Sobre ser Pentacampeão de fato e de memória

Copa do Mundo? Abaixo uma, entre milhões de outras histórias.

1955 – Nasci, um ano depois de a Alemanha ganhar sua primeira Copa do Mundo.

1958 – SUÉCIA – Havia o rádio. E alguém falava rápida e desesperadoramente. De vez em quando as pessoas gritavam, mas em algum momento meu pai saia para o quintal e soltava fogos. Os vizinhos soltavam fogos, o bairro, a cidade. Minha mãe ou uma das minhas três irmãs prendiam-me, já que aquilo era perigoso. Meu irmão podia acompanhar meu pai, segurando os canudos que faziam enorme barulho. Como o fato era comum, ou seja, ouvir um cara desesperado falando aos borbotões e ver meus familiares gritando ou não durante a coisa, aprendi meio que por osmose que aquilo era futebol. E nós, do Brasil, éramos Campeões Mundiais. E meu primo Poy, o Oswaldo, era goleiro do Uberaba Sport Club. E meu irmão Valdonei jogava no time do Hermes, o Estrelinha.

1962 – CHILE – Já foi bem mais interessante. Eu sabia o que era o futebol, embora não jogasse por jogar mal. Gostava de pegar a bola com a mão e, mesmo assim, não fui goleiro. Meu primeiro ídolo foi Gilmar, um goleiro sensacional. Ele pegava bolas nas partidas que ouvia no rádio e, no mesmo dia, à noite, pegava outras bolas no jogo que passava pela TV. Eu não tinha noção de a transmissão do rádio acontecer simultaneamente à partida e que, na televisão, era videoteipe. Diferença que me passava desapercebida: quando pelo rádio, meu pai mantinha o lance de soltar fogos.

Meu segundo ídolo foi Garrincha e, com ele, o substituto de Pelé, o Amarildo. Havia um Vavá, mas só vim a ser chamado assim bem depois. Muito depois dessa Copa conheci Djalma Santos. Estive no velório dele, em Uberaba, e fiquei decepcionado ao ver o “falatório” de matracas presentes. Falta de respeito com o grande jogador. Sorry, Pelé, mas na “minha” primeira Copa, com consciência de ser um evento de tal porte, Garrincha e Amarildo brilharam. E o Mané, com seus dribles engraçados, fazendo gringo de besta ganhou minha admiração e predileção para todo o sempre. Salve, Mané Garrincha!

1970 – MÉXICO – Ali já estava definida uma postura que assumo ainda hoje. Contra a toda poderosa Europa, colonialista cruel, cabe impor derrotas onde nos é possível.  Dessa feita foi a Itália “humilhada” pela seleção canarinho, o que já havia ocorrido com a Suécia em 58 e com a Tchecoslováquia em 62. E sem o Brasil no páreo, minha torcida vai para a América do Sul. E nesses tempos atuais, vai para a África, a Ásia. Europa, não! (antes de terminar este a Argentina mandou a Holanda polir seus tamancos em outra freguesia! Bravos!)

Em 1970 já tinha noção básica do uso que se faz do futebol em situações diversas. O lema “Brasil, ame-o ou deixe-o” era algo estranho, já que vizinhos haviam desaparecido em – soube depois – prisões militares, assim como a polícia política esteve na casa de outros vizinhos revirando tudo, rasgando livros, levando outros embora. Em 70 sentia também a diferença brutal de tratamento entre as diferentes modalidades esportivas. Não fui goleiro, mas pratiquei vôlei. Para quem viveu essa época sabe a merda que era. Primeiro, o futebol. O “resto” era resto mesmo.

Dane-se, o planeta e todos os problemas sociais: ter um time com Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gerson, Carlos Alberto, Félix… Esses nomes estão na memória e ser Tricampeão Mundial é lembrança de sonho, de festa.

1994 – ESTADOS UNIDOS – Me parece que essa história de jogador de futebol acreditar que visual ganha partida começou mesmo foi com o Dunga, e seu cabelo esquisito nos EUA quando fomos Tetra. Bom, fez escola, é só ver os jogadores de hoje em altas transações visuais… E cada um sabe a dor e a delícia de um cabelo, uma roupa, um parangolé! Sejamos felizes!

Lembrança boa mesmo é do Branco chutando de longe e marcando um gol em cima da Holanda. Romário que era certeza de gol me faz, até hoje, repetir um “se fosse o Romário não perderia esse gol”. E tinha o Bebeto, que segue na vida com a dignidade e a postura que teve em campo. E o Taffarel!? Um amigo de infância, lá em Uberaba, homenageou o goleiro logo no nascimento do primogênito, um Taffarel mineirinho.

Aquele cara lá, da Itália, que errou o pênalti, não teve a benção do Papa? Baggio perdeu em um momento crucial. Eu tenho um pé atrás com o Zico, quando perdeu um pênalti em 1986 para a França. Faz muito tempo, mas magoou! Logo você, Zico?

2002 – COREIA DO SUL & JAPÃO – Todo palmeirense que se preza gostaria de canonizar Marcos, o São Marcos que foi goleiro do Pentacampeonato Brasileiro e megacampeão no Palmeiras. Vi o goleiro em campo e em pizzaria, lá em São Paulo. Cordial e educado, com a tranquilidade dos campeões e dos grandes atletas. Nunca me pagou uma pizza!

São lembranças pessoais e eu, que havia dormido na final da Copa anterior, 1998 na França, vencido pela cansaço e momentaneamente pela vida, durante a Copa, presenciei cenas absurdas, algumas registradas nas peripécias das personagens do meu primeiro romance “dois meninos”. A vida me fez ver tudo diferente e eu estava bem escaldado dessas coisas do esporte. Todavia…

Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Roberto Carlos, Roque Júnior… Um time de “erres” brilhantes e inesquecíveis. Guardei na memória as arrancadas de Ronaldo, a alegria, competência e o sorriso de Ronaldinho, a força do chute de Roberto Carlos. Sem desmerecer os demais, mas lembranças são assim mesmo.

Enfim, espero estar vivo quando chegar o hexa. Ele virá. Por enquanto vou homenageando todos os jogadores de todas as épocas da seleção, inclusive daquelas que não venceram uma Copa. Esses atletas nos dão alegrias de uma tal forma que, quando perdem, preferimos odiar os técnicos. Os mesmos técnicos que não citei por não citar mesmo. Não guardei os nomes, lamento. Estou supermegahyper odiando um técnico que, certamente, é motivo de outros ódios.

Técnicos e cartolas sobrevivem na história oficial, na cabeça dos “amantes do futebol”, daqueles que têm imensa e doentia paixão (Valeu, Neto! Adorei ver você sintetizando toda a nossa loucura por futebol! Que piti, meu irmão! Bom demais lavar a alma!).

Gente como eu guarda, na memória para esta e outras vidas, cinco figuras muito especiais, elegantes, heroicos. Aqueles que tomam a taça e a erguem para a nossa inenarrável alegria. Bellini (1958), Mauro (1962), Carlos Alberto (1970), Dunga (1994) e Cafu (2002). Quem nunca sonhou estar no lugar deles?

Acabando mesmo: Devemos agradecer aos deuses. E pedir perdão. Nunca deixar de pedir perdão. Como podemos merecer a vitória em uma Copa quando em nosso território foi roubada a Taça Jules Rimet? Os deuses são bons. Tanto que nos permitiram duas vitórias após esse triste fato que, registro, para deixar bem claro o lado nada bom que nós, brasileiros, temos. Mas, os deuses esquecem e, acreditem, o hexa virá.

Aguardemos.

O espírito da Copa baixando por aqui

Garrincha, o único “Mané”. Alegria do Povo.

Não tem pra ninguém. Daqui para a frente a prioridade e a estrela máxima passa a ser a Copa do Mundo. Tempo e espaço utilizados para a divulgação da escalação de Tite são os melhores indicadores de quem é que irá dominar o noticiário. Não adianta a atriz ajoelhar levantando aos céus imagem e preces a Nossa Senhora. Nem mesmo a presença de Lula no Egito. Nada hoje foi mais importante que os jogadores que tentarão o hexa.

Primeiro grande problema: Philippe Coutinho está no álbum, mas ficou de fora da escalação. Figurinha inútil tanto quanto o terceiro p incluso no nome, entra para a história dessa competição como o azarado que se machucou. Outros problemas virão e, a gente espera, nada tão desolador quanto morrer na praia. Que todos embarquem e partam em busca do primeiro lugar. Todos! Mas…

Sem polêmica não seria escalação para a Copa. Assim, é o que percebo, Daniel Alves passa a ser a escolha mais discutida do momento. Figurinha que esteve no álbum e ficou de fora em 2018, ele está com 39 anos e isso parece ser um problema seríssimo! Não tanto quanto o problema que são os 38 anos de Thiago Silva. Digo isso por terem questionado o Tite pelo primeiro, não pela convocação do zagueiro.  Thiago perdeu três Copas! E vai de novo!

Até parece que eu entendo de futebol. Não entendo “p.” nenhuma. Talvez por isso me seja fácil perceber que Galvão Bueno apostou na escalação de Roberto Firmino e o casal que o acompanhava no estúdio concordou com ele. Tipo se é para errar vamos com o chefe. Erraram. Eu senti falta do Gabigol. Do Flamengo foram escalados Everton Ribeiro e Pedro. Do Palmeiras, o Weverton.

Ao notar a escalação de Weverton, não deixei de notar outros nomes dignos de uma escalação do Stanislaw Ponte Preta: Militão e Paquetá. O Militão é o zagueiro que deveria estar como meio-campista, que é lugar ideal para militar um “avante povo rumo ao gol”. Já Paquetá (esse nome é o máximo!) deveria sair do meio campo e ficar como zagueiro. Um zagueiro “paquetá” atacante adversário…

Bom, reiterando, nosso noticiário fez com que a lista de Tite fosse mais importante que qualquer outra coisa no planeta. Vide os raros minutos dados ao COP 27, a Conferência do Clima da ONU. Também mereceram espaços menores a prisão do político estuprador de uma menor, a morte do assassino da Daniela Perez e o julgamento da pastora envolvida no assassinato do marido. No meio de tudo, o cara que acabou de perder as eleições deve estar comemorando a Copa, com esperança de que esqueçamos as listas de sigilos que nos foram impostas, ou que não continuaremos exigindo justiça em relação aos crimes cometidos durante a gestão ainda por terminar. Copa à parte, anistia jamais!

Para fechar o início da semana com o bom astral esportivo, presto homenagens para nossas duas campeãs mundiais: Rayssa Leal no skate e Rebeca Andrade na ginástica. Meninas feras! Quanto aos rapazes do futebol: ganhem! É o mínimo que nós, que ganhamos módicos salários, exigimos de quem ganha milhões. O que mais desejo é que nossos atletas, com os bolsos cheios do dinheiro europeu, enfiem um Hexa para a história da Seleção Brasileira.

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Notas:

Garrincha me faz parar para pensar em futebol enquanto arte e diversão. Optei por ilustrar esse texto com quem, entre poucos, que devemos reverenciar por todo o sempre.

Stanislaw Ponte Preta é pseudônimo de Sérgio Porto, grande cronista, jornalista e compositor brasileiro.

Uma personagem com o nome Paquetá apareceu também na Turma do Casseta. Um sujeito enorme armado com um porrete, sempre pronto a “acalmar” seus desafetos.