
A imaginação tenta ir ao passado responder à curiosidade de saber como era o Valongo em seus tempos áureos. O antigo bairro santista vive atualmente ao som de apitos de navios, locomotivas, buzinas de carros e caminhões, tudo transitando entre antigas construções. Passeando por velhos bondes, outro som característico do centro de Santos, pode-se ver modernos e gigantescos guindastes, o velho e o novo dividindo a paisagem urbana.
O Mirada, festival de teatro do Sesc, levou várias atrações para a região, contribuindo assim com ações paralelas que buscam revitalizar o bairro. Revi a Casa da Frontaria Azulejada, a Estação do Valongo, o Museu Pelé e conheci duas antigas construções, agora centros culturais: O Herval 33 e o espaço denominado Arcos do Valongo. As condições ainda são precárias nesses dois últimos lugares. Há apenas banheiros químicos e, a noite, no horário das apresentações, não há água disponível, nem local aberto onde se possa comprar.
Com algumas ruas charmosas, que remetem aos conceitos do que seria sofisticado no século passado, restaurantes agradáveis, entre outras atrações, o bairro mantém uma vida agitada durante o dia, mas com regiões abandonadas, casarões e galpões vazios. Por ali transitaram barões e ricos produtores de Café. Em algum casarão que desconheço, morou D. Yolanda Penteado, personagem bastante lembrada no Seminário Contingências Antropofágicas. Nas noites do Valongo há apenas o som de veículos pelas ruas, estradas de ferro, ou do porto. Mesmo iluminado, o local parece deserto.
Abandonar regiões e mesmo cidades inteiras é “comum” na cultura ocidental. Alexandre, o Grande, avançou pelo mundo destruindo e queimando cidades para, logo a seguir, construir novas. No Egito, o imperador que viera da Macedônia mandou construir Alexandria; queria uma capital que tivesse a “sua cara”.
O Fórum Romano, setor de Roma que continha edifícios administrativos da cidade, foi expandido no que hoje se conhece como Fórum Republicano e posteriormente sofreu abandonos por imperadores que deixaram “sua marca”: César, Augusto, Trajano… Não gostavam, ou não queriam transitar pelo espaço antes usado pelo inimigo, vai saber! Quem visita Roma pode ver as ruinas desses fóruns imperiais, também um dia abandonados, e estudiosos especialistas conseguem localizar pedaços dos antigos prédios utilizados em outras construções.
Não gostar do espaço e mandar “mudar tudo” pelo fato desse ter sido utilizado por outro é fato até de picuinhas entre estrelas de fino trato. Elis Regina, contam os biógrafos, exigiu a reforma completa de um camarim no Canecão, antiga casa de shows do Rio de Janeiro, por conta de o local ter sido utilizado por Maria Bethânia. Elis quis mostrar poder, o Canecão bancou e, até onde fui informado, tal peraltice da cantora não foi bancado com dinheiro público. No entanto, há dezenas de prédios públicos, inutilizados e abandonados, mesmo estando em condições de abrigar outras instituições.

A Estação do Valongo soma-se a mais de uma centena de estações nas estradas férreas do país que perderam função original. O local já esteve na lista de estações abandonadas por volta de 1996, quando os trens de passageiros foram extintos, voltando a ser utilizada dez anos depois, após lenga-lenga entre Estado e Prefeitura para resolver a questão. Outras não tiveram a mesma sorte, tornando-se locais desertos e tristes, mas que se algum desabrigado infeliz resolver abrigar-se da chuva e do frio nesses espaços vazios levantará a ira de multidões.
O Valongo é um bairro lindo, com evidente herança de tempos melhores e de políticas de revitalização urbana. Mais que a “devoção à história”, espaços como a Casa da Frontaria Azulejada, os Arcos do Valongo e a Estação do Valongo, estão sendo bem utilizadas em novas funções em favorecimento da população, mesmo que ainda não totalmente adaptados às exigências necessárias de infraestrutura. Que finalidades similares sejam dadas aos demais galpões e edifícios vazios da região.