o que nos permite garantir uma hora de viagem agradável, com informação e diversão.

ANOTE: Trem das Lives – Domingo – 18h – No instagram.com/tremdaslives

Aguardamos todos vocês.

Obs. A foto é de antes da pandemia. Por isso, estamos bonitinhos. O Brengel, sempre sorridente, esbanjando simpatia; Euzinho, com meu jeito meio ranzinza ( – meio? Alguém irá exclamar). Meio. Reafirmo. Era dia de festa.

Até mais!

Solução para o professor brasileiro

rené magritte detalhe
Uma nova identidade, mesmo que seja um mero substantivo.

O marmanjo chegou todo pimpão perante minha amiga e, apresentando-se, anunciou a profissão:

Trabalho no ramo da construção civil!

A moça depois descobriu que o indivíduo era servente de pedreiro.  Alfabetizado, chegado a usar luvas para evitar calos e ainda, nas horas vagas, era cantor de um grupo de pagode; ou seria solista de sexteto rítmico do genuíno ritmo afro-brasileiro?

Depois do surgimento do marketing inventaram de mudar o nome de antigas profissões. Parece produto velho em nova embalagem, mas que tem dado certo, disso não há dúvidas. O exemplo de conhecimento e aceitação ampla é a morte da costureira pelo surgimento da estilista. A impressão que passa é que os profissionais sentem-se menores quando dito costureiros, mas ficam cheio das poses dizendo-se estilistas. Na real, com o avanço da produção industrial de vestuário ter um costureiro é luxo de poucos. E o indivíduo enche-se de idéias e vira estilista.

Como é que professor quer ganhar melhores salários se ainda se autodenomina professor? Penso que a classe deveria seguir o exemplo de algumas cozinheiras que, agora, atendem por culinaristas. Toda pessoa que não tem hábito de cascar batatas, tipo Ana Maria Braga, se diz culinarista. Esta do exemplo tem algumas auxiliares, um papagaio e um fone de ouvido para seguir a montagem de algo sempre já pronto…

Professor tipo culinarista não é bom negócio. É falso demais! Lembra o autor de livro que usou uma coisa chamada ghost writer. Indivíduos com alfabetização precária usam o tal ghost writer e não duvido que em breve o cidadão de livro escrito por outro entre para a Academia Brasileira de Letras. Ambos, o falso autor e o ghost writer, ganham dinheiro; já o salário do professor continua o mesmo…

As instituições de ensino já adotaram nomes diferenciados para arregimentar novos consumidores. Tipo gestão para a velha e sempre boa administração. Saca a diferença entre gestão de negócios e administração de negócios? Tudo a mesma coisa, mas o que parece certo é que dá uma grana bem maior chamar mestrado, da mesma administração, de MBA.

Quando professor brasileiro aprender a se valorizar fará como certos maquiadores, conhecidos em meios específicos como visagistas. E inventar uma boa lorota para justificar a mudança de nome. Se o visagismo é a arte de criar uma imagem pessoal personalizada (?) o maquiador é só mesmo o que coloca cremes e pós no rosto de alguém…

A maior dificuldade, penso, é encontrar um novo nome para o profissional de ensino (tem gente que usa essa expressão, fugindo de proclamar-se professor). Andam usando, por aí, a palavra coaching e sobre esse, copiei que “o coaching oferece ao cliente uma orientação nas esferas particular e profissional, com o objetivo de prepará-lo para colher frutos objetivos e assertivos tanto no campo trabalhista quanto na vida pessoal.” Obviamente que esse treinamento não implica aula, porque se for aula, diminui o preço. De qualquer forma, eu não diria que exerço a função de coaching; não gosto do som da palavra que remete a anfíbios.

O que todo professor deve recusar é ser chamado tio. Com veemência! Essa foi uma grande cilada social. Tornaram os mestres parentes de todo mundo e para parente, é cultural, paga-se pouco. O cara já tem tudo e o que ele faz pode ser feito por qualquer um; então, para que bons salários?

Por mais que um professor saiba, falta aprender a valorizar financeiramente o próprio trabalho. A mudança de nome pode ser a solução para uma sociedade que só pensa mediante a suposição de algo novo sendo consumido. Vejam bem, o tal trabalhador do ramo dá construção civil já é passado. Serventes, pedreiros, no mercado de hoje são denominados instaladores de alvenaria. Merece ou não um salário melhor aquele que instala alvenaria?

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Até mais!

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Nota:

As imagens deste post são detalhes de obras originais de René Magritte.