(E eu, dentro do ônibus, a atenção despertada pelo diálogo entre um garotinho esperto, curioso e uma mãe atenciosa:)
– Mãe, por que estavam mandando os caras irem para Cuba?
– Parece que lá é um bom lugar, meu filho!
– Mas eles estavam brigando!
– Quem mandou o outro para Cuba não deve conhecer a ilha…
– Ilha?
– Cuba é uma ilha.
– Que nem a Venezuela?
– Não menino, quem te disse que a Venezuela é uma ilha?
– Ninguém, é que escutei quando gritaram para os outros irem para a Venezuela. O que é que tem lá?
– Uma vida diferente daqui, ora essa! Ou igual, vai saber.
– Hum, você não conhece nem Cuba, nem a Venezuela, né, mãe!
– Nem essa gente, meu filho, nem essa gente. A gente sabe de ouvir falar. Só quem estudou, ou foi lá e viu bem direitinho, é que pode falar.
– Mas e as revistas, os jornais.
– Os jornais dizem o que os donos querem que digam. Já aqueles briguentos só leem WhatsApp, meu bem.
– Mãe, lembra daquele cara de boné, com a bandeira vermelha? Ele deve ser canhoto, como eu.
– Como assim? O rapaz segurava o mastro da bandeira com as duas mãos!
– Mas, estavam gritando para ele: esquerdopata, esquerdopata! Ele deve ser canhoto.
– Esquerdopata é outra coisa, menino.
– Pata, mão. Esquerda, canhoto!
– Se fosse só por isso. (e a mulher riu gostoso).
– Eu não sei se quero ser esquerdopata, mãe!
– Melhor que fascista, te garanto. Você ouviu quando gritavam fascista? Promete que você nunca vai ser fascista?
– Se você me ensinar o que é isto. E o que é comunista também! Berravam fascista de um lado, comunista de outro, deve ser tudo coisa ruim. Tudo “ista”!
– Não é, meu filho. São coisas diferentes. O som é parecido, mas são muito diferentes.
– Então, posso ser esquerdopata?
– Você nem sabe o que é!
– Mas sou canhoto! E se você não quer que eu seja fascista, posso ser esquerdopata.
– Eles estavam se xingando. Não é elogio! (E ela deu sinal para descer)
– Eles xingavam também de comunista. Meu pai fala que Jesus era comunista.
– Devia ser.
– Mas eles estavam brigando!
– Se Jesus estivesse por aqui iriam brigar com ele também.
– Mesmo? Mas, mãe você acha que…
(O ônibus parou. Mãe e filho saíram. E eu, com vontade de segui-los, ver onde toda aquela sabatina iria chegar).
Valdo Resende, escrevedor de coisas.
Primavera de 2022