Somos dois, somos muitos*

*Fernando Brengel

“O sonho vai sobre o tempo qual veleiro que flutua”

Assim que passem cinco anos, Federico García Lorca

– Como esse menino lê bem!

– Ele é ótimo!

– Já fez alguma montagem?

– Acho que sim. E estuda jornalismo.

dois meninos, mas poderiam ser duas meninas, um menino e uma menina, um transex e um menino ou menina, poderiam ser muitos, todos juntos e misturados, desde que fossem seres repletos de amor à procura daquilo que só o amor é capaz: unir almas que passam a dividir sonhos, construir futuros.

– Ele não vai almoçar?

– Disse que tá enjoado … não quer.

– Tá meio pálido né?

– Um pouco. Vou pegar um sal de frutas.

dois meninos é um retrato bem acabado do que somos, das vísceras e vicissitudes do amor. das entranhas do desejo. da alegria efêmera e da dor que, graças a Deus, não se eterniza. das possibilidades de ser o que somos, da urgência de sairmos das penumbras de nossas vontades e dizer ao mundo: “sou pleno! tenho alguém!”

– Ele não veio. Será que não curtiu a gente?

– Não gostou do texto?

– O cara é genial!

– O que houve?

dois meninos é fúria, línguas, gozos, corpos que se completam, papos-cabeça, sorrisos, questionamentos, trajetórias que se passam na ribalta e no limbo da existência. destinos. sorte… sorte de quem lê dois meninos. de quem agora pode compreender melhor o tempo que ceifava sonhos de uma hora para outra.

– Não veio de novo!

– Gente, ele foi internado!

– O que ele tem?

– Não sei, vou no hospital.

dois meninos resgata as noites longas e os dias curtos, desnuda os contraditórios, expõe as várias faces do comportamento. uma viagem à liberdade respirada no instante em que se redescobria o Brasil, o sexo, a loucura, a cultura. caminhada esta que começa a perder a graça quando a aids dá as caras. im-pla-cá-vel.

– Emílio Ribas.

– Não é possível.

– É o quinto caso no Brasil.

– Quatro homens e uma mulher isolados.

dois meninos é obra de texto primoroso, de construção indireta, como a refletir o contrafluxo da vida. narrativa que deixa claro que só os navegantes mais corajosos são capazes de vencer a maré. prosa inteligente e bem costurada, pura poesia.

– Acabou.

– 22 anos.

– E agora?

– …

dois meninos é valdo resende. dono de imenso talento e incrível habilidade com os meandros do escrever, brinda-nos com descrições capazes de nos fazer flutuar, transportando-nos ao universo de tantos meninos, dos que estão e dos que se foram, em um romance de estreia que não deixa pergunta alguma no ar: sim!, vale a pena pena viver, de preferência, como um menino. uma menina. ou melhor, como gostamos de viver.

FB

nota: os diálogos incidentais foram reconstruídos a partir de fatos presenciados por mim.

.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

Fernando Brengel foi um dos primeiros leitores de “dois meninos- limbo”. Colaborou com as primeiras e últimas revisões. Escreveu textos carinhosos divulgando o lançamento e este, acima, foi publicado após o evento. O universo das artes foi bastante afetado e principalmente o teatro sofreu as primeiras perdas em decorrência da AIDS. Depois, vieram nomes que chamaram a atenção da mídia. O Hospital Emílio Ribas foi sinônimo de morte e desespero para aqueles que, com sintomas, recebiam diagnóstico positivo. A situação hoje, 2023 é outra, mas muitos problemas continuam. A ideia ao rememorar essas questões surgiu por conta da 27ª Parada do Orgulho LGBT+ DE São Paulo, com o tema QUEREMOS POR INTEIRO, NÃO PELA METADE, que acontecerá no próximo domingo, 11 de junho.

Querida Rosângela Maschio!

Caríssima,

Estou feliz e grato com suas mensagens. Conhecer sua opinião, suas reações, suas posições em relação ao que escrevo no romance que você me informa estar terminando de ler, me deixa profundamente feliz.

Desde que lancei “dois meninos” ocorreram muitas coisas complicadas na minha vida pessoal (fui acidentado, fiquei um ano de molho, chegou a aposentadoria, veio a demissão da universidade… Além de perdas maiores, como o falecimento de minha mãe).

Nesse tempo também ocorreram atividades que me enriqueceram profissionalmente. Realizei projetos na Baixada Santista, no Vale do Paraíba, tive uma peça de teatro apresentada na maioria dos CEUs – Centros Educacionais Unificados de São Paulo, além de apresentações no Sul e Nordeste do país. Também tive um poema citado em publicação do aniversário de minha cidade natal, lancei uma coletânea de contos… Enfim, a vida seguiu seu curso e, nesses anos após o lançamento do romance, percebo e constato um fato perturbador.

“dois meninos” caiu como uma bomba silenciosa por aí. O lançamento foi concorrido, com duas centenas de pessoas presentes. Eventos posteriores (lançamento no Rio de Janeiro, palestras, feiras e cursos) contribuíram para a modesta carreira do livro (Marta Blanco, editora que merece todo meu respeito, já havia me alertado para o fato de que, no Brasil, romance vende pouco!). O fato é que o livro atingiu centenas de pessoas e eu fiquei aguardando pronunciamentos (risos!).

Todas as formas expressivas manifestam algo que, via de regra, merece discussão, resposta. Pessoas próximas comentaram, algumas indo mais fundo e, infelizmente, a maioria preferiu o silêncio. Um silêncio respeitoso, posto que volta e meia manifestavam admiração pelo escritor. Ninguém é obrigado a dar retorno de livros lidos, compondo críticas ou publicando resenhas. Todavia, um comentário mínimo seria de bom tom…

Uma amiga muito querida, Marise de Chirico, também responsável pela diagramação e projeto gráfico, dias antes de enviarmos o livro para a gráfica me questionou com seriedade: – Você vai manter seu texto na primeira pessoa? Me pareceu absurdo, mas Marise me alertava para possíveis consequências relacionadas a preconceitos e homofobia. Bom, “A vida é luta renhida”, disse Gonçalves Dias, “Viver é lutar”.

A bomba silenciosa teve seus efeitos. Sou grato ao meu romance por ter tirado da minha vida uma quantidade razoável de pessoas. Sou um sujeito de sorte! Dessas reconheço e guardo tal fato como alerta perene. Nossas ações provocam reações e assim é a vida. A questão complicada é o silêncio, mesmo “respeitoso”, pois neste caso me parece companheiro do preconceito, da homofobia.

“dois meninos” tem uma imensa carga autobiográfica mesclada com ficção. E, daquilo que é fictício também assumo a autoria, pois se escrevi é porque penso da forma e posição exposta. Há vários motivos pela maneira com a qual resolvi contar tal história. E Rosângela, vou me permitir, contarei algumas nessa mensagem.

O anonimato das personagens veio por duas razões, e a primeira pode ser referenciada ao momento atual. Quais as histórias dos mais de 550 mil mortos vítimas do Covid? Não são números, são pessoas com sonhos, desejos, vontades, projetos, famílias, amores, amantes, profissões… O anonimato em “dois meninos” nasceu da necessidade de sensibilizar as pessoas para que percebessem vidas humanas vitimadas pela AIDS. A segunda razão vem de uma dúvida cruel; sem autorização do morto, sem ter conversado a respeito, eu poderia nominar, detalhar sua vida?

Tendo como ponto de partida um poema – “dois meninos – limbo” é um poema decodificado, transformei fragmentos de versos em capítulos e, assim, me permiti ampliar a metáfora concisa em história detalhada. Um exercício literário que se estendeu naquilo que chamei de “hipertexto”, dando uma opção de leitura ao colocar frases e períodos em negrito que pretendem sintetizar a história. Essas opções formais caminharam com a dificuldade em caracterizar personagens sem nominá-los.

Concluindo maneiras de contar e formas de expor a história, durante o lançamento e ainda hoje recuso a expressão “romance gay”, fundamentalmente por “gay” não se constituir em gênero literário, mas um tema entre tantas outras possibilidades. Usar tal expressão facilitaria acesso a um mercado específico, talvez provocasse reação contrária em outros. De qualquer forma, sempre estive interessado em literatura e, na medida do possível, em ser um Escritor.

Volta e meia me deparo com situações que envolvem a vida privada alheia, com a corriqueira expressão “saia do armário”. E penso que minha resposta deva ser: – Tire meu livro do armário e venha falar a respeito.

É ótimo conversar horas e horas sobre tudo o que nos envolve. Aquele papo de amigo que mergulha fundo, como escreveu Clarice Lispector, buscando “o é da coisa”. Aquele “é” que todos nós temos e que serve de parâmetro, medida, norteamento para todos os seres viventes do planeta. Esse “é” que, de tão conciso, confunde pessoas rasas, que pairarão sempre na superfície incapazes de um mergulho profundo que há, ou deveria haver, em todo ser humano.

Creio que teremos muitas conversas pela frente, cara Rosângela. Espero que sejam presenciais, virtuais, por escrito, em forma de romance, poesia, letra de música, post no twitter, via pombo correio… Por enquanto deixo público meu abraço e minha gratidão a você, e aos que leram e deram retorno sobre esses “dois meninos”.

Um carinhoso abraço!

Valdo Resende

Trem das Lives: À Sombra do Jatobá

Por quantos lugares passaremos com esse Trem das Lives? Por quanto tempo, por quais épocas? Esse trem pode ser conduzido por “Europa, França e Bahia”! Também nos será possível avançar, antevendo o futuro ou retroceder, como faremos na nossa segunda viagem: 140 anos! Tudo no aqui/agora do nosso encontro.

No próximo domingo o Trem das Lives recebe a jornalista e escritora Rosângela Maschio (foto). Com ela viajaremos pelo Brasil Império via seu livro de estreia “À Sombra do Jatobá”. O universo feminino em período de absoluto domínio patriarcal levando-nos a refletir sobre a escravidão e questões decorrentes dessa situação. Tudo através de um papo descontraído da autora com Fernando Brengel, nosso condutor dessa viagem.

Uberaba esteve presente na primeira edição da live. Um pouco da imensidão de Minas Gerais advindo não só do conteúdo exposto, mas também através dos amigos, familiares e muitos outros viajantes. Entre esses, outros de diferentes lugares também se fizeram presentes. Gente do Rio de Janeiro, do Piauí, do Pará e, mais longe, identificamos entre inúmeros paulistas, brasileiros que estão lá pelo Canadá. A viagem foi divertida, breve e… intensa! (Somos fãs de Maria Bethânia). Expressamos nossos agradecimentos a todos.

O bom desse Trem das Lives é poder viajar com os convidados, com os condutores, com todos os passageiros que quiserem. Estão convidados! Esperamos vocês. Venham, tragam todos os interessados. Rosângela Maschio e Fernando Brengel aguardam todos no próximo domingo. Por essa formidável magia da literatura, faça chuva ou sol, garantimos momentos agradáveis “À Sombra do Jatobá”.

Trem das Lives

Embarque você também.
Domingo, 27.09, 18h00
instagram@fernandobrengel

Até lá!

Daquela manhã

imfhmg

Naquele período o país vivia a Copa do Mundo, o campeonato que estava em pleno andamento na França. O futebol era o país. Tornava-me estrangeiro ao evitar o assunto; alienígena por deixar de assistir a um único jogo. A expectativa antes de cada partida, a tensão durante a mesma e a comemoração após a vitória aqueciam os frios dias de julho. Os torcedores alucinados, consumindo rios de cerveja antes e durante cada jogo, extravasavam a tensão dos noventa minutos em carreatas barulhentas e intermináveis; após cada vitória, a cidade, vestida de verde e amarelo, dançava ao ritmo de aplausos frenéticos, tremendo o solo pelos saltos descontrolados de cada torcedor, ensurdecida pelo espocar de fogos de artifício. Minutos de imensa felicidade a cada gol.

Passado o jogo, em meio à comemoração, iniciava-se a busca dos noticiários para rever cada lance e a cata dos jornais diários para ler mais, ter mais, esticar ao máximo a alegria proporcionada pelo time nacional. As crianças viviam à procura de figurinhas para completar um álbum, com todos os participantes do campeonato; adesivos plásticos, camisetas, miniaturas de plástico dos atletas, tudo relacionado com o local do evento, a França, e às diferentes equipes, principalmente a brasileira, era comercializado. Ao abrir a janela da minha sala deparava-me com uma imensa bandeira brasileira pintada sobre o asfalto. O principal símbolo nacional, estático na rua, tremulava hasteado no topo dos edifícios, em inúmeras janelas de apartamentos vizinhos.

Sempre assim no meu país: vive-se o futebol; consome-se futebol; tudo o mais fica para depois, absolutamente colocado em segundo plano. Eu já vivera outras copas; criança, ouvia os jogos pelo rádio e acreditava ser outro jogo, à noite, dias depois, quando a televisão passava o tape. Ocorriam-me também, às vezes, lembranças dos tempos de Garrastazu Médici; o que eu tinha vivido como adolescente tricampeão e o que vim a saber posteriormente…

-.-.-.-.

CAPA OFICIAL baixa

 

 

 

(O texto acima abre o segundo capítulo do meu romance “dois meninos – limbo” lançado pela Elipse, arte e afins. Quem estiver interessado em obter o livro pode entrar em contato aqui pelo blog https://valdoresende.com/loja/ ou via e-mail: valdoresende@uol.com.br . A foto acima, que ilustra este post é de Flávio Monteiro).

 

Até mais!

 

São Paulo, cidade de romance

Um trecho dos tantos sobre São Paulo em “dois meninos – Limbo”, para expressar todo o amor por nossa cidade. Feliz aniversário, São Paulo!

dois meninos divulgação

…  Para um mineiro que não gosta das coisas passageiras, a solução possível foi seguir o fluxo evitando ventos que provocavam barreiras intransponíveis. Morei no Alto de Pinheiros, na Vila Mariana, na Bela Vista, Paraíso, Ipiranga, no Brás, Mooca… mapeei a cidade e fui tornando-a minha, tomando-a palmo a palmo. Respirei com volúpia entre as alamedas de seus bairros arborizados, suei em bicas ou tiritei de frio sob o concreto de apartamentos, dormi embalado com os sinos do Mosteiro de São Bento e, como um comum nordestino, durante longa temporada bati o ponto todos os domingos na feira sob o viaduto da Radial, ao lado da Baixada do Glicério. Ironicamente fui vizinho da Marquesa de Santos e de Dona Olívia Penteado, em pensões ordinárias ao lado da Sé e em Higienópolis. Tive tardes de leitura no mirante da Lapa e, como o mais nobre dos paus-de-arara, subi a Rua Augusta, sobre os cacarecos que chamava de móveis, entulhados na carroceria de um caminhão, em direção ao Baronesa de Arari, na Avenida Paulista(…).

.-.-.-.-.-.-.-.-.

Dois Meninos – Limbo (ISBN 978-85—68591-00-0) é romance de Valdo Resende, publicado pela editora Elipse, Arte e Afins.

O cenário do romance é a cidade de São Paulo do final do século XX; a vida operária, a agitação de noites trepidantes tornadas tensas e perigosas com o surgimento da AIDS e, decorrentes dessa realidade,  as profundas mudanças e exigências impostas à sociedade.

Revivendo esse momento, “Dois Meninos – Limbo” celebra a amizade e a solidariedade ante a adversidade, tanto quanto celebra a solidão e o amor.

Para conhecer ou adquirir o livre acesse a página do autor: https://valdoresende.com/loja/

 

 

Amanhã, no Rio de Janeiro

Há momentos em que o óbvio é o bastante. Óbvio gostar do Rio de Janeiro tanto quanto lembrar Tom Jobim e o seu “Samba do Avião”. Alguém conhece música melhor para quem chega ao Rio? É amanhã. Estarei lá e, desde já, “minha alma canta…”

Depois, no sábado, dia 11, estarei no Papos & Ideias  conversando sobre O Homoerotismo na Literatura Brasileira”. O evento marca o lançamento do meu romance Dois Meninos – Limbo para os cariocas. Começaremos às 17h00min. Aguardo os amigos e conhecidos na Livraria Saraiva Shopping Rio Sul. O endereço é avenida Lauro Muller, 116 – Botafogo – Rio de Janeiro – RJ.

Até lá!

Sete Meninas Sobre Dois Meninos

meninasSete meninas, mulheres especiais, escreveram publicamente e/ou enviaram mensagens sobre meu livro, o romance Dois Meninos – Limbo. Estou feliz! Coloquei em ordem alfabética, pra ser justo. A descrição inicial do livro é de Marise De Chirico:

Somos transportados para a São Paulo dos anos de 1990, com sua noite frenética e o assombro do surgimento da AIDS. Infiltrado nesse cotidiano de medo e incertezas, o texto descortina a história de dois meninos, a amizade, a solidariedade e o amor.

Angélica Leytwiller (música)

“O livro é realmente maravilhoso, competente, audacioso e histórico. Forte, intenso e, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade comovente…”

Kelly Cristiane Silva (pedagogia)

“Me fez chorar como há muito não chorava lendo algo… Envolvente, sensível, mas com toda
Originalidade do autor.”

Lisa Yoko (artes)

“Tenho certeza que também sua carreira como escritor será muito bem sucedida, Valdo Resende!”

Marise de Chirico (design)

“Fiquei imantada de amor, de tristeza, de alegria… coisa da vida, mesmo!”

Monica Birchler Vanzella Meira (marketing)

“Creio que um grande escritor tem o dom e o poder de recontar as paixões humanas, mesmo aquelas que não viveu. Mas neste romance, meu caro, sua alma está nele.”

Nina Borges do Amaral (letras)

“Do romance de Valdo Resende, fica a triste constatação do preconceito e do descaso de toda uma sociedade em relação aos portadores do vírus HIV, mas também a promessa de um futuro em que as batalhas não mais sejam necessárias…”

Vânia Maria Lourenço Sanches (história)

“João tinha acabado de nascer e foi entregue aos braços de João, o outro… Esses dois meninos voltaram ao meu pensamento quando li “Dois Meninos – Limbo”.

Obrigado, meninas!