Anotem: Em janeiro chove. Muito!

Quando se é muito novo a gente não presta atenção em certas coisas. Por descaso, egoísmo, outros interesses enfim. Entretanto há momentos em que a vida nos chacoalha e marca uma data, um mês. Especificamente, estou recordando um fato ocorrido em Janeiro de 1979. Eu morava na Vila Luzita, em Santo André, no ABC Paulista. Recebemos um pedido de socorro desesperado. Um desastre decorrente das fortes chuvas provocou o desabamento de várias residências. Havia muitas vítimas. Algumas mortes.

No local do acidente presenciei algo que apagou o número exato de vítimas, de acidentados, de perdas. Sob um imenso monte de lama estavam duas crianças. Soterradas junto com móveis e paredes de madeira de um barraco que fora o lar de uma família. O pai, cautelosamente, ajudava os bombeiros no resgate. A mãe, como só as mães conseguem, mantinha um fio de esperança de encontrar os filhos com vida. Em vão.

De 1979 até hoje, 44 anos, desconheço meses de janeiro e fevereiro sem os tais “acidentes” decorrentes das chuvas. E há 44 anos, testemunho, se propaga via imprensa que são imprevisíveis. As chuvas são previsíveis! Os acidentes também. Todavia, um subtexto horroroso coloca a culpa no tempo, nas tempestades, nas águas que abastecem nossos rios, que enchem nossas represas, que refrescam nosso corpo e saciam nossa sede.

Nesse exato momento as vítimas do litoral paulista disputam atenção da opinião pública com o carnaval, com o BBB. E com a Guerra da Ucrânia, que levou bilhões monetários dos países dito civilizados, mas que não conseguem enviar quantia similar para resolver a fome e a moradia de gente que acaba tendo encostas perigosas para morar. Vieram líderes políticos de diferentes esferas. Disseram presente! E toca a prometer mudanças.

Quero destacar uma “solução” apresentada pelo Ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes: colocar sirenas que serão acionadas mediante a aproximação de tempestade. E pensei com meus botões que as sirenas que avisam a aproximação de aviões durante guerras não impedem o estrago provocado pelo que trazem: bombardeiros mortíferos. Caríssimo ministro: Parabéns pela ideia! Mas, por gentileza, pode melhorar? Pois para sugestões do tipo, eu mesmo posso me tornar ministro.

Dentre os animais, diz a ciência, somos os únicos que provocamos o que nos mata: desmatamos, sujamos mares, rios e lagos, jogamos veneno em nossas lavouras, acabamos com florestas e a diversidade ambiental em favor de monoculturas… Tudo isso e muito mais que por aqui vem ocorrendo há mais de 44 anos. A terrinha foi invadida por depredadores portugueses que vieram para desmatar, buscar ouro, escravizar gente que, em seguida, foi relegada ao tempo, ao vento, às tempestades. Temos mais de 500 anos de problemas que são jogados para depois.

Janeiro. Triste janeiro no litoral paulista. Alguém que não conheço citou As Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, cuja dedicatória sempre me divertiu:

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes

do meu cadáver dedico como saudosa lembrança

estas Memórias Póstumas.

Caríssimo Machado, creio que a passagem humana pelo planeta não deixará nem mesmo os vermes. O mês de janeiro me leva para outra frase, dessa mesma obra que li pela primeira vez quando não pensava em “desastres naturais”:

Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

Nem por isso deixo de estar triste. Pessoas perderam seus filhos. E muitos pais que detêm os meios de solucionar questões têm seus filhos. Esses, poderosos, parece que se importam pouquíssimo com os filhos alheios. E só para ficar nesse primeiro mês do ano, cabe terminar este enviando informação importantíssima aos nossos dirigentes: Em janeiro do próximo ano teremos chuva. Muita chuva. Anotem aí: Chuva forte em janeiro! E fevereiro também.

3 comentários sobre “Anotem: Em janeiro chove. Muito!

  1. Walcenis

    Muita prosa e nenhuma ação concreta. Passa ano e entra ano e não aparece nenhum salvador da pátria para solucionar ou pelo menos aliviar o problema. Programa… Cadê? Planejamento… Nada. Aguardemos então, o próximo desastre onde apenas o ambienta é o culpado. E soluções enganadoras de míseros $$$$ … ofertados pelos governantes e o trabalho exaustivo dos envolvidos de coração, parecem ser a única solução.

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