Lá vamos nós… Outra vez.

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Das abstrações humanas penso que o tempo está entre o que há de mais incrível, uma criação ímpar, infinitamente superior a qualquer objeto, qualquer bugiganga; superior até mesmo à, por enquanto utópica, máquina do tempo.

Lá vamos nós, para mais um semestre. Derivado do tempo, o calendário nos informa que passamos a primeira metade de 2017 e vamos em frente, rumo ao futuro. Este futuro vai se fazendo a cada novo instante; por conta do tempo, colocamos o que virá lá pra onde não sabemos, onde seremos outros, faremos novas coisas, continuaremos até, lembrando Fernando Sabino, sermos interrompidos antes de terminar.

É difícil seguir sem pensar no que vai ficando, no tudo que já passou. Às vezes seguimos meio que instintivamente, respirando porque assim os pulmões exigem, buscando comida quando o estômago grita. Levamos perdas, e guardamos dia, mês e ano do tempo findado para aqueles muito amados. Respiramos fundo, dolorido, e de pé, seguimos.

Nas beiras vamos deixando o que não acrescenta; o que pouco vale. O tempo, quase sempre, é benção infinita pra quem não carrega o que merece ficar esquecido às margens: mágoas, raivas, desprezos, iras, contratempos menores. Os que são sábios deixam nas beiras ansiedade, o consumo idiota, a vaidade obsoleta, as mesquinharias todas da vida. Por aqui tenho muito que aprender!

O tempo! Difícil pensar a existência sem ele. Creditamos ao mesmo nossas rugas e o corpo deteriorado tanto quanto a experiência adquirida, os bens conquistados. Nele depositamos todas as esperanças de uma vida melhor, de um mundo mais justo. Tanto quanto qualquer filosofia ou religião é o tempo que nos permite pensar presente e passado, prospectar futuro e, se Deus permitir, sonhar melhores dias, outros tempos.

Lá vamos nós. Mais um semestre! Estamos cheios de receios nesses tempos que vivemos, tentando vislumbrar o que nos aguarda e o que nos reserva o futuro. Prosseguimos pensando no que passamos, em tudo o que ficou e que, bem ou mal, bom ou ruim, constituiu-se na experiência que, embora nem sempre de todo aproveitada, nos permite ter esperança de melhores dias.

Das abstrações humanas penso no tempo, tenho fé.  Talvez seja a fé o que há de mais incrível, o sentimento mais bonito…

Até mais!

 

Rituais de Janeiro

Agenda 2016
Um ano inteirinho pra todo mundo e a data “pra festejar”…

Gosto dessa ideia que paira no ar durante o mês de janeiro: começar de novo! Não comungo com aqueles que afirmam que o ano, no Brasil, começa realmente depois do carnaval. Primeiro porque carnaval é coisa séria e conheço de perto o trabalhão daqueles que fazem a festa de Momo; segundo, porque a grande maioria dos brasileiros volta ao trabalho no primeiro dia útil de janeiro e apenas uma parcela está de férias ou em período de recesso.

Desconfio que essa ideia do “começar depois do carnaval” é própria de quem não gosta de trabalhar durante o ano inteiro, ou de quem não está satisfeito com o que faz e protela sempre que possível. Vou deixar esses de lado, como também esquecerei aqueles que semeiam desânimo com posturas negativas sobre o que vem por aí. Tenho desligado a TV, cujos telejornais sugerem um mundo tão horroroso conotando que só nos resta o suicídio; prefiro Gonzaguinha, na voz eterna de Elis Regina “e ver, se dessa vez, faço um final feliz”.

 

O “ritual da agenda” é um dos que mais curto em cada janeiro. Há muito que, pacientemente, passo a limpo telefones, aniversários, ignorando os arquivos eletrônicos, já que ao escrever lembro cada pessoa, os que se foram neste mundo mesmo e, também e infelizmente, excluindo os que não estão mais por aqui; acho salutar passar folha por folha da agenda anterior e refletir sobre tudo e todos que estiveram em minha vida recente. Sobretudo ver quem chegou; perceber e apostar no que pode permanecer; o que terei na agenda nos próximos anos? Não sendo de ferro assinalo e destaco cada feriado prolongado, cada data em que a festa é garantida.

Encaro arrumar armário, em janeiro, como exercício de desapego. Abrir espaços, mandar um monte de coisas para o lixo, arejar armários e gavetas. É outra forma de revisar a vida, o ano que passou. Há remédios que recordam doença já esquecida e roupas que insistem em nos fazer lembrar o tamanho que um dia tivemos. Obviamente que, emagrecendo, vou querer roupa nova pra desfilar meu contentamento; e remédio, bom, o melhor é encaminhar aqueles com data por vencer para quem realmente precisa. Mantê-los é como se estivéssemos esperando a volta da doença e, desta, é bom manter toda a distância do mundo.

Janeiro é tempo de colocar em andamento o que já vem sendo pensado no ano todo; ou seja, toca a planejar tudo e mais um pouco. Alguns itens se sobressaem nos projetos durante este mês: um é o trabalho; por exemplo, além de manter tarefas na universidade penso sempre no que vem por aí e fico antecipadamente excitado e feliz com as possibilidades. Quem tem um trabalho contínuo sugiro experimentar a criação: um jardim, um livro, música, teatro. A tal “mesmice” é massacrante e cabe exercitar a cachola pra dar uma nova cor ao cotidiano.

Viagens, em janeiro, são frutos do tal planejamento aí de cima. Só ocorrerão e serão realmente legais, produtivas, se bem pensadas. Quem não vai sair de casa pode ter outra atitude: Em janeiro, com ou sem chuva, vale viajar pela cidade – São Paulo propicia viagens incríveis – e, de preferência, pensar nos passeios mais distantes para outras cidades, outros países. Do sonho de conhecer outros lugares parte-se para o planejamento de como fazer isso acontecer.

Dos rituais de janeiro priorizo aquilo que concretiza a ideia do novo, do recomeçar. É por isso que este blog está de cara nova, com outras páginas que indicam caminhos que insistirei em 2016. A agenda também tem que ser nova (insisto em recusar as eletrônicas); este ano caminharei com uma agenda linda, presente de Victor Olszenski (Obrigado!) e o apartamento, que aos olhos incautos sugere hecatombe, está apenas em transição nas tais arrumações.

O ano de 2016 está começando. E o que posso adiantar, além da cara nova do blog? Estarei dando aulas; vou trabalhar no carnaval; continuarei divulgando “Dois Meninos – Limbo”, além de muitos outros livros, como Tueris, do Octavio Cariello, que colocarei no Instagram ainda hoje. No mais, são apenas planos. Muitos! E a atitude fundamental de cada janeiro e de todo o ano: rezar para que tudo, comigo e com aqueles que amo, corra bem!

 

Até mais!

O prazer de voltar

Valdo Resende foto campus marquês

As aulas estão de volta. Um conflito que se repete entre a suposta liberdade das férias e as obrigações de professores e estudantes. É um período para ficar distante daquelas pessoas que, mesmo sem querer, materializam o mito do eterno retorno descrito assim por Nietzsche:

“Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência” (A gaia ciência)

Longe de pretender filosofar! Agora, refletir nunca é demais. Mais que refletir, parece ser necessário rezar! Pedir aos céus distância de quem perdeu a capacidade de ver o novo. De perceber as pequenas transformações que tornam diferente cada dia, cada momento.

O trabalho é uma grande benção e feliz aquele que pode construir algo, colaborar com alguém; mesmo nas ações mais simples, nas tarefas mais singelas, cada operário realiza uma pequena e essencial partícula da ação que resulta no todo que é esse mundão.

No trabalho escolar há momentos de propiciar e de receber conhecimento. Corre sério risco de vivenciar o “eterno retorno” aquele professor que não percebe nada por aprender. Já o aluno que não entende a escola como passagem viverá a escola nessa perspectiva do “eterno retorno” e aprenderá pouco; quase nada.

Trabalhei bastante nesse mês de janeiro, graças a Deus. Ainda não chegou o momento de tornar público o que andamos fazendo. Posso afirmar que estive em excelente companhia, ao lado de parceiros recentes e de outros, com os quais estou na estrada há mais de vinte anos. Conheci alguns lugares e muitas pessoas. Também tive a oportunidade de conviver por alguns dias com uma garotinha que, fazendo-me refletir muito, levou-me a escrever este post.

Registro de um "ataque"

Cinco dias de viagem passando por várias cidades e dezenas de reuniões. Trabalho estafante, encarado com serenidade por nossa pequena companheira que, em férias, brincava tranquilamente ou dedicava-se a fazer amigos enquanto apresentávamos projetos, discutíamos possibilidades. Dentro do carro, viajando de um lugar para o outro, ela continuava brincando, exceto quando se mostrava ansiosa com o que estava por vir: Na semana seguinte ela voltaria para a escola.

Foram cinco dias em que a menina retornava ao tema, com diferentes perspectivas. Os colegas, o uniforme, os professores… Ela mostrou-se preocupada até com a condução que a levaria para a escola. E repetiu várias vezes a mesma pergunta: – Quando é mesmo que começam as aulas, mamãe? A mãe respondia e, invariavelmente, ela prosseguia: – E falta quanto tempo? Quantos dias? Que dia mesmo? Já é na próxima segunda-feira?

Espero que minha querida amiguinha tenha encontrado professores e colegas livres da síndrome do “eterno retorno”. Que dividam com ela o prazer de voltar, a alegria de continuar. Tenho pensado constantemente se serei capaz de perceber gente como essa menina entre meus colegas professores e alunos, mesmo estando todos já calejados da vida escolar. Não temos mais nove, dez anos de idade; todavia, que possamos recuperar o olhar e a vontade primeira daquele dia em que nossa mãe nos acordou para que fossemos estudar.

Até!

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Nota: As fotos são de uma turma do Campus Marquês que concluiu o curso em 2013.

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Alimento para o coração

Outras praças, outra gente, somando momentos
Outras praças, outra gente, somando momentos

Final de ano bem próximo, as férias já praticamente presentes e tenho que refrear todas as vontades, melhor expressas por Fernando Pessoa através do heterônimo Álvaro de Campos em “Passagem das Horas”:

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

Quero mais. Quero rever lugares e pessoas. Conhecer outro tanto. Bem provável que escreva um pouco menos. Que aqui, neste blog, as postagens soem telegráficas. Compreendam, por gentileza. Estou em férias. Mas, não deixarei de passar por aqui, como sempre tenho feito. Acrescentarei um pouco mais ao que já “trago dentro do meu coração” e, com certeza, dividirei com todos aqueles que me prestigiam passando por aqui.

Boa semana para todos!

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Julho sem adrenalina no Museu de Arte Sacra

Museu de Arte Sacra foto by Valdo Resende

Férias começando, a adrenalina ainda pegando forte, eu procuro retomar a paz e o sossego no Mosteiro da luz, especificamente no Museu de Arte Sacra; nada como um lugar tranqüilo, onde o passado se faz presente e, de quebra, faz-me lembrar um pequeno pedaço de Minas Gerais, na querida São Paulo.

Abdias e Ezequiel, lembrando Minas Gerais.
Abdias e Ezequiel, lembrando Minas Gerais.

Fundado em 1970, o Museu de Arte Sacra de São Paulo abriga milhares de obras em seu acervo, priorizando imagens religiosas do século XVI ao século XX.  Está na ala mais antiga do Mosteiro da Luz, construído em 1774 e abriga uma clausura, da Ordem das Irmãs Concepcionistas (Mais um item  para lembrar Uberaba, onde as Irmãs residem na clausura da Igreja da Medalha Milagrosa).

Nos jardins estão quatro réplicas dos profetas criados por Aleijadinho (Antonio Francisco Lisboa) para o santuário de Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas do Campo, também Minas Gerais. Foram cedidas ao Museu de Arte Sacra pela Justiça Federal; pertenceram originalmente a Edemar Cid Ferreira, mas foram confiscadas quando do processo do indivíduo por lavagem de valores.

Os quatro profetas cedidos pela Justiça Federal
Os quatro profetas cedidos pela Justiça Federal

O local tem uma importante coleção de lampadários além de outros objetos sacros, objetos e mobiliário laicos. Tenho especial interesse nos oratórios barrocos, guardando imagens coloniais de rara beleza. Entre as obras do acervo, a escultura da imagem de Nossa Senhora das Dores, também de Aleijadinho, é de um requinte formal extraordinário e deixa evidente a capacidade do artista em expressar-se e captar expressões.

Museu de Arte Sacra foto by Valdo Resende

Visitar museu não é ação tipo caminha por corredores de shopping. É bom descansar o olhar, refletir, interiorizar o que está sendo visto ou, simplesmente curtir o silêncio que, no Mosteiro da Luz, é secular e continua absolutamente aconchegante. No pátio interno é possível ver, e ouvir, pássaros, isso sob o murmúrio da delicada fonte central.

Pátio do Mosteiro da Luz foto by valdo resende

O local é muito visitado também pelos fiéis de Frei Galvão, que está entre os fundadores do antigo Mosteiro. Após as orações na capela dedicada ao Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, como foi canonizado, é possível conseguir as pílulas que, para os crentes, são um santo remédio. O museu também abriga um importante acervo de presépios de diferentes regiões do mundo. Para quem não é de São Paulo, o endereço é Avenida Tiradentes, 676, bem próximo da Estação do Metrô Tiradentes e está aberto de terça a domingo.

Mosteiro da Luz foto by valdo resende

O Museu de Arte Sacra está em uma das regiões mais movimentadas da cidade. O barulho da avenida é intenso, todavia esquecido logo que se adentra ao velho prédio, como se uma viagem no tempo fosse iniciada observando as paredes seculares, o mobiliário antigo, as imagens e objetos que permearam a vida de nossos antepassados. É recomendável para todos nós, que vivemos nesse mundo acelerado; a gente sai de lá calminho, introspectivo, pronto para continuar a viver.

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Até mais!

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Férias chinesas sem sair de São Paulo

Detalhe de obra em exposição na biblioteca.
Detalhe de obra em exposição na biblioteca.

A exposição “Seis séculos de pintura chinesa” em destaque na Pinacoteca é uma mostra que nos permite desvendar uma arte delicada, profunda, de domínio técnico impecável. Mais que questões formais e estéticas, o evento torna-se uma possibilidade de contato diferenciado com as expressões de um povo. Sabemos muito pouco ou quase nada sobre arte chinesa.

A coleção exposta na Pinacoteca é do “Musée Cernuschi”, de Paris. São 120 pinturas de diferentes períodos: China Imperial (1368-1911), China Republicana (1912-1949) e artistas atuantes no século XX. Henri Cernuschi foi economista e banqueiro, tendo fundado o museu com seu nome em 1898.

Painéis imensos, exigindo olhar demorado para apreensão dos detalhes.
Painéis imensos, exigindo olhar demorado para apreensão dos detalhes.

Duas peculiaridades merecem nossa atenção; primeiro é a presença de obras do artista Zhang Daqian, pois este morou no Brasil cerca de vinte anos. O artista insere-se entre outros que, trabalhando em Paris divulgaram a arte chinesa. Na Pinacoteca temos obras que foram feitas enquanto o artista morou no Brasil. A segunda é a publicação em formato digital do catálogo da mostra, disponível gratuitamente para download no site da Pinacoteca.

Diferente da arte ocidental, a pintura chinesa tem outros propósitos. A leitura do catálogo, antes do evento, propiciará melhor aproveitamento das mesmas. Os formatos são diferenciados, exigindo um percurso visual particular. A exposição, montada nos parâmetros ocidentais – são seis espaços divididos cronologicamente – não deixa de evidenciar maneiras distintas de aproximação e visualização dos trabalhos chineses.

O caráter simbólico das pinturas exige do observador mais que a observação do visível, mas daquilo que o objeto representa. Com freqüência, cada pintura é uma “viagem estática”, pois a montanha, por exemplo, é um lugar de isolamento espiritual para o pintor-poeta.

Artechinesa 2
Sutileza nos detalhes, delicadeza na forma e no conteúdo.

O suporte mais freqüente é o papel e o nanquim é presente em praticamente todos os trabalhos. Em muitos, além da imagem pictórica, há textos poéticos que são parte da composição, dando-nos vários exemplos da arte caligráfica chinesa.

Creio, sobretudo, que a exposição “Seis séculos de pintura chinesa” leva-nos a pensar diferente, com outros critérios, para a grande civilização e para as multidões chinesas, nossas contemporâneas. No grande salão da Pinacoteca estão expostas a delicadeza de diferentes gerações, a suavidade de traços, a leveza de formas, a sutileza temática. Todas essas qualidades: delicadeza, suavidade, leveza, sutileza são expressões de artistas que representam todo um povo em diferentes épocas. Acredita-se que o pincel, para o artista chinês, ia muito além da concepção ocidental de prolongamento da mão. Para os chineses, o pincel transmite emoções e por isso é a expressão do coração. Ao observar atentamente podemos concordar com essa máxima chinesa.

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Boas férias!

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A exposição “Seis séculos de pintura chinesa” permanecerá até o próximo 04 de agosto.

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