“Desfaze-te da vaidade triste de falar”, diz Cecília Meireles em “Não digas onde acaba o dia”; e a poetisa conclui:
Pensa, completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.
“Desfaze-te da vaidade triste de falar”, diz Cecília Meireles em “Não digas onde acaba o dia”; e a poetisa conclui:
Pensa, completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.
(No poema de Carlos Nejar encontro as palavras que gostaria de dizer para esse momento em que a poesia é o exercício agradável para continuar).
Aceito a minha idade
e a que me completa
a face padecida e conquistada
as derrotas caladas
no meu sangue
os amores poentos e chovidos
e este amor que me fez reencontrar
o dia humano
.
Nada me ilude mais
nenhum signo é perfeito
as mistificações
o exato reino
das mãos e da vontade
me conhecem
e sei de cor a sua brevidade
o círculo fendido
.
E a idade convenceu-me
de estar mais junto ao chão
rente à pele, ao diário suor,
ao coração
Carlos Nejar in ‘Melhores Poemas’
(Excerto do Auto do Frade, de João Cabral de Melo Neto, que um dia dirigi e sonho voltar a montar).
Acordo fora de mim
como há tempos não fazia
Acordo claro, de todo,
acordo com toda a vida,
com todos cinco sentidos
e sobretudo com a vista
que dentro desta prisão
para mim não existia.
Acordo fora de mim
como vida apodrecida.
Acordar não é de dentro,
acordar é ter saída.
Acordar é reacordar-se
ao que em nosso redor gira.
Mesmo quando alguém acorda
para um fiapo de vida
como o que tanto aparato
que me cerca me anuncia:
esse bosque de espingardas
mudas, mas logo assassinas, …
João Cabral de Melo Neto, in ‘Auto do Frade’, monólogo do frei.
(Entre vidas e sonhos, a ilusão do renascer, o desejo de reviver. E a vida que penso e quero é a que expressa o verso alheio tomado emprestado nesse exercício para retornar).
Deixai-me nascer de novo,
nunca mais em terra estranha,
mas no meio do meu povo,
com meu céu, minha montanha,
meu mar e minha família.
E que na minha memória
fique esta vida bem viva,
para contar minha história…
Porque há doçura e beleza
na amargura atravessada,
e eu quero a memoria acesa
depois da angústia apagada.
Cecilia Meireles in ‘Melhores Poemas’
(Manhãs nubladas sob infinito céu azul. Irreversível,
inesquecível. Entre cimento e asfalto, mantenho a poesia
alheia nesse exercício para retornar).
Oh! aquele menininho que dizia
“Fessora, eu posso ir lá fora?”
Mas apenas ficava um momento
Bebendo o vento azul…
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
Somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo…
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.
Mario Quintana in ‘Antologia Poética”.
Por todos os cantos há a sensação de finitude
Acentuando-se conforme antevemos o novo ano
Um fim em que, por tempo restrito, prevalece a alegria.
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Acordo tácito para imensa trégua
Nenhuma notícia ruim abala, interfere
Estamos felizes. É tempo de ser feliz.
.
Certa lei, implícita, determina que tudo valeu a pena
Ganhos, aprendizados, experiências, lucros.
Perdas e problemas vão para escaninho próprio e,
Se houver solução fica para o próximo ano.
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Dezembro é quando o sonho parece vida.
O vizinho, que nunca nos fala, deseja-nos feliz natal
Despedimo-nos dos colegas com solidariedade impecável
E escolhemos meticulosamente cada mimo para os seres amados
.
Em dezembro a vida é sonho
Acreditamos na humanidade e somos unidos pelo deus menino
Tempo frágil de semeadura, de esperança.
De sonhos infinitamente maiores:
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Que a honestidade vença
Que a fraternidade prevaleça.
Que vivamos em paz.
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Valdo Resende, dezembro de 2013.
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