
Os cartazes anunciavam liquidação total; tudo com 50% de desconto! A loja chamando a atenção de poucos consumidores e o fim, melancólico, provocou-me angústia, desalento. Na Avenida Paulista, quase esquina com a Avenida Brigadeiro Luis Antonio, ocorre os momentos finais de uma loja de discos. Não posso precisar a quanto tempo era a única, posto que os tais produtos, além da solitária portinhola, só são encontrados em seções também decadentes de grandes lojas.
Mudanças são inevitáveis. Sem que eu percebesse as máquinas de escrever desapareceram do mercado e, da mesma forma, os discos 78rpm foram embora, assim como os Compactos, os Compactos Duplos, os LPs… Todavia, a lojinha da Paulista estava ali, guerreira, enfrentando com galhardia as possibilidades do ciberespaço. Eu compro CDs como quem comprava, um dia, os discos de vinil. Tenho quase certeza que após “desaparecerem” das lojas voltarão como objetos Cult, caríssimos, como são agora os velhos conhecidos LPs. A constatação dos últimos dias da loja me deixou triste; mais uma perda entre as tantas deste ano e o medo de vir a me sentir mais deslocado, envelhecido… “- Meu tempo passou?”.
Final da tarde, a lembrança do fim da loja estava presente sobre a mesa, com a caixa de discos de Maysa adquirida no local. Fui em frente (isso significou ir ao “sacolão”, supermercado, açougue…) e eis que reencontro antigo porteiro que trabalhou durante muitos anos no condomínio em que moro. Aquele papo de final de ano, mais a soma de quem não se vê há tempos e constatamos que já se foram mais de dez anos que ele foi trabalhar em outro lugar.
O rapaz (dou-me o direito de preservar a identidade) era curioso e vivia consertando coisas. Orgulhava-se de mexer em rádios, telefones, chuveiros e tudo quanto é coisa, sempre se apresentando como vitorioso ao mostrar o objeto funcionando por suas artimanhas artesanais. Um pai de família, aqui era porteiro no período noturno e, durante o dia, somava outro trabalho para garantir melhor vida para os filhos.
Nosso porteiro tinha umas coisas típicas das pessoas simples. Por exemplo, ele acreditava piamente que a ligação dele excluiria um desafeto BBB. Eu voltava da faculdade e ele, com a expressão mais séria do mundo me dizia: “- Sr. Valdo, hoje tiro o fulano. Ele vai ver se amanhã está ou não no olho da rua. Acabou!” No dia seguinte, antes de abrir a porta me dizia, por entre vidraças: “- Eu não disse! Botei ele pra fora.” Um dia retruquei: “- Não foi só você” E ele, com a alegria daqueles que descobrem pontos comuns em amigos: “- Então o senhor também votou?”.
No açougue ele foi atendido antes, comprando dois tipos de carne, visivelmente feliz. Continuando o papo perguntei das crianças; dez anos passados, seriam dois jovens. “- Pois então, Sr. Valdo, meu menino tá chegando de Campinas. Estuda na Unicamp. Está fazendo engenharia. Uma dessas engenharias em que ele poderá trabalhar em quase tudo!” As carnes eram pra comemorar a chegada do moço, com um jantar mais caprichado. “– Que maravilha, meu amigo, na Unicamp!” E ele, orgulhoso: “-Pois então! Não teve pra playboy. Meu menino foi lá e conseguiu. A gente dá um duro lascado pra manter ele longe, mas vai valer a pena”.
Mudanças no mundo tais como o desaparecimento das lojas de CDs. Mudanças no nosso país onde, por múltiplas razões, o garoto humilde consegue vaga em uma universidade de ponta, entre as melhores do país. Eu poderia continuar o papo e ir além, assinalando mudanças políticas e sociais que permitiram tal fato. Bobagem. Seria invadir a vida de alguém que só estava interessado em comemorar a volta do filho com um jantarzinho caprichado.
Adeus loja de CD da Paulista. Boa sorte, futuro engenheiro, filho do meu amigo! A vida segue. Cacarecos vão e voltam, ou são definitivamente substituídos. O melhor de tudo, em um país tão desigual quanto o nosso, é ver que devagar e sempre haverá alguém subvertendo o destino – ou o sistema – para trilhar oportunidades de melhores chances.
Até mais!