
E por alguma razão abrimos aquelas caixas antigas que guardam segredos, lembranças e recordações de muito, muito tempo. Papeis amarelecidos e fotos esmaecidas exalam cheiros peculiares de pós muito finos acumulados em gavetas ou armários quase sempre fechados.
Abrir uma caixa, folhear o velho álbum é como retomar contato com o antigo proprietário de tais objetos. Há a certeza, por parte de quem mexe, de estar tocando em algo anteriormente manuseado por outra pessoa. Uma inegável energia decorrente da percepção do outro através do objeto.
Fotos de família, velhos convites de casamento agora tornados lembranças, cartões de páscoa, de natal, ano novo… Pequenos tesouros que reativam a memória e que trazem, mesmo que momentaneamente, os acontecimentos de outrora.
Tais objetos nos levam a atitudes de respeito, reverência, carinho. Um alento para uma saudade e um estar junto no tempo retratado pela imagem, relatado pela carta.
“Caro amigo Vadico” começa o texto. Poderia ser com outra tipologia, em caixa alta ou caixa baixa, para usar expressão de diagramadores. Com todas as possibilidades de composição gráfica, nada é tão forte quanto perceber que esta é a letra de Noel Rosa e que tal bilhete foi escrito por ele.

Guardo objetos que foram de meus falecidos pais, avós, meu irmão. Guardo fotos, cartões, peças de cerâmica e outros “cacarecos”. Nada é tão forte quanto reconhecer a caligrafia de cada um desses seres tão amados. Ali, na caligrafia, um jeito de ser, de estar no mundo, de levar a vida. E o discurso, típico, único, completando informações sobre quem escreve.
Perdem-se, nesses tempos de textos virtuais, algumas fortes possibilidades de reconhecimento do emissor da mensagem. Estamos constantemente cheios de dúvidas se tal texto é real, se foi ou não escrito por quem supostamente assina. E nossas belas maquininhas manuais, cheias de “emotions” padronizados escondem, certamente, peculiaridades da personalidade daquele que escreve.
Afirmo para quem interessar possa que adoro meu teclado e a tela onde elaboro este texto. Todavia, não nego a força do manuscrito, a beleza única da caligrafia do ser amado. Dela sinto nostalgia e perante as saudações cotidianas dos grupos virtuais bate um pouco de indiferença ao pré-fabricado, à cópia da cópia da cópia… Um simples “eu te amo” com a letra de quem amamos, vale mais que todas as luxuosas reproduções gráficas pelo simples e inequívoco fato: inegável autoria.
Até mais!