
A ditadura da felicidade é um caso sério. Uma simples menção da lembrança do falecimento de meu pai – Dia 21 de maio fez oito anos – e já tentaram impor-me o diagnóstico de depressão. É como se a palavra morte determinasse um falante depressivo, ou o que é pior, que assume um comportamento depressivo. Nesse “assume” está implícito morbidez, prazer na tristeza e, entre outras, a suposição de que um indivíduo decide em um determinado instante que vai curtir uma depressãozinha básica.
Depressão, ao que parece, não é algo bem visto socialmente; nem desejável. Também receio que, para muitas pessoas, é mais fácil conversar sobre novela e futebol que “aturar” um amigo triste. Recordar a data de falecimento de um ente querido é algo que parte de um momento intensamente triste, mas que pode conduzir ao culto de boas lembranças, de reverência, de gratidão.
Felicidade é um estado e isto implica ser algo passageiro. E nem sempre o oposto de felicidade é a tristeza, se considerarmos que a paz, estar em paz, é fundamental. Acho impossível ser feliz ao recordar a morte de meu pai, de meu irmão, de muita gente querida já falecida, todavia estou entre aqueles que permanecem em paz lembrando os que se foram.
Ninguém é obrigado a fazer coro no culto de alguém aos antepassados. Todavia, quando se ultrapassa o senso vulgar do “diagnóstico de revista”, conversar sobre as coisas boas de quando convivíamos com certas pessoas é mais que possível; é agradável e nos permite experimentar a tal tranqüilidade da alma. Então, penso que o problema não é falar sobre os finados (os mortos, não o feriado!). O problema é a morte.
Como falar sobre morte em uma sociedade onde a felicidade é um estado obrigatório? Como refletir sobre finitude em um mundo onde seres buscam desesperadamente aparentar juventude, como se essa fosse infinita? Não pretendo que ninguém reveja seus conceitos, nem é intenção estabelecer diálogos cotidianos sobre enterros e velórios. O recado é: nem todos aqueles que recordam carinhosamente seus mortos são depressivos. E mais: pensar na nossa finitude é ótimo para avaliar o que vale a pena vivenciar cotidianamente.
Não cultivo a morte, cultivo plantas e a vida; e depois de dois dias de check-up, muito corridos, só hoje pela manhã foi que percebi a chegada das flores de maio no meu pequeno jardim. Ato contínuo foi abrir as cortinas para que as tímidas florezinhas recebessem merecida luz. Fiquei admirando a simplicidade das formas, a intensidade e sofisticação das cores; pensei em meu pai, em meu irmão e na vida que continua bela, extremamente bela, como as flores.
Papai tinha habilidade para fazer coisas tão distintas quanto dobradiças, velocípedes, estilingues; sempre tinha em mãos um bambu com um chapéu preso em uma das pontas; era a melhor maneira que ele tinha para colher frutos, da minha casa e das árvores dos vizinhos, sem que a fruta caísse ao chão. Meu irmão gostava de plantas e tinha o hábito de ocupar espaços vazios plantando ipês e outras árvores decorativas. Cuidava de plantas em avenidas próximas de onde ele morava, levava mudas de árvores para todos os lugares, desde o bosque municipal, em Uberaba, até o jardim da casa de minha irmã.
Herdei de meu pai algumas habilidades manuais e me reconheço irmão de meu irmão no gosto pelo cultivo das plantas. Nada de triste, nem de mórbido, muito menos depressivo. É só a constatação da vida que recebi de meu pai Felisbino, que ficou melhor na convivência com meu irmão Valdonei e que vejo renovada nos vasos que florescem no meu pequeno jardim.
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Até mais!
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