Violência

A professora assassinada aos 71 anos por um garoto de 13 que a atingiu pelas costas; o garoto esfaqueado no metrô, no Canadá; as crianças mortas em plena creche! A menina baleada, notícia do jornal de daqui a pouco. Não é de agora que nos vem tanta violência. Só em 2022 foram 40,8 mil mortes, os dados são do G1. Lá atrás me vem a assustadora cena de um casal jogando a filha pela janela, ou da moça que, com o namorado e um cúmplice, foi condenada pela morte dos pais. Foi! Já está em liberdade. Penso que cada pessoa lembra de um crime. Da própria cidade, do país, do mundo. Aquele crime específico que nos leva a indagar horrorizados, tal qual fez o poeta séculos atrás perante a escravidão: Deus, meu Deus, onde estás que não respondes?

Provavelmente o ser humano foi um erro de Deus. Ou sabotagem do plano divino realizada com êxito pelo demônio. Independendo de religião, de escolaridade, constata-se que o ser humano é autor de crimes contra seus iguais, contra os animais dito irracionais, com o planeta. Somos os únicos seres que destruímos sem pudor o ambiente que nos cerca e que, em primeira e última instância, é o nosso lar. Roubamos uns aos outros, exploramos os mais frágeis que nós mesmos, matamo-nos em números cada vez piores.

Das cinco vias que nos levariam a Deus (todas bem definidas por Santo Tomás de Aquino), a primeira afirma que tudo está em movimento. Tudo se transforma! E o Santo concebeu Deus como o autor do primeiro impulso, da força que movimentaria tudo e todos. Um empurrãozinho divino! Lá pelas tantas, quando o ser humano se viu forte e consciente de força e conhecimento, passou a dar seu próprio empurrãozinho. Tipo a Europa carecer de expansão para resolver a incapacidade de autossustentabilidade e passar a invadir demais continentes, por exemplo. Ou os EUA crescendo o olho sobre o petróleo alheio e interferir na América Latina, no Oriente e agora mesmo, na própria Europa.

Conversa de todos os lugares, de quem seria a responsabilidade por tanta violência, tantos crimes? Como consertar e redirecionar o ser humano? Grande orgulho das raças planetárias, as religiões se odeiam e lutam entre si, em nome de Deus, para dizer que o Deus de cada tribo, de cada grupo que é “O Cara!”. Desde a Grécia Clássica, quando surgiram os filósofos que estão colocados como base da cultura ocidental, a filosofia se mostrou ótima sobre o “livre pensar”, mas bem capenga quanto ao “como resolver”. Criaram a sociologia, investiram nos estudiosos de economia, gritaram eufóricos o surgimento da psicologia e, em ondas sucessivas, quando cada uma das ciências se revela ineficaz para solucionar o humano, volta-se aos primórdios: os astros, os búzios, as cartas, os ancestrais (palavra da moda!).

Deixei de citar acima a educação. Estou envolvido com educação nos últimos 40 anos e vivo entre professores, sou de família de professores, meus melhores amigos são Professores, Mestres e Doutores em educação. Daí me irritar quando todo e qualquer cidadão se coloca na condição de determinar os rumos do planeta a partir da educação. Para sanar a violência: educação! Para acabar com o feminicídio: educação! Para eliminar todas as fobias: educação!

A História (de historiador, de gente doutora!) nos diz desde os primeiros vestígios da espécie que o ser humano não é coisa que preste. A Mesopotâmia, terra maravilhosa, está entre rios, a geografia nos ensina e a história nos revela que lá começou a grande briga humana – desde os Sumérios – e que tal briga tem relação com água e comida. Sabe como é: tendo rio, há água potável e plantios férteis nas matas. Hoje em dia, por lá e outras regiões do planeta, brigam por minério e petróleo. E com todo o planeta em perigo, logo começarão as brigas por ar. A Amazônia deverá ser a estrela maior de possíveis conflitos.

Ingenuamente podemos indagar os motivos da não conciliação entre as nações sobre as dádivas da terra. Poxa, o progresso facilitou nossas vidas, acabou com o trabalho escravo (exceto no Brasil!), aumentou os meios de produção, facilitou a vida com os meios de transporte e comunicação, a ciência descobre a cura de qualquer doença… Não foi à toa que Louis Armstrong cantou What a wonderful world! O problema é que não nos conciliamos sequer entre nossos familiares!

Como há muito enfiaram em nossas cabeças que precisamos muito mais que comida, água e um teto para refúgio de chuva e frio, trouxemos para dentro dos nossos lares a velha briga humana pela posse do que “tem mais valor”. É uma loucura total ver as pessoas, algumas velhas como eu, ou bem mais velhas, lutando por posses de bugigangas como se fossemos viver eternamente. E jovens, muito jovens, incapazes de dividir, disputando um mísero terreno ou uma grande fortuna. O certo, e horroroso de se constatar, que os problemas humanos são os mesmos de milhares de anos passados, após o fim de impérios, nações, dinastias, grupos étnicos. Não aprendemos com o passado. Nem com o presente. E aí, a mim, perdoem o desânimo, só resta temer pelo futuro.

Não há solução no conhecimento isolado, em uma única religião. Não há solução mágica! Não há solução por uma única via. Não há possibilidade de se resolver sem a união de todo o conhecimento, todos os setores, todos os grupos humanos. É preciso, sobretudo, ter a humildade para reconhecer a nossa grande, imensa incapacidade de viver em harmonia. Absoluta incapacidade de solucionar os problemas que enfrentamos. Em nome de Deus, ou daquilo que se quiser, é preciso admitir que SOZINHOS estamos apenas caminhando para um final pior, bem pior do que o momento em que vivemos.

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Nota: A imagem ilustrativa é do ator Malcom McDowell em Laranja Mecânica (A Clockwork Orange – Stanley Kubrik, 1971)). Uma possibilidade de legenda para essa obra prima do cinema: A violência não domesticada.

Nosso Deus, o celular

nosso deus, o celular

Nesta manhã li que uma mãe atirou o filho na parede porque ficou nervosa ao ver a criança mexer no celular. O garoto, de dois anos, faleceu. Ela escondeu o menino de dois anos no interior de um sofá e, depois, acionou a polícia denunciando o desaparecimento da criança. O fato nos dá a medida extrema do lugar ocupado pelo poderoso aparelho em nosso cotidiano.

Tenho a impressão de que o menor uso do celular, na atualidade, está no objeto como meio de comunicação em si, indispensável. O que é realmente necessário dizer ao nosso interlocutor? Se alguém diz que vai para algum lugar, quando nos comprometemos a comparecer a tal encontro, qual a real necessidade de ligações do tipo “estou saindo”, “estou no trânsito” “já estou aqui”? Ontem presenciei quatro ligações “importantíssimas” de uma companheira de viagem. Na rodoviária: “- já estou dentro do ônibus”; após a partida: “-Acabamos de sair”; uma hora e pouco depois: “- Onde você estava, porque não atendeu? Fiquei ligando, ligando… já passamos Ribeirão Preto”. Mais tarde: “- Já passamos Jundiaí” e, poucos minutos depois: “-Entramos na Marginal”. Não me cabe julgar o que cada um classifica como importante para ser comunicado. Casos como o que presenciei ontem, penso, são para psicólogos.

O celular comporta um monte de joguinhos. Também li que esses passatempos são ótimos e atendem diferentes tipos de necessidades. Aqui, acredito que é só estabelecer o que é passatempo e distinguir isso de vício que tá tudo bem. Vício, é bom lembrar, instala-se sorrateiramente em nossas vidas. Afirmamos que bebemos socialmente, fumamos só um pouquinho e todos nós sabemos como, sem controle, onde isso vai parar.

Quando dizem que o celular é instrumento de trabalho, parceiro para alguns, ele não deixa seu caráter fundamental de meio de comunicação. Acessamos nossas contas bancárias, participamos de reuniões estando do outro lado do planeta, vendemos e compramos tanto o necessário quanto o cacareco inútil e por aí vai. O celular, e todo avançado derivado desse, é o grande e poderoso meio de comunicação do século XXI.

O ser humano nunca se contentou em ser um minúsculo ponto diante da grandiosidade do planeta. Na atual fase da nossa civilização extrapolamos os limites físicos e criamos um mundo virtual. Estamos neste através da informática, com infinitas possibilidades, limitada para um considerável contingente que se contenta em usufruir tão somente das redes sociais. Tenho a impressão de que é aqui que reencontro a mãe do garoto assassinado em Minas Gerais.

Pessoas que residem em cidades praieiras convivem com a falsa igualdade propiciada pelo traje de banho. Seminus, bronzeados, alegres ao sol, parecemos todos iguais perante um belo verão. Temos essa possibilidade “melhorada” no mundo virtual. Tiramos as manchas da pele, as rugas e somos amigos de personalidades importantes, de artistas. Nas redes sociais esbanjamos felicidade; a comida é farta, a bebida é abundante. Ampliamos nosso mundinho para milhares de amigos e, suprassumo da rede, somos seguidos por outros. Nas redes, conta mais quem tem maior número de seguidores. Quando isso não ocorre, contentamo-nos em seguir, em fazer parte da vida de quem admiramos. Nas redes sociais podemos simular o mundo que queremos.

O telefone de antigamente era pra falar com o parente distante, chamar o médico, a polícia, os bombeiros. Usávamos o dito cujo até para conversar com amigos, mas tínhamos o limite da conta telefônica – sempre caríssima! – e a restrição da família, já que era raro mais que um aparelho por residência. Hoje, quase todo mundo tem telefone. Smartphone é o termo adequado. Isso é muito bom; um inquietante receio é o de que algumas pessoas, como a tal mãe, tenha só o tal smartphone. Um aparelho que subverte a realidade da pessoa colocando-a em um mundo por essa idealizado. Quando esse mundo é ameaçado a reação é brutal e, horror dos horrores, uma mãe joga o pequeno filho na parede.

Seria estúpido condenar à fogueira tanto o celular quanto seus usuários. A história já teve sua cota de fogueiras que só fizeram retardar, por pouco tempo, o avanço propiciado por novos objetos, novas tecnologias. Longe de proibir, de impedir, cabe educar. Esse triste fato volta a fazer com que se bata na mesma tecla da educação, da formação adequada que é direito de todo e qualquer cidadão. O processo educacional é algo demorado e grandes transformações  levam tempo. Mas não custa insistir na reflexão. Todas as instituições que buscam o bem comum podem discutir e orientar as pessoas para o uso adequado do celular, da internet e similares. O assassinato do garoto mineiro é um ápice, a ponta de um iceberg que tende a crescer.

 

Até mais!

Os assassinos sorridentes

(Abandono - Oswaldo Goeldi)
(Abandono – Oswaldo Goeldi)

A TV exibe imagens de dois policiais em uma viatura

Eles não estão tensos nem aparentam nervosismo

Trabalho cotidiano, eles trafegam pela cidade.

Equívoco histórico, os tiras decidem a vida alheia.

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A TV ressalta detalhes da captura de três crianças

Os meganhas mantêm o sorriso nos lábios

Eles estão seguros e confiantes

Eles são poderosos, armados, fardados.

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A TV exibe rotas de conhecida desova

Os dois homens armados atiram para o alto

Os dois soldados exigem que três crianças sejam homens

Os meninos choram

Três nadas perante armas permitidas pela nação.

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A TV não exibiu assassinatos e, portanto,

Diz a autoridade,

– Está aberto o inquérito! Cabe averiguação.

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Um garoto morreu,

Outro se fingiu de morto, malandro do século XXI,

O terceiro foi solto sob ameaças.

Os soldados continuaram sorrindo

(disseram que estão presos; a TV não mostrou!)

E a nação, ah, o Brasil só se abala por um 7×1.

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Julho/2014