(“Raul: O início, o fim e o meio” é um documentário que estréia na próxima sexta-feira, dia 23. Esta será uma semana de muitas lembranças do compositor. Abaixo, recordo alguns momentos entremeados com a música do “Maluco Beleza”)
Eu já estava em São Paulo, em 1982. Em pleno vapor, cantando em botecos e trabalhando um disco independente (Pois é; gravei um compacto. Os mais jovens terão dificuldades em saber o que é um compacto simples…). Estava muito distante de Raul Seixas no pensamento e no trabalho musical que eu então desenvolvia.
Veio, em maio daquele ano, a notícia da prisão. Sem documentos, acharam que o Raul Seixas que se apresentou em um show, em Caieiras, São Paulo, não era o próprio. Foi preso e espancado como impostor. Impostor de si mesmo…
...Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor…(1)
E lá naquela época, como agora, recordo alguns fatos da vida do Raul, que permearam a vida musical tupiniquim: Gostaria de ter participado de uma passeata, com o próprio, cantando “Ouro De Tolo” pelas ruas da cidade. Ele fez isso no Rio De Janeiro e eu estava em Minas Gerais. Mas essa passeata não seria nada impertinente ainda hoje, pela Rua Boa Vista, ou pelas Avenidas Paulista, Faria Lima e similares, aqui em São Paulo…
…E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social… (2)
Raul Seixas, penso eu, viveu inconformado. Entre seus sonhos, seu ideal de mundo, sua vertente musical e a realidade mercadológica, urbana e mesquinha de um país sob domínio ditatorial e, depois, durante o longo processo de abertura política. E inconformado, como ele incomodou!
…Faze que tu queres
Pois é tudo
Da Lei! Da Lei!
Viva! Viva!
Viva A Sociedade Alternativa… (3)
O cara escreveu muito, atuou em diferentes áreas. Em 1973 brigava pelos Direitos Humanos e no ano seguinte foi exilado, após a Polícia Federal recolher e queimar seus manifestos. Voltou rápido, e não menos desafiador mandando seus recados para todos os lados:
Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual… (4)
Você pensa em mim toda hora
Me come, me cospe, me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar… (5)
Sua carreira, com altos e baixos, deixou uma obra que clarifica um sujeito, um ser humano. Acredito que o melhor que um grande artista pode fazer por nós é deixar-nos rumos, alento. E Raul Seixas estará conosco por muito tempo ainda, porque nos enviou entre tantos recados especiais, este, que acalenta todos que vivem momentos de crise:
Veja!
Não diga que a canção
Está perdida
Tenha em fé em Deus
Tenha fé na vida
Tente outra vez!…
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Beba! (Beba!)
Pois a água viva
Ainda tá na fonte
(Tente outra vez!)
Você tem dois pés
Para cruzar a ponte
Nada acabou!
Não! Não! Não!… (6)
É isso aí, Raul Seixas ou Raulzito! Carimbador Maluco ou Maluco Beleza, o cara deixou bem claro que, em toda a sua vida…
…Raul Seixas e Raulzito
Sempre foram o mesmo homem
Mas pra aprender o jogo dos ratos
Transou com Deus e com o lobisomem… (7)
Se Raul Seixas quem disse, quem somos nós para contestar? O cara foi a mosca na nossa sopa. Não veio para concluir nada. Veio para ser o “o início, o fim, e o meio”!
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Até!
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NOTAS: (1) METAMORFOSE AMBULANTE, Paulo Coelho/Raul Seixas; (2) OURO DE TOLO, Raul Seixas; (3) SOCIEDADE ALTERNATIVA, Paulo Coelho/Raul Seixas; (4) MALUCO BELEZA, Raul Seixas/Claudio Roberto; (5) GITA, Raul Seixas/Paulo Coelho; (6) TENTE OUTRA VEZ, Raul Seixas/Marcelo Motta/Paulo Coelho; (7) AS AVENTURAS DE RAUL SEIXAS NA CIDADE DE THOR, Raul Seixas. Texto originalmente publicado no Papolog em 27.08.2008.