
Mamãe Laura diria: “Tadinho!” Papai Bino faria um novo. Compraria as peças todas aqui e ali, pegaria outras das caixas cheias de badulaques aparentemente inúteis e, quietinho num canto, construiria algo absolutamente personalizado. Tio Manoel, mesmo sem formação para tal ato, tentaria consertar o estropiado. Com paciência de Jó, meu tio chegaria do trabalho, desmontaria o cacareco e horas depois, sem terminar, deixaria pra continuar posteriormente. Tia Olinda, esposa do Manoel, ficaria irada. Um brasileiro aqui em casa dá um jeitinho…
Todo um parágrafo sem ir direto ao assunto. Não é fuga. É dificuldade mesmo. O estropiado é um computador. Desses pequenos, tela acoplada, que vêm dentro de uma maleta pra gente carregar pra todo lado. Vai aqui, anda acolá, sobe ônibus, entra em metrô, abre e fecha, abre e fecha, sacoleja inúmeras vezes e o mais visível dos problemas: quebrou-se o mecanismo do abre e fecha…
Os males vêm de longe. Como o ancião com problemas que é, a lentidão do estropiado é de fazer tartaruga se achar Ayrton Senna. Volta e meia ameaça pifar: fica parado horas no mesmo lugar, um iconezinho rodopiando e, muito tempo passado volta a funcionar, em desesperado amor à utilidade para a qual foi feito. A memória está supimpa. Inteiraça! Quanto ao mecanismo abre e fecha…
Já que estamos em quarentena, e não levaremos o convalescente a lugar nenhum, vamos consertá-lo. Inspiração em Bino e Manoel, pega-se um suporte de ferro em L, originalmente pensado pra sustentar varal de cortina e, com cola quente, faz-se com que o estropiado mantenha-se aberto, ereto… Mas, sem poder voltar a ser fechado. Laura diria: ”Tadinho”.
O observador que vos escreve sempre entrando nessa história com a mesma ladainha: “Vamos comprar um novo, temos dinheiro, não precisamos disso; esse computador vai te deixar na mão na hora mais necessária; a gente aproveita e compra um também pra mim. O meu tá pedindo. Depois não diga que não avisei”.
O brasileiro do jeitinho aqui de casa evita comprar qualquer coisa. É o sujeito mais anticonsumo que conheço. Quase um avarento, adjetivo que não se confirma em supermercado nas sessões de gordices: chocolates, bolachas, batatas fritas em pacote… No mais, protela compras pesquisando preço. Um ser sensato.
A gambiarra feita para manter o estropiado em condições é… gambiarra! Sempre carece de manutenção e assim, ontem, nova sessão de cola quente. De repente, o marasmo da quarentena é quebrado em tom de tragédia: ”O computador quebrou de vez”.
O trágico tem razão de ser por um trabalho a ser entregue nos próximos dois dias. “Salvou?”. Sim, estava salvo. “Use o meu computador. Eu fico só com o celular”. Entre torturar o outro com o fatídico “eu avisei” e lavar a louça, fui pra cozinha, o telefone pendurado em minha frente pra ver Teresa Cristina. Não passo noite sem a live da cantora. A tragédia teve segundo ato.
O arquivo não estava totalmente salvo. Um mês de trabalho perdido. Tensão máxima. Ira, desespero, desolação e eu, na tentativa de suavizar o momento: “Toma cachaça!” Beber, é consenso, melhora a vida. Pinga recusada, toca a ver o que é possível fazer em dois dias. Voltei pra Teresa Cristina, em noite de homenagem a Morais Moreira. De vez em quando olhava pra sala, saber como estava a trágica tempestade. Nova interrupção: “Não acredito”!
Essa coisa humana de velar defunto. Ajeita daqui, arruma dali e, já que é pra providenciar o velório, carece de tirar o estropiado morto da tomada. Antes, bom lembrar: Um outro mal do dito cujo é a bateria; não carrega mais. E nessa de liberar a tomada… O fio estava mal colocado. Sem bateria, sem energia, foi só uma morte temporária. Capenga, mas vivo. Funções vitais presentes.
Alvíssaras! Alegrias! Cachaça! Alívio e um sarro básico, “Vacilão”, seguido de um veredito sem apelo, sem negociação: “Amanhã compraremos um novo computador”. Feito. E ao estropiado… O merecido descanso.
Até mais.
Em tempo: tem um note aqui em casa todo saliente para passar temporada na casa de vocês! Ele está bem. O notebook. Está ótimo. Estropiada aqui em casa só eu mesma. Por pouco tempo. Daqui a pouco me conserto. rsrsrs