Querida Rosângela Maschio!

Caríssima,

Estou feliz e grato com suas mensagens. Conhecer sua opinião, suas reações, suas posições em relação ao que escrevo no romance que você me informa estar terminando de ler, me deixa profundamente feliz.

Desde que lancei “dois meninos” ocorreram muitas coisas complicadas na minha vida pessoal (fui acidentado, fiquei um ano de molho, chegou a aposentadoria, veio a demissão da universidade… Além de perdas maiores, como o falecimento de minha mãe).

Nesse tempo também ocorreram atividades que me enriqueceram profissionalmente. Realizei projetos na Baixada Santista, no Vale do Paraíba, tive uma peça de teatro apresentada na maioria dos CEUs – Centros Educacionais Unificados de São Paulo, além de apresentações no Sul e Nordeste do país. Também tive um poema citado em publicação do aniversário de minha cidade natal, lancei uma coletânea de contos… Enfim, a vida seguiu seu curso e, nesses anos após o lançamento do romance, percebo e constato um fato perturbador.

“dois meninos” caiu como uma bomba silenciosa por aí. O lançamento foi concorrido, com duas centenas de pessoas presentes. Eventos posteriores (lançamento no Rio de Janeiro, palestras, feiras e cursos) contribuíram para a modesta carreira do livro (Marta Blanco, editora que merece todo meu respeito, já havia me alertado para o fato de que, no Brasil, romance vende pouco!). O fato é que o livro atingiu centenas de pessoas e eu fiquei aguardando pronunciamentos (risos!).

Todas as formas expressivas manifestam algo que, via de regra, merece discussão, resposta. Pessoas próximas comentaram, algumas indo mais fundo e, infelizmente, a maioria preferiu o silêncio. Um silêncio respeitoso, posto que volta e meia manifestavam admiração pelo escritor. Ninguém é obrigado a dar retorno de livros lidos, compondo críticas ou publicando resenhas. Todavia, um comentário mínimo seria de bom tom…

Uma amiga muito querida, Marise de Chirico, também responsável pela diagramação e projeto gráfico, dias antes de enviarmos o livro para a gráfica me questionou com seriedade: – Você vai manter seu texto na primeira pessoa? Me pareceu absurdo, mas Marise me alertava para possíveis consequências relacionadas a preconceitos e homofobia. Bom, “A vida é luta renhida”, disse Gonçalves Dias, “Viver é lutar”.

A bomba silenciosa teve seus efeitos. Sou grato ao meu romance por ter tirado da minha vida uma quantidade razoável de pessoas. Sou um sujeito de sorte! Dessas reconheço e guardo tal fato como alerta perene. Nossas ações provocam reações e assim é a vida. A questão complicada é o silêncio, mesmo “respeitoso”, pois neste caso me parece companheiro do preconceito, da homofobia.

“dois meninos” tem uma imensa carga autobiográfica mesclada com ficção. E, daquilo que é fictício também assumo a autoria, pois se escrevi é porque penso da forma e posição exposta. Há vários motivos pela maneira com a qual resolvi contar tal história. E Rosângela, vou me permitir, contarei algumas nessa mensagem.

O anonimato das personagens veio por duas razões, e a primeira pode ser referenciada ao momento atual. Quais as histórias dos mais de 550 mil mortos vítimas do Covid? Não são números, são pessoas com sonhos, desejos, vontades, projetos, famílias, amores, amantes, profissões… O anonimato em “dois meninos” nasceu da necessidade de sensibilizar as pessoas para que percebessem vidas humanas vitimadas pela AIDS. A segunda razão vem de uma dúvida cruel; sem autorização do morto, sem ter conversado a respeito, eu poderia nominar, detalhar sua vida?

Tendo como ponto de partida um poema – “dois meninos – limbo” é um poema decodificado, transformei fragmentos de versos em capítulos e, assim, me permiti ampliar a metáfora concisa em história detalhada. Um exercício literário que se estendeu naquilo que chamei de “hipertexto”, dando uma opção de leitura ao colocar frases e períodos em negrito que pretendem sintetizar a história. Essas opções formais caminharam com a dificuldade em caracterizar personagens sem nominá-los.

Concluindo maneiras de contar e formas de expor a história, durante o lançamento e ainda hoje recuso a expressão “romance gay”, fundamentalmente por “gay” não se constituir em gênero literário, mas um tema entre tantas outras possibilidades. Usar tal expressão facilitaria acesso a um mercado específico, talvez provocasse reação contrária em outros. De qualquer forma, sempre estive interessado em literatura e, na medida do possível, em ser um Escritor.

Volta e meia me deparo com situações que envolvem a vida privada alheia, com a corriqueira expressão “saia do armário”. E penso que minha resposta deva ser: – Tire meu livro do armário e venha falar a respeito.

É ótimo conversar horas e horas sobre tudo o que nos envolve. Aquele papo de amigo que mergulha fundo, como escreveu Clarice Lispector, buscando “o é da coisa”. Aquele “é” que todos nós temos e que serve de parâmetro, medida, norteamento para todos os seres viventes do planeta. Esse “é” que, de tão conciso, confunde pessoas rasas, que pairarão sempre na superfície incapazes de um mergulho profundo que há, ou deveria haver, em todo ser humano.

Creio que teremos muitas conversas pela frente, cara Rosângela. Espero que sejam presenciais, virtuais, por escrito, em forma de romance, poesia, letra de música, post no twitter, via pombo correio… Por enquanto deixo público meu abraço e minha gratidão a você, e aos que leram e deram retorno sobre esses “dois meninos”.

Um carinhoso abraço!

Valdo Resende

São Paulo de bicicleta

A bicicleta oferecida aos alunos dos CEUs de São Paulo

Em breve poderemos ter muitos novos ciclistas pelas ruas da cidade. Soube da novidade através de Carlos Vitor, meu aluno, que será um dos monitores que formarão crianças ciclistas na cidade de São Paulo.  Os professores ensinarão crianças a andar de bicicleta e, além de equilíbrio e pedaladas, serão dadas aulas sobre normas de trânsito e manutenção das próprias bicicletas. O melhor de tudo, em minha opinião, é que cada turma formará um comboio, acompanhada pelo monitor, percorrendo o trajeto de casa até a escola.

O projeto municipal será implantado em todos os CEUs, os Centros de Educação Unificada. No final de 2012 cada um, dos 45 CEUs tem como meta formar 100 alunos, totalizando 4500 novos ciclistas pela cidade. O projeto tem o que há de inovador em termos de educação, cidadania e sustentabilidade; as bicicletas serão de bambu e cada comboio terá uma ciclo-rota, definida e comunicada à população local, facilitando a segurança dos pequenos ciclistas, devidamente uniformizados e, portanto, facilmente identificados.

É um orgulho para nossa São Paulo: a primeira cidade a ter uma escola desse gênero. Baseado em experiência dinamarquesa – de lá veio o especialista em mobilidade urbana Mikael Colville-Andersen, o formato da escola paulistana é mundialmente inédito. Andersen é o autor da proposta “Copenhagenize”  “para inspirar as cidades de todo o mundo a se tornarem amigas dos ciclistas, como é a capital da Dinamarca, onde 37% da população (500 mil pessoas) usa a bicicleta como meio de transporte todos os dias” (clique aqui para ver matéria sobre o assunto). São Paulo começa com milhares de crianças e, tomara que a moda pegue, teremos uma cidade mais humana, mais limpa.

Eu adoraria ir e voltar de bicicleta para o trabalho. Como saio por volta das 23h da universidade, tenho medo. A segurança da cidade precisa melhorar para que possamos trafegar sem comboio. O respeito ao trânsito também. Venho na contramão da maioria dos meus alunos e assim, vou adiando meu retorno ao simpático veículo, pelo qual sou apaixonado desde criança.

Papai tinha uma bicicleta antiga, adquirida de vendedores de peixe da cidade de Santos. Era quase toda de ferro e acompanhou meu pai muito antes de eu nascer, permanecendo em nossa família até há pouco tempo. De bicicleta fui, incontáveis vezes, para os arredores da cidade de Uberaba. Na minha adolescência, Amoroso Costa era um bairro distante – o nome via de um posto de parada da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro; ia até lá e gostava de ir além, em um local que chamávamos Rodolfo Paixão. A estrada era de terra e nesse local havia um cruzamento que, hoje, é a Avenida Nossa Senhora do Desterro, bastante urbanizada.

Fafá, amiga de sempre, foi minha companheira de algumas aventuras com nossas bicicletas. Saíamos passeando pela região e, por algumas vezes, abandonamos as estradas em aventura doida, pedalando sobre capim, descendo pirambeiras e atravessando córregos. Inventamos qualquer coisa que hoje denominam esporte radical, bike não sei das quantas. Nós apenas nos divertíamos. As cicatrizes em nossas pernas eram as testemunhas das viagens juvenis.

Já em São Paulo, início dos anos 80 e morando na Vila Mariana, gostava de pedalar saindo da Rua Dona Júlia, onde ficava minha casa e ia até o final da Avenida Paulista. De lá, voltava, passava pela Vila Mariana indo até ao Jabaquara. Tudo isso de madrugada. Era delicioso e um passeio e tanto no verão sempre quente. Depois, a violência foi aumentando e o receio do perigo levou-me a abandonar o hábito.

Carlos Vitor: Know-how até para pilotar carrinho de supermercado

Penso em voltar a pedalar. Disse ao Carlos Vitor, na boa, que fiquei com inveja do maravilhoso emprego que ele conseguiu. E estou torcendo muito para que tudo dê certo. Quero que São Paulo seja a Copenhagen sul-americana. Espero que todo o país imite a cidade, criando seus próprios projetos, pensando em escolas de bicicleta que atendam aos hábitos e à geografia locais. Cidadãos saudáveis, diminuição de poluentes e melhoria no trânsito. Lamento que alguns, nesta segunda-feira, lerão este post após um congestionamentozinho básico antes de chegarem ao trabalho. Mais um bom motivo para aderir, divulgar e aplaudir esta idéia.

Boa semana!