Logo ali já se vê o carnaval chegando. É bom escrever sobre sambas de enredo e grandes escolas. Pra continuar vou de Mangueira, a Estação Primeira, cantada em verso e prosa desde sempre.

Mangueira poderia ser qualquer lugar. As mangueiras proliferam-se pelo país. Belém do Pará, por exemplo, é lembrada por seus mangueirais. Transformar um lugar comum em algo mítico, especial é privilégio da criação artística. Em artes plásticas, em prosa, em poesia ou música, tudo pode ser transformado em sonho, diante de qualquer que seja a realidade. a música colocou no mapa da música brasileira uma Mangueira, eternizada nos carnavais, indo muito além de um único período do ano.
Mangueira é poesia em canção, como em “Sei lá Mangueira”, a criação dos mestres Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho.
Visto assim do alto
Mais parece um céu no chão
Sei lá, não sei
Em Mangueira a poesia fez um mar…
Esse mar vem de longe e, desde lá já merecia uma “Exaltação à Mangueira”, feita por Aloísio Augusto da Costa e Enéas Brites, imortalizada na interpretação de Jamelão:
Mangueira teu cenário é uma beleza
Que a natureza criou
O morro com seus barracões de zinco
Quando amanhece que esplendor…
Quando a poesia vai embora, em Mangueira apela-se para o passado. Dá samba bonito! Herivelto Martins já sabia disso quando criou “Saudosa Mangueira”:
Eu sou do tempo do Cartola
Velha guarda o que é que há?
Eu sou do tempo em que
Malandro não descia
Mas a policia no morro também não subia…
Falando em Cartola a lembrança desse morador permanece em Mangueira, nos sambas belíssimos, de uma brutal e encantadora simplicidade como “Alvorada”, onde Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho celebram as belezas do morro e da mulher brasileira:
…Você também me lembra a alvorada
Quando chega iluminando
Meus caminhos tão sem vida…
Cartola é símbolo da escola, como Nelson Cavaquinho que, junto com Guilherme de Brito criou um dos sambas mais geniais de todos os tempos. Fico sempre na dúvida se a melhor interpretação deste samba é de Jamelão, Elis Regina ou Beth Carvalho:
Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha estação primeira…
Ah, Estação Primeira. De Dona Neuma, Dona Zica, de Jamelão de voz inconfundível, do “ Bumbo da Mangueira” Jorge Benjor tão bem homenageou e que Gal Costa canta como ninguém:
Eu conheço esse bumbo
Esse bumbo é da mangueira…
Ele sobe e desce o morro
Com cadência e precisão
E desfila na avenida
Batendo no compasso
Do meu coração
Bum, bum, bum…
Mangueira, a escola, vem encantando gerações. Levou a poesia de Chico Buarque e o som inconfundível de Tom Jobim para o alto, para o morro, junto aos sambistas da escola de cores verde e rosa:
…A minha música não é de levantar poeira
Mas pode entrar no barracão
Onde a cabrocha pendura a saia
No amanhecer da quarta-feira
Mangueira
Estação Primeira de Mangueira.
E é assim, só com versos de músicas de altíssima qualidade. Qual escola tem uma história contada dessa forma? Cantada? É fácil pra todo brasileiro gostar da escola de samba, amar suas cores, mesmo nunca tendo ido ao Rio, ao morro.
A música de Mangueira atravessou todas as fronteiras e fez da escola de samba um ícone, amado por quem gosta de samba e do Brasil. E pra terminar esse primeiro post só mesmo a lembrança desse “catavento a girar”, no “Chão de esmeraldas” cantado na composição de Chico Buarque e Hermínio Bello de Carvalho.
Me sinto pisando
Um chão de esmeraldas
Quando levo meu coração
À Mangueira…
Soberba, garbosa
Minha escola é um catavento a girar
É verde, é rosa
Oh, abre alas para a Mangueira passar!
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Até!
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Nota:
Logo mais escreverei sobre o carnaval da Mangueira neste ano de 2013. Antes resolvi preservar o texto acima, que havia sido publicado originalmente no Papolog, em 05/01/201