Viagem Nº 2

Oh tristeza, me desculpe

Estou de malas prontas

Hoje a poesia veio ao meu encontro

Já raiou o dia, vamos viajar

               Estava aqui, com meus botões já gastos de tanto confinamento e, de repente, deixei a memória ir longe, onde tudo é possível. Com jeitinho, tudo é até melhor, mais bonito, mais saudável. Benditas lembranças que nos permitem ir para onde a gente bem quiser. E viajar está, desde sempre, entre as coisas que mais gosto. Pode ser para logo ali, ou lá, mais além-mar. No final da estrada, onde Judas perdeu as botas. Nos cafundós desse Brasil imenso…

Vamos indo de carona

Na garupa leve do vento macio

Que vem caminhando

Desde muito tempo, lá do fim do mar

               O vento me leva para a estrada, pela Via Bandeirantes, e só me sinto saindo de São Paulo quando passo pelo Pico do Jaraguá. Começam a surgir mesmices reflorestadas, mas verdes, plenas do verde e, em dias bons, do perfume de eucaliptos. Pensamento recorrente, ressinto-me da falta de verde e a memória me joga lá pra adolescência, em Uberaba, quando pegava a bicicleta e ia pra zona rural (Na época era zona rural). Passava o posto da Fepasa de Amoroso Costa e entrava no corredor de gado, passando por Rodolfo Paixão e sempre parando em encruzilhada, para onde era só mato, descansando e meditando sobre… nada.

Vamos visitar a estrela da manhã raiada

Que pensei perdida pela madrugada

Mas que vai escondida

Querendo brincar

               Minha estrela está além da Bandeirantes, entrando pela Via Anhanguera afora até atravessar o Rio Grande e entrar em terras de Minas. O percurso é longo e, sem pressa, vou degustando a viagem. Nem passei por Jundiaí! De um lado da estrada a cidade, e do outro, fazendo uma linha com o horizonte, um campo de aviação onde é possível ver aviões decolando ou pousando. Aviões ínfimos se comparados aos maiores que, daqui a pouco, serão vistos à esquerda de quem sai de Sampa. Descem e sobem no rumo de onde deve estar Viracopos, onde trabalhei e depois, muito tempo depois, voltei como passageiro.

               Escolho deixar a Bandeirantes e entrar no primeiro trevo da Anhanguera, em Campinas. Penso nos meus avós, nos meus tios e sigo em frente. Passo pelo que restou da Bendix, onde trabalhei e, no lado oposto ao da empresa, vejo ao longe o bairro onde morou minha prima Dalva. Há muito não vou por lá.

Senta nessa nuvem clara

Minha poesia, anda, se prepara

Traz uma cantiga

Vamos espalhando música no ar

               Antes que Campinas fique para trás vem forte a lembrança de meu irmão. A entrada da Via Dom Pedro (nunca sei se é primeiro ou segundo) sai em direção ao bairro onde Valdonei morou. Sinto saudade e vou rezar por ele quando passar em frente à Igreja de Nossa Senhora Aparecida, que lá atrás o Pe. Líbero não quis como paróquia por estar isolada, muito isolada. Ela está próxima de escombros do que um dia foi a fábrica de óleos Minasa, onde também trabalhei. Por seis meses! Esse pedaço da estrada pesa um pouco. Melhor tocar em frente.

Olha quantas aves brancas

Minha poesia, dançam nossa valsa

Pelo céu que um dia

Fez todo bordado de raios de sol

               Deixo a mente vagar e só vou atentar para outra fábrica, de cachaça, em Pirassununga. Meu padrinho Nino era chegado em pinga. “… Porque gosto dela, bebo da branca, bebo da amarela, com limão, cravo e canela…” Em Pirassununga ele cumpriu obrigação de jovem, no exército. Meu pai gostava de atirar, se destacou em tiro ao alvo, no exército. Eu gosto de exército circunscrito ao exército, se estou sendo bem claro.

Vai demorar um bocado pra chegar a Ribeirão Preto. O reflorestamento ainda aborrece, mas já consigo ver resquícios de mata ciliar, de montes cobertos por… quem sabe, mata original. Há um imenso aclive no que pessoalmente chamo de Serra de Santa Rita. São quatro quilômetros de subida que sempre, na volta, descíamos na banguela economizando gasolina. E nem estava no preço que está hoje! Logo passarei por Cravinhos e por Ribeirão Preto.

Oh poesia, me ajude

Vou colher avencas, lírios, rosas, dálias

Pelos campos verdes

Que você batiza de jardins-do-céu

               A Via Anhanguera tornou-se uma longa marginal que atravessa Ribeirão Preto. Em direção a Minas fiz todo o trecho que vai do trevo principal, entrada para a cidade, até o viaduto da Fepasa, sobre a estrada que, quando eu era criança, ficava em pleno mato. Duas caminhadas memoráveis:

Com papai e mamãe saímos de trem de Uberaba para Ribeirão Preto. A estação de trens era bem nova, mas estava no meio do mato. Por indicação da minha tia Olinda, descemos do trem e caminhamos pelos trilhos (quem está na estação de Ribeirão Preto é sentido Campinas) até o tal viaduto, descendo deste até a estrada e, mais uma boa caminhada, até chegar à Vila Abranches.

Dessa mesma Vila, outra vez saí com meu primo, caminhando pela estrada em direção oposta, até o trevo (na época era o único) e, entrando para a cidade, passávamos por uma fábrica de bolachas, de onde sempre vinha um cheiro delicioso de coisas assadas. Uma caminhada tranquila, interrompida por um temporal de verão. Entramos ensopados pela cidade e, como dois bons adolescentes, tomamos rumo da Praça XV de Novembro onde não tomamos chopp do Pinguim, mas tomamos sorvete sentados nos bancos da praça.

Mas pode ficar tranquila, minha poesia

Pois nós voltaremos numa estrela-guia

Num clarão de lua quando serenar

               Nunca mais voltei. A cidade passou a ser um ponto por onde vou ou volto. Passando pela Vila Abranches recordo canções ouvidas na infância, leite tomado quentinho, ouvindo o barulho dos animais todos da chácara de D. Dina. A estrada pede caminho, ir em frente, vou passar pelo Rio Pardo e olhar em direção a Jardinópolis, por onde gostava de passar quando viajávamos de trem. Em Orlândia, inevitável, vou recordar uma viagem com Tia Amélia, para visitar meus padrinhos Toninho e Rosária, queridos, muito gentis. Em São Joaquim da Barra passo por uma placa que anuncia faltarem 100 quilômetros para Uberaba. Dependendo do motivo da viagem rola desespero ou alívio…

               Pioneiros é um local que um dia foi chamado de Bacuri. Fica logo após São Joaquim da Barra e é um lugar da maior importância. Lá nasceu minha mãe, Laura, batizada no município vizinho. Não é o momento de entrar e rever as velhas casas que restaram da extinta estrada de ferro que, atualmente, passa longe dali. Passando por Buritizal já me sinto próximo de coisas de Guimarães Rosa. Minas está perto.

Ou talvez até, quem sabe,

Nós só voltaremos no cavalo baio

O alazão da noite

Cujo o nome é raio, raio de luar.

               Já estou ansioso e não vejo a hora de atravessar o Rio Grande, quando nunca deixei de pensar: cheguei! Minas tem um cheiro, um ar… Minas tem as montanhas, e logo após o Rio começa um brincar de montanha russa, com um sobe e desce de responsa. A memória, bendita memória. Essas longas subidas e descidas me lembram Beto Rockfeller, o inesquecível personagem interpretado por Luís Gustavo. Pra fazer firulas com a namorada, o Beto apostou que chegaria de helicóptero em uma festa. Para conseguir a aeronave, alegou aos proprietários que precisava levar um doente para Uberaba. Aquele sobe e desce horrível da estrada tinha que ser evitado e, para isso, só voando. Conseguiu.

               São angustiantes os minutos que antecedem passar pelo Catetinho, um antigo restaurante atualmente em ruínas. Às vezes parecem eternos, o trecho longo demais, enlouquecedor de tão longe. E o pior é ter a certeza de que, quando na volta, passará rapidíssimo, aumentando o distanciamento da cidade amada. Mas passo pelo Catetinho, logo, logo, por uma ponte sobre a estrada de ferro, e aí não tem mais lero-lero. Estou em Uberaba.

Vamos visitar a estrela da manhã raiada

Que pensei perdida pela madrugada

Mas que vai escondida

Querendo brincar

Já sinto cheiro de café, pão de queijo, bolo… Sinto o calor de abraços, a ternura de beijos.

Estou com meus sobrinhos, meus irmãos, meus pais… Bendita memória! Benditas lembranças!

Com licença, tá na hora de curtir a família.

Até mais.

Notas:

Viagem (a número um, letra que me inspirou aqui) é canção de João de Aquino e Paulo César Pinheiro. Convido você, leitor, a ouvi-la na interpretação de Marisa, a Gata Mansa.

Uma caneca de Natal

Chegando de Ribeirão Preto, Tia Olinda sempre levava presentes, constantes mimos de alguém que gostava de agradar. Chegava sorridente, falante, e assim me entregou a caneca – que está aí na foto. Uma caneca agora cinquentenária… ou mais, não sei. Eu nem estava na escola! Ou seja, meu mundo era a família e o quintal, posto que a rua, o bairro e a cidade vieram depois. Com a caneca vieram algumas bolas coloridas, de vidro.

– Para você fazer sua árvore de Natal!

Disse-me a tia ao entregar o precioso presente. Lembro de ficar olhando, encantado, para aquelas coisinhas coloridas, leves e… mortais. Quando quebradas eram um perigo considerável diante das infinitas partículas do vidro.

Primeira árvore de Natal de que tenho notícia, mamãe pegou um galho dos muitos que haviam de árvores, arbustos e similares nos terrenos baldios próximos. Enrolou todo o galho e suas ramificações com algodão, branquinho.

– É para lembrar neve!

Tia Olinda, com o presente, levou minha mãe a comprar outros enfeites. Bolas, guirlandas, estrelas, tudo para enfeitar nossa primeira árvore natalina. Criou-se um hábito, mas… Havia o presépio da casa de D. Castorina, reproduzindo uma Belém artesanal, cheia de casas de barro, montes feitos de papelão, sob uma gruta imensa, iluminada com pequenas lâmpadas coloridas, destacando-se entre as estrelas, de papel laminado, a mais importante, orientadora dos magos quanto ao local de nascimento do Menino. Demorei, mas um dia tive o meu presépio.

Durante essa infância, cada vez mais distante, eram raros os Natais em nossa casa. Tínhamos o privilégio de viajar nos finais de ano. Natal a gente passava na casa da Tia Olinda, lá em Ribeirão, em memoráveis férias na nascente Vila Abranches, cheia de chácaras por todos os lados, com sua pracinha onde, às tardes, colocavam músicas para alegrar todos os moradores.

Éramos nove crianças! Mamãe Laura e minha tia Olinda saiam para a cidade (naquela época a Vila Abranches ficava longe de Ribeirão Preto!) e, entre outras coisas, compravam brinquedos que “Papai Noel” nos deixaria para fazer nossas manhãs cheias de brincadeiras com os presentes trazidos pelo bom velhinho. Antes da noite, escrevíamos cartões para os avós, os tios todos, o pai, a mãe… E toca esperar o carteiro pra ver de quem receberíamos uma mensagem.

Não tenho lembranças de comidas. Essas coisas que dizem ser tradição, hábitos de muitas famílias. Penso que as pessoas, crescendo, trocam a satisfação dos brinquedos, das árvores e dos presépios pela comilança, pela bebedeira. É o lado que menos aprecio. Aquele almoço cheio de coisas, levando todos para o sono pesado da tarde do dia 25. Eram bem melhores os dias em que, rapidamente, tomávamos as refeições e voltávamos a explorar as possibilidades dos novos brinquedos.

Frutas natalinas eram o “must” da noite de ano novo, quando já longe de Ribeirão Preto, íamos todos para a casa de minha avó materna, em Campinas. Nozes, avelãs, amêndoas, castanhas e figos secos portugueses. Também uvas passas! As mesmas uvas passas que, nos últimos tempos, gente chata fica enchendo a paciência alheia. – É só não comer! (aqui está omitido um belo palavrão em função do espírito natalino).

Em Campinas, na mesma casa ficavam todos os irmãos de mamãe, meus irmãos e todos os primos. Éramos todos vivos, felizes, e por estarmos assim, lamento hoje, não percebíamos que meus avós já não tinham seus pais, seus tios… Esses mesmos pais e tios que todos temos e que, hoje, não tenho mais. Propiciando-nos noites de Natal e Ano Novo, esforçando-se para nos darem o máximo, deixavam de lado suas lembranças tristes, suas perdas irreparáveis. E, penso, é assim que deve ser!

Ontem comecei a brincar de Natal. Tirei do armário as velhas caixas e fui inventar nova maneira de dispor as coisas. Não espero crianças em casa, mas vai que apareça alguma. Ou mesmo algum adulto. Quem sabe meu presépio não desperte lembranças boas, ou mesmo crie outras. Mas, na real, meu presépio é para nós, que estamos aqui, neste ano tão complicado e diferente.

É linda a lembrança do primeiro Natal, aquele de 2020 anos atrás, quando nasceu uma criança, o Deus feito menino. São lindas as lembranças de todos nós; isso, se nos atermos às primeiras visões de um brinquedo, uma árvore cheia de cacarecos, um presépio pra lá de estilizado, as pessoas todas juntas abrindo presentes, trocando afetos.

Talvez escreva sobre os presentes de Natal que ganhei na infância. Era época em que o consumismo não determinava excessos e ganhei poucos, mas inesquecíveis brinquedos. Talvez!

Neste ano, é lamentável que a pandemia nos impossibilite grandes encontros. Cabe aqui uma postura, uma decisão: Podemos ter noites de reclamações, ou podemos dar graças por estarmos vivos. E se as reuniões forem precárias, limitadas, temos lembranças para preenchê-las. E objetos que nos suscitam lembranças, como a minha caneca, dada pela minha tia Olinda, que morava em Ribeirão Preto, onde passávamos os natais, esperávamos Papai Noel…

Um bonde de lembranças

Em Santos, o bonde que me trouxe lembranças.
Em Santos, o bonde que me trouxe lembranças.

A Rua Ari Barroso, no bairro Taquaral, em Campinas, me é bastante cara. Nela moravam meus avós. A casa ficava em esquina com a Rua Antonio Bonavita. A linha da Companhia Mogiana corria paralela à Rua Ari Barroso e do alpendre da minha avó avistávamos as pessoas chegando ou saindo da cidade. O trem passava sempre rápido, e a imagem da minha avó, de pé, acenando, continua presente. Era aceno feliz saudando os parentes que chegavam; era aceno triste, cheio de lágrimas quando as filhas e netos voltavam para Uberaba ou Ribeirão Preto.

Um pouco abaixo da linha de trem havia outra linha, do bonde que ia para o “furazóio”, na época, o fim da cidade. Ambas as linhas ficavam entre a Ari Barroso e o Ribeirão das Anhumas, que naqueles tempos era um triste córrego, esgoto a céu aberto. Quem estava no trem, de longe, sabia o ponto exato da casa de meus avós porque havia duas árvores, rentes à linha, quase em frente à Rua Antonio Bonavita. Às vezes, ficávamos aguardando o trem ao lado dessas árvores e era possível ouvir com clareza as palavras de despedidas ditas pelos passageiros. De lá, também, avistávamos o bonde, com o barulho do motor propulsor, mais a haste arrastando-se na rede elétrica, fazendo som peculiar. Eu adorava bondes.

Os bondes de Campinas tinham as laterais abertas e os bancos eram sem divisões, indo de uma lateral à outra. Sobre os estribos o trocador cobrava as passagens e o motorneiro seguia tranquilamente para seu destino. Quando muito frio, ou com chuva, havia uma espécie de cortinas que fechavam as laterais, protegendo as pessoas das intempéries do tempo.

José e Maria, meus inesquecíveis avós.
José e Maria, meus inesquecíveis avós.

Eram tempos felizes porque éramos dez netos aboletados na casa dos avós, brincando, lendo revistas, assistindo televisão que, pra nós, era grande novidade. Falava-se muito! Uma pequena pinimba entre meu padrinho Nino e meu tio Manoel questionava qual seria a maior cidade: Ribeirão Preto ou Campinas. Tio Manoel, de Ribeirão, afirmava ser esta maior que Campinas. Pra tirar a teima o tio Nino resolveu nos levar até ao mirante do castelo, para lá de cima constatar o quanto Campinas era maior que Ribeirão Preto. Hoje, infelizmente, o Google resolveria a questão em segundos; graças a Deus, sem a web, ganhamos um belo passeio no domingo seguinte, pela manhã. De bonde!

Dito e feito, no domingo seguinte dez netos saíram da cama e foram constatar o tamanho de Campinas nos anos de 1960. Voltando pra casa, era mês de janeiro, viemos em outro bonde, uma linha que terminava na Avenida Nossa Senhora de Fátima. Uma tempestade imensa caiu sobre a cidade e, já quase molhados no bonde, descemos sob a chuva para a casa da avó, ensopados e felizes. Não recordo nada ruim desse dia. Estávamos encharcados e famintos, doidos pra chegar e almoçar as delícias feitas por nossas mães, nossa avó.

Depois, já crescido, habituei-me com velha piada do mineiro que compra bondes. Eu compraria bondes; muitos! Em um país tropical, como o nosso, ter meios de transporte arejados seria sinal de inteligência. Evitaríamos todas as mazelas do ar condicionado, da lataria quente dos meios atuais. No final desta semana, em Santos, em frente ao hotel estava o bonde que me fez escrever esta história, lembrar o porquê de gostar tanto desse meio de transporte. Bonde me traz a Campinas dos meus avós, de toda a minha família, de reuniões de férias sempre alegres e cheias de brincadeiras.

Bendita internet. A rua, a esquina e o espaço onde estavam as linhas.
Bendita internet. A rua, a esquina e o espaço onde estavam as linhas.

Bendita internet. A casa ainda está lá. Vejo alterações, fico ressentido e não me permito divulgar imagem de uma casa que já não é mais nossa. Mas, o outro lado… Das linhas, raros sinais. Nem trem, nem bonde. Sem acenos, sem poesia.  Pelo menos há árvores e, me parece, pássaros, espaços para lazer. Todavia, eu adoraria ouvir aquele barulhinho do bonde, passando tranquilo, arejado, indo e vindo, incansável e, na minha lembrança, cheio de pessoas felizes.

Até mais.

Nosso Deus, o celular

nosso deus, o celular

Nesta manhã li que uma mãe atirou o filho na parede porque ficou nervosa ao ver a criança mexer no celular. O garoto, de dois anos, faleceu. Ela escondeu o menino de dois anos no interior de um sofá e, depois, acionou a polícia denunciando o desaparecimento da criança. O fato nos dá a medida extrema do lugar ocupado pelo poderoso aparelho em nosso cotidiano.

Tenho a impressão de que o menor uso do celular, na atualidade, está no objeto como meio de comunicação em si, indispensável. O que é realmente necessário dizer ao nosso interlocutor? Se alguém diz que vai para algum lugar, quando nos comprometemos a comparecer a tal encontro, qual a real necessidade de ligações do tipo “estou saindo”, “estou no trânsito” “já estou aqui”? Ontem presenciei quatro ligações “importantíssimas” de uma companheira de viagem. Na rodoviária: “- já estou dentro do ônibus”; após a partida: “-Acabamos de sair”; uma hora e pouco depois: “- Onde você estava, porque não atendeu? Fiquei ligando, ligando… já passamos Ribeirão Preto”. Mais tarde: “- Já passamos Jundiaí” e, poucos minutos depois: “-Entramos na Marginal”. Não me cabe julgar o que cada um classifica como importante para ser comunicado. Casos como o que presenciei ontem, penso, são para psicólogos.

O celular comporta um monte de joguinhos. Também li que esses passatempos são ótimos e atendem diferentes tipos de necessidades. Aqui, acredito que é só estabelecer o que é passatempo e distinguir isso de vício que tá tudo bem. Vício, é bom lembrar, instala-se sorrateiramente em nossas vidas. Afirmamos que bebemos socialmente, fumamos só um pouquinho e todos nós sabemos como, sem controle, onde isso vai parar.

Quando dizem que o celular é instrumento de trabalho, parceiro para alguns, ele não deixa seu caráter fundamental de meio de comunicação. Acessamos nossas contas bancárias, participamos de reuniões estando do outro lado do planeta, vendemos e compramos tanto o necessário quanto o cacareco inútil e por aí vai. O celular, e todo avançado derivado desse, é o grande e poderoso meio de comunicação do século XXI.

O ser humano nunca se contentou em ser um minúsculo ponto diante da grandiosidade do planeta. Na atual fase da nossa civilização extrapolamos os limites físicos e criamos um mundo virtual. Estamos neste através da informática, com infinitas possibilidades, limitada para um considerável contingente que se contenta em usufruir tão somente das redes sociais. Tenho a impressão de que é aqui que reencontro a mãe do garoto assassinado em Minas Gerais.

Pessoas que residem em cidades praieiras convivem com a falsa igualdade propiciada pelo traje de banho. Seminus, bronzeados, alegres ao sol, parecemos todos iguais perante um belo verão. Temos essa possibilidade “melhorada” no mundo virtual. Tiramos as manchas da pele, as rugas e somos amigos de personalidades importantes, de artistas. Nas redes sociais esbanjamos felicidade; a comida é farta, a bebida é abundante. Ampliamos nosso mundinho para milhares de amigos e, suprassumo da rede, somos seguidos por outros. Nas redes, conta mais quem tem maior número de seguidores. Quando isso não ocorre, contentamo-nos em seguir, em fazer parte da vida de quem admiramos. Nas redes sociais podemos simular o mundo que queremos.

O telefone de antigamente era pra falar com o parente distante, chamar o médico, a polícia, os bombeiros. Usávamos o dito cujo até para conversar com amigos, mas tínhamos o limite da conta telefônica – sempre caríssima! – e a restrição da família, já que era raro mais que um aparelho por residência. Hoje, quase todo mundo tem telefone. Smartphone é o termo adequado. Isso é muito bom; um inquietante receio é o de que algumas pessoas, como a tal mãe, tenha só o tal smartphone. Um aparelho que subverte a realidade da pessoa colocando-a em um mundo por essa idealizado. Quando esse mundo é ameaçado a reação é brutal e, horror dos horrores, uma mãe joga o pequeno filho na parede.

Seria estúpido condenar à fogueira tanto o celular quanto seus usuários. A história já teve sua cota de fogueiras que só fizeram retardar, por pouco tempo, o avanço propiciado por novos objetos, novas tecnologias. Longe de proibir, de impedir, cabe educar. Esse triste fato volta a fazer com que se bata na mesma tecla da educação, da formação adequada que é direito de todo e qualquer cidadão. O processo educacional é algo demorado e grandes transformações  levam tempo. Mas não custa insistir na reflexão. Todas as instituições que buscam o bem comum podem discutir e orientar as pessoas para o uso adequado do celular, da internet e similares. O assassinato do garoto mineiro é um ápice, a ponta de um iceberg que tende a crescer.

 

Até mais!

O que haverá por trás da fábrica emperrada?

Fábrica?
Fábrica? Onde?

A construção de uma fábrica de planta de amônia, da Petrobrás, em Uberaba, Minas Gerais, está parada. O empreendimento que deve gerar 3.500 empregos foi interrompido há mais de um ano; o principal impedimento para a continuidade do projeto, publicamente alegado, é no mínimo absurdo: um parecer da AGU – Advocacia Geral da União diz que o local não poderia ser abastecido por um gasoduto proveniente da cidade de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo.

A manchete de hoje, 16 de Julho, do Jornal O Tempo, é: “Burocracia ameaça tirar fábrica de R$ 1,2 bi de Minas”. Como assim, burocracia? Quais são as tramoias políticas a serviço de jogo escuso que impedem a continuidade do projeto? Minas Gerais e São Paulo estão em guerra? Não pode haver acordo entre as duas cidades? Estão sobrando empregos em Uberaba?

Tudo começou em março de 2011, quando D. Dilma Rousseff assinou protocolo de intenções para implantação da fábrica. Em outubro seguinte a Advocacia Geral da União (AGU) deu parecer contrário ao gasoduto de distribuição. Agora, em 2013, a secretária de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Dorothea Werneck, exige uma solução, “mesmo que o resultado seja desfavorável a nós”.  Como assim, D. Dorothea? O que a senhora perderá com isso, já que seu emprego está garantido?

Gostaria muito de saber o que há realmente por trás de tudo isso. D. Dilma, que é PT, favoreceria tal empreendimento ao estado governado por Antonio Anastasia, que é do PSDB? Como fica nesse imbróglio a prefeitura de Uberaba, que é do PMDB? Os senhores da Advocacia Geral da União que certamente não recebem salário mínimo agiram pelo singelo desejo de preservar… O que mesmo?

Assim continua a história do país. Por uma suposta burocracia (quem acredita nisto?) está emperrado um empreendimento já iniciado – portanto, gastos já foram feitos – e que deve gerar 3.500 empregos. O mais irritante é que alguém atrás de uma sigla, no caso a AGU, impede o andamento de um projeto que deve beneficiar milhares de pessoas. Quem é esse sujeito? Para qual “União” ele trabalha?

Também hoje, li um artigo de Leonardo Boff sobre as recentes idas do povo às ruas que, entre outras coisas diz: “Ninguém se sente representado pelos poderes instituídos que geraram um mundo político palaciano, de costas para o povo ou manipulando diretamente os cidadãos.”  Sem acreditar nas instituições, resta gritar nas ruas pelos nossos direitos. Uberaba precisa de mais empregos. Tai uma causa que merece passeata.

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Até mais!

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