O semiárido nordestino enfrenta sua 72ª estiagem. Em 512 anos de Brasil é como se houvesse seca de cinco em cinco anos. A atual, por exemplo, já se sabe que viria desde 2010. Mais uma vez sem água e sem soluções eficazes.

O governo anunciou investimento de R$ 2,7 bilhões em ações de combate (Quanto desse dinheiro irá para bolsos privilegiados?) e, em caráter emergencial, as famílias das regiões afetadas receberão “Bolsa Estiagem” (R$ 400,00) além de medidas de ocasião que, em si, não resolverão o problema, já que certamente teremos a 73ª.

Imagine-se passando pela 72ª estiagem. Não a primeira, nem a décima, mas a septuagésima segunda, quando durante longo tempo não cai do céu uma única gota de água. Raquel de Queiroz imaginou-se em uma seca, em “O Quinze”. Escreveu em 1930 sobre os problemas de seus conterrâneos com bastante conhecimento de causa, já que seus familiares tiveram que sair do Ceará por conta de terrível seca.

Por gentileza, atentem para os números. Raquel escreveu em 1930, sobre 1915. No cinema, 30 anos depois, precisamente em 1963, o cineasta Nelson Pereira dos Santos legou-os um clássico, estrelado por Átila Iório e Maria Ribeiro: “Vidas Secas”. O filme, premiadíssimo, foi baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos, também escrito na década de 1930, publicado em 1938.
Vou insistir nas datas, para enfatizar o quanto já foi dito, denunciado, refletido sobre os problemas do semiárido, sem que tenham surgido programas eficientes para solucionar a vida na região. Candido Portinari fez “Os retirantes” em 1944. O artista paulista pintou uma série de telas tornando o horrendo belo. Fome, miséria e morte expostas em museus distantes da região e das soluções possíveis para os habitantes do semiárido.

Seca e fome também é tema em “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto publicado em 1955. Um sucesso literário grandioso, tão grande quanto no teatro, direção de Silnei Siqueira, musicado por Chico Buarque de Holanda, em 1965. Não bastasse, ainda veio a minissérie televisiva, na década de 1980.
É irônico constatar que, além de políticos e coronéis, também os artistas faturam alto com a seca. Só o pequeno dono de terra, o sertanejo é quem realmente sofre. Uma grande maioria saiu buscando vida melhor. Os fenômenos migratórios já foram calamidade, fazendo crescer os cinturões de miséria das grandes metrópoles. Maria Bethânia ficou nacionalmente conhecida cantando “Carcará” e dizendo números assombrosos entre um verso e outro da música de João do Vale e José Candido:
…Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão
Os burrego novinho num pode andá
Ele puxa no bico inté matá
1950. Mais de dois milhões de nordestinos viviam fora de seus Estados natais. 10% da população do Ceará emigrou; 13% do Piauí;15% da Bahia; 17% de Alagoas!
Carcará…

O “Carcará” e a “Asa Branca” voaram longe. Luis Gonzaga cantou sua música, feita em parceria com Humberto Teixeira, emocionando várias gerações. A gravação original é de 1947. E para citar dois outros grandes artistas nordestinos, lembro “Seara Vermelha”, de Jorge Amado, publicado em 1946, que já foi traduzido para 26 outros idiomas. Junto com o escritor baiano, concluo com as figuras de Mestre Vitalino (Vitalino Pereira da Silva) que abriram as imagens deste post. Trabalho modelado em barro, com delicadeza e sensibilidade, evidenciando diferentes aspectos da vida do nosso povo, inclusive os retirantes…
Bela herança artística; pequenos exemplos dessa imensa herança. Todavia, uma triste realidade que teima em persistir. Será que teremos soluções encaminhadas antes da 73ª estiagem?
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Até mais!
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