Não foi a primeira vez que se teve notícia desse tipo de acontecimento. Toda vez que o resultado político desagrada certo tipo de gente os Ets aparecem. É só procurar que os relatos são inúmeros e as aparições de luzes em movimento nos céus do Rio Grande do Sul não foram as primeiras. Voando a noite sobre Porto Alegre, por dias consecutivos pilotos em serviço informaram comandos terrestres sobre diversas aparições de objetos luminosos não identificados.
Tia Ademilde soube pelo grupo do Zap, mistura de família, vizinhança, vendedoras de perfumes e oportunistas de várias possibilidades, entre essas as políticas. “Os Ets chegaram. Não deixarão Lula assumir. Estamos salvos!” A notícia veio acompanhada de relatos de visitas anteriores durante eleições americanas, guerras provocadas por europeus e outros tais. Junto aos assuntos veio um, tenebroso: Vieram para destruir o planeta. Até Nostradamus previu!”. O fim do mundo bateu fundo para a tia. Nem Lula nem ela veriam 2023!
Próxima dos 70, corpinho de 50, Ademilde tem se ressentido com a vida. Viu chegar a idade cuidando de pais, irmãos, sobrinhos, amigos e foi uma luta insana por liberdade de ir e vir, namorar, ser feliz. Quando se viu em condições de mandar seu mundinho às favas veio a pandemia. Mais dois anos de reclusão quando viu-se morando só, os últimos dependentes levados pela doença que, dizia o grupo do zap, era invenção da televisão. O que a fez aguentar o tranco foi o lero-lero da conversinha virtual cotidiana através do que mantinha contato com dezenas de pessoas. Entre essas um viúvo que Ademilde, tomando coragem em noite triste, chamou para uma conversa por vídeo. O papo terminou em safadezas inconfessáveis, mas permitidas para gente adulta.
Se o mundo estava para ser dizimado por Ets, só restava à tia aproveitar. Tomou três doses de conhaque para tomar coragem e chamou Lázaro, o viúvo, indo direto ao ponto: “Se o mundo vai ser destruído pelos Ets é melhor a gente aproveitar. Venha! Estou te esperando”. Lazinho estava mais para calmaria do que para noites calientes. Tentou argumentar com Ademilde, lembrando a música de Assis Valente sobre o fim do mundo na voz de Carmen Miranda. Aquilo não seria a “conversa mole” da canção? A tia, ansiosa, gaguejou ao argumentar usando Nostradamus e, convicta, brincou com um “nostransamos” antes de morrer. “Venha logo!”
Lazinho passou na farmácia e, mediante o preço do Viagra, desgraçou o governo por “armar” seletivamente a masculinidade necessitada do estimulante. Somente militar carece do estimulante? Absurdo! Escondeu o preço do prazer de Ademilde e engoliu o comprimido antes de tocar a campainha, sendo recebido com o que a tia podia mostrar, um enorme decote e saia muito curta. A mulher notou o olhar de aprovação do convidado e mentalmente agradeceu à Hebe Camargo, de quem aprendeu uma velha máxima: só mostre o que está bonito! Ofereceu um drink para o convidado.
Foi o primeiro encontro presencial entre o casal. O viúvo, não tão alcoolizado quanto a anfitriã, observou a casa, elogiou a decoração, perguntou sobre fotografias expostas. Ele precisava de um tempinho para que o comprimido fizesse efeito e pediu licença para dar uma olhada em um dos grupos do zap parecendo chamá-lo. Era uma gravação com mensagem de um amigo petista do viúvo, preocupado em desfazer mentiras circulantes: “-Lazaro, tudo bem? Você não caiu nessa de disco voador em Porto Alegre, né! São reflexos de luzes em satélites. Deu no jornal. Nada vai acontecer com Ets”.
Acreditei nessa conversa mole
De que o mundo iria se acabar
E fui tratando de me despedir
Fui tratando bem depressa
de aproveitar…
O casal ouviu a notícia feito balde de água fria. Não tinham mais motivos para possíveis safadezas de fim de mundo. A Tia Ademilde não se conteve: “Malditos Ets! Não servem para merda nenhuma”. Lazinho sentiu o efeito do remédio movimentar suas calças e a situação o excitou mais ainda. “Como assim, não servem, Ademildinha! Veja, olha aqui como estou!”. E os dois embarcaram na galáxia do prazer, um fazendo ao outro ver estrelas, discos voadores, satélites, Ets…
Dia seguinte, antes mesmo que fizessem promessas de mais noites de fim de mundo veio outro desmentido do desmentido pelo mesmo grupo. O mundo não iria acabar, mas estava garantida uma troca de corpos. Lula não iria assumir! Os Ets colocariam outro no corpo do presidente eleito. Ademilde, feliz e satisfeita, gostou dessa ideia de entrar no corpo, colocar coisas no corpo, trocar, compartilhar, ser feliz. Marcou com Lázaro futuros e sigilosos rounds, pois perante os amigos do grupo de zap ela insistia em manter o que chamam de decoro, recato. Afinal, são todas pessoas de bem. Família!
Tem sido assim desde então. A tia não entrou nessa de enviar código Morse para Ets com celular ligado sobre o cocuruto. Prefere chamar Lazinho para papos além do Zap. O último dilema do grupo virtual veio com a Copa do Mundo e as viagens luxuosas ao Catar de alguns enquanto outros enfrentam tempestades e banheiros químicos entupidos. Ademilde e Lazinho, sem remorsos, permanecem quentinhos. Seja no recôndito do lar, via vídeo, seja presencialmente, sob as cobertas. Vivem noites felizes e cheias de ação.