Trabalhadores do Brasil

A frase, sempre dita com a penúltima sílaba esticada, “trabalhadooooooooores”, faz gente da minha geração ter remotas lembranças de Getúlio Vargas. O cidadão deu um tiro nos miolos em agosto de 1954, antes de eu nascer, e tal ato não foi por conta de trabalho, mas pelo então presidente não abdicar do poder. Getúlio, por favorecer políticas públicas aos trabalhadores, foi chamado e é lembrado como “pai dos pobres”. Conclusão temerosa, trabalhador é pobre! Vai ver é dessa premissa que vem tanto preconceito em relação ao trabalhador.

Surgiram arranjos sociais bastante interessantes em relação às atividades humanas. Para trabalhadores na indústria é mais comum utilizarem a expressão operários. E prestadores de serviço nas instituições públicas são os funcionários públicos. Note-se no públicos a distinção, porque outros nas mesmas condições são denominados apenas funcionários (o mínimo a se dizer desse é que não goza de estabilidade). A coisa é vasta. Dentro do funcionalismo público há os professores em três categorias básicas, das chamadas redes municipal, estadual ou federal. E outros tipos, muitos outros!

Há trabalhadores liberais, ou profissionais liberais. A expressão indica algum nível de especialização, embora a gente saiba que para todo e qualquer trabalho há níveis de especialização. Os ditos profissionais liberais frequentaram escola e, além de evitarem o título de trabalhador, é comum não conseguirem assentar um mísero tijolo, ou pintar dignamente uma grade. Essa formação de médicos, dentistas, advogados, entre outros ditos liberais, é colocada em escala superior na absurda hierarquia social, pois tão importantes quanto qualquer um desses citados são os trabalhadores que limpam nossas cidades, coletam nossos resíduos salvando-nos de pragas terríveis.

Nos últimos anos vimos crescer a quantidade e nos acostumamos com a expressão trabalhador informal. Nessa categoria estão milhões de pessoas sem direitos mínimos, alguns em condição de trabalho semiescravo. A relação entre exploradores e explorados no Brasil é tão intensa que não choca e não provoca grandes crises a constatação de trabalho escravo por aqui. Aliás, em qual presídio estão tais escravocratas?

Relações de trabalho caminham em conflito constante com as relações de poder. Ter poder implica, basicamente, poder sobre o outro. Parece um raciocínio bobo, mas é bom lembrar que o máximo que o maior poderoso consegue é bom tratamento médico, mas poder sobre certas doenças difíceis como o câncer, ou mais suaves como a gripe, o sujeito não tem. Também é bom recordar que a natureza costuma lembrar quem é que realmente manda com tempestades, secas, terremotos, pandemias… Resta ao idiota que pensa ter poder exercer este sobre o outro. Ele morrerá, como os sem poder em qualquer patamar da escala em que estejam também baterão com as botas.

Uma face interessante da história humana é buscar facilidades, empregar menor força física no trabalho. Domenico de Masi escreve maravilhosamente sobre o tema (Leiam O ócio criativo!). Da invenção da roda ao cozimento de alimentos facilitando as refeições, passando pelos meios de transporte e de comunicação, chegando aos robôs físicos e virtuais, são alguns exemplos de como o ser humano busca melhorar condições de vida através do menor esforço possível. Seria lindo, se a gente não tivesse a raça dos exploradores.

Explorador é aquele ser que nada faz além de um esforço mínimo para manter-se na tal condição. Tipo o rei da Inglaterra, tendo que abanar tchau para plebeu, ou a viúva do banqueiro fazendo festinha para alguma instituição de caridade. Nessa última situação os exploradores fazem marketing de bonzinhos e conseguem abatimento no imposto de renda. Há tipos de exploradores que, mesmo perdendo o poder, não perdem formas de exploração do outro: estou recordando aqui a tal família imperial que vive as custas de impostos cobrados do povo de Petrópolis.

Aumentos salariais em Primeiro de Maio ocorrem em meio a reinvindicações de diferentes categorias – aí, sim, todos trabalhadores – buscando melhores condições de vida. A evidência do poder exercido sobre o outro fica claro aqui, quando o trabalhador irá receber R$ 1.320,00, ou seja, 1,3% em contraponto com o salário do governador de Minas, que conseguiu atingir o sonho de muitos: dar-se reajustes salariais. Sem titubear e com apoio de iguais, o aumento foi de 300% e o salário do tal Zema foi para R$ 41.845,49. Notem o primor que é tal quantia! Imaginem quanta falta faria ao cidadão governador os R$ 0,49 centavos e, pior, quantas discussões e quantos embates seriam necessários para que R$ 845,49 fossem destinados ao trabalhador.

Primeiro de maio é dia para tomar consciência do distanciamento financeiro entre assalariados: uns recebendo o mínimo e outros, além de altas quantias, ainda não pagam passagens, telefone, luz, médico… Dia do Trabalhador é dia para repensar a sociedade e constatar as imensas diferenças entre as possibilidades de uns e outros. Fundamentalmente lembrar aos trabalhadores que são trabalhadores. Pensar e refletir sobre quem nos explora, por que nos explora e como podemos lutar para minimizar os efeitos nefastos de quem não se importa com as condições de vida daqueles que garantem os próprios privilégios.

A luta continua!

valdoresende@wordpress.com

“O Livro de Boni” é para ser estudado

valdoresende@wordpress.com

A primeira boa surpresa de “O Livro de Boni” é o prefácio do sociólogo Domenico de Masi. Com reconhecida competência, o  escritor italiano sintetiza o motivo essencial para a leitura da autobiografia de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o todo poderoso e lendário Boni, para quem se credita o mega sucesso da Rede Globo de Televisão. “A autobiografia de Boni é um verdadeiro tesouro de informações acerca de como nasce e se consolida a sociedade midiática em um país como o Brasil”, escreveu De Masi.

Logo em seguida, De Masi, coerentemente com seus estudos sobre Criatividade, aponta uma característica individual – capacidade de estabelecer parcerias – determinante para o sucesso de um grupo criativo, apontando o grande parceiro de Boni, vital para o empreendimento que veio a fazer da TV Globo uma rede reconhecida mundialmente: o próprio Roberto Marinho.

“O Livro de Boni” revela muito sobre o comportamento criativo, estudado por De Masi. E seria interessante uma análise abrangente da autobiografia  de Boni, sob essa perspectiva teórica. Por exemplo, Boni reúne em si vários fatores individuais determinantes para o trabalho criativo: forte motivação; preparação caprichosa, correção profissional, forte senso de integração, espírito de iniciativa, força de vontade, dedicação total, flexibilidade, solidariedade e por aí vai.

A motivação de Boni começa na infância, apaixonado pelo rádio e, em seguida, pela TV. A preparação inclui encontros e trabalhos conjuntos com gente especial como Manoel de Nóbrega e o então diretor-geral da Rádio Clube do Brasil, Dias Gomes. Em sua autobiografia, Boni revela na própria forma de apresentar sua história um senso de integração extraordinário assim como um espírito de iniciativa e força de vontade incomuns.

Como leciono para publicitários, coloco desde já este livro como fundamental para os futuros profissionais da área. O publicitário Boni está no imaginário de milhões de brasileiros com o “Varig, Varig, Varig” tão forte quanto o posterior “Plim-Plim”. Criou o inesquecível comercial dos Cobertores Parahyba e acumulou prêmios na publicidade. Força de vontade e dedicação total são características evidenciadas pelos estudos de De Masi, facilmente verificáveis no trabalho de Boni.

Outro fator que determina a criatividade individual, a flexibilidade, é um capítulo à parte na vida de Boni: Escreveu para humor e deu atendimento em funerária, foi ator, redator, compositor, locutor, apresentador e, além das atividades amplamente conhecidas, trabalhou como auxiliar de protético além de atuar ao lado de cenógrafos, sonoplastas e todos os demais técnicos que compõem o universo da criação publicitária e televisiva.

Falta apontar, entre as principais características individuais que detectei lendo o livro, a solidariedade. Nesse aspecto, Boni revela um lado humano bem distante da imagem pública de mando e desmando de vice-presidente da Rede Globo. Tudo começa na família e nos primeiros capítulos do livro Boni caracteriza o pai, a mãe, os avós, as tias – muitas tias! – e uma infindável galeria de amigos. Se um momento, por exemplo, ele aprende com Dias Gomes, muito depois, já poderoso, garante a possibilidade de trabalho com liberdade para o grande autor. Se as tias ajudam o menino, o diretor retribui e revela profunda gratidão.

A principal contribuição de  “O Livro de Boni” é fazer com que percebamos o quanto a televisão brasileira, na primeira metade do século XX – ou seja, da sua criação até à  criação e consolidação das grandes redes – foi fruto do trabalho de um grande grupo criativo. Este grupo esteve presente nas diferentes emissoras atuando em musicais, humorísticos, teleteatros, novelas. Pioneiros, inovadores, apaixonados pelas novas possibilidades, abertos a estímulos diferenciados e sem discriminações. Uma amizade facilmente percebida e fartamente documentada, a televisão brasileira é uma história de cumplicidade entre amigos, quase uma grande família.

A TV brasileira se faz e Boni é parte fundamental da formação e afirmação da mesma. Agora, ao colocar sua experiência em livro facilita o conhecimento para todos nós. Vale conhecer e estudar os mecanismos de construção de uma grande rede televisiva, as diferentes formas de atuação em televisão e publicidade, enfim, essa questão humana primordial denominada comunicação.

Boa leitura!

Nota: “O Livro de Boni” é uma publicação da editora Casa da Palavra.