São Paulo, 42 anos!

Eulindo, pronto pra ser feliz!

A cidade faz 467, eu sei! Todavia ela “nasceu minha” quando após atravessar bairros distantes o ônibus tomou a Marginal Tietê. Estava amanhecendo e o sol inundava outdoors coloridos, informando para o jovem ansioso uma prévia do que estava por vir: peças de teatro, shows, lançamentos imobiliários, novos carros, liquidações. Janela aberta, o cheiro era péssimo, o movimento intenso e a cidade… São Paulo é linda! A cidade que escolhi para crescer.

O Terminal Rodoviário da Luz era de um colorido de gosto muito duvidoso, mas só pude atentar para isso mais tarde. Um taxi me levou para a Avenida Paulista, meu primeiro endereço na cidade. Nada ruim para um migrante, desses milhões que buscam a cidade para melhorar de vida. O quarto que ocupei ficava de frente para a avenida. Aprendi a conhecer o barulho de pneus sobre asfalto molhado e a contabilizar o tempo em que os coletores levavam para recolher os resíduos que, na época, eram chamados de lixo mesmo.

O emprego veio rapidamente, graças ao movimento intenso da Rua 25 de Março onde não trabalhei, mas sim na paralela, Rua Abdo Schahin, em uma imensa atacadista de tecidos. Guardo os gritos de “pega ladrão” e a memória de um gatuno descendo a Rua Constituição, materializando um milagre de equilíbrio ao não cair na íngreme ladeira. Conheci hábitos estranhos de solidariedade quando proprietários de lojas desciam as portas por UM MINUTO em protesto político de ocasião e, do meu patrão, recordo a primeira vez que lamentei profundamente não ter um gravador em mãos. Quando a Secretaria de Trânsito colocou placas impedindo estacionamento em frente à empresa, ele ligou para um certo Paulo: “- Escuta aqui, moleque! Quem te colocou aí fui eu!”. Alguns minutos depois voltaram tudo ao que era antes.

Frequentei o primeiro curso universitário no Mosteiro de São Bento. Desde então apaixonado pelos sinos, pelos cânticos gregorianos e também pela lembrança de comer salgado em bar fechado pelos órgãos oficiais. Estavam usando ração de cachorro no recheio de pasteis. Também guardo do largo de São Bento uma briga terrível de gangues de meninos, mostrando toda a violência que a vida nas ruas produz. Depois, na mesma praça, aprendi a panfletar com Francisco Milani, e a correr da polícia que, na região, tem por hábito dar bordoadas em trabalhadores informais (ainda hoje!),

O objetivo era fazer teatro e os ensaios eram em Santo André. Isso significava tomar um trem lotado, comendo qualquer gororoba durante o trajeto. Estreei na capital direto no Teatro Oficina, hoje vizinho aqui de casa. Uma mostra teatral com inúmeros grupos, perdida no tempo, guardada na minha história pessoal. Reviravolta brutal no que eu pensava sobre a profissão veio com a peça Macunaíma, Antunes Filho dirigindo o Grupo Pau Brasil, em apresentação no Theatro Municipal de São Paulo. Voltei para minha casa completamente abalado e a única certeza diante do maravilhoso espetáculo: eu não sabia fazer teatro. Tempos depois, quem diria, estava eu como assistente de Antunes, na última versão da peça que rodou meio-mundo.

A tentação em contar, rever tudo o que a cidade me propiciou, é imensa. Vou saltar para aposentadoria que desfruto após décadas de trabalho na cidade. Nessa condição, quando muitos retornam para a terra natal, minha opção é viver aqui. O tempo me fez paulistano e sinto-me moldado para viver em São Paulo. Poderia aqui enumerar amplas possibilidades de consumo, outras tantas relativas à arte, cultura, saúde, educação… Não se trata disso ou daquilo, mas do todo. Da cidade que é São Paulo e que, após 42 anos por aqui, posso afirmar com tranquilidade: Não conheço quase nada, mas daquilo que sei e que tenho por meu não abro mão.

Parabéns, São Paulo! Parabéns paulistanos! Parabéns aos imigrantes que, tomando a capital, cuidam e a amam com toda a intensidade que a “minha cidade” merece.

A mulher que eu amo

Trabalhar nos idos de 1981 na Rua Abdo SChain, paralela à Rua 25 de Março, deu-me nova visão de São Paulo. Eu dividia atividades entre um grupo de teatro em Santo André, no ABC Paulista, e durante o dia era auxiliar de auditoria em uma companhia têxtil. Gostava das lojas de decoração infantil, com vitrines que lembravam grandes cenários, seguia minha vida obedecendo aos sons do relógio do Mosteiro de São Bento e já então ficava meio aturdido com tanto cacareco oferecido para consumidores ávidos para vender para seus clientes.

Na calçada da Ladeira Porto Geral vi inúmeras pessoas escorregando e se estabacando na calçada. Além da descida, íngreme, os escorregões ocorriam na porta de uma lanchonete de pasteis duvidosos (um ano antes houve um surto de pasteis com recheio de comida para cachorro… uma outra história.). Todos os dias o piso da lanchonete era lavado e a água escorrida ladeira abaixo. Sabão e óleo, os vilões de transeuntes incautos.

Da Rua Constituição, uma ladeira similar à Porto Geral, guardo a imagem de alguns assaltantes descendo a passos brutalmente largos – tentem descer a ladeira fugindo de perseguidores e entenderão a expressão – enquanto lojistas gritavam um inevitável “- Pega ladrão!”. Da vizinha Rua Barão de Duprat vi relógios voadores, saindo de algum dos andares da galeria Pagé. Certamente um lojista preferiu jogar boa parte de seu estoque janela abaixo evitando o flagrante da fiscalização. O mais hilário foi ver o dono do carro sobre o qual caíram os relógios agir com a rapidez dos espertos: primeiro desceu do veículo com visível ódio; ao olhar para a mercadoria, pegou tudo o que pode, jogou dentro do carro e saiu em alta velocidade.

Uma colega de trabalho, Neusa, era leitora assídua da Revista Sétimo Céu, da extinta editora Bloch. A garota sabia que eu escrevia para teatro e, na cabeça dela, achava que escrever um conto para a tal revista seria a mesma coisa. Mostrou-me o anúncio da seção Conto Premiado que informava: “Escreva um conto usando, no máximo, cinco páginas com vinte e cinco linhas datilografadas. Se ele for premiado, você receberá Cr$ 2.000,00…”. Uma quantia legal quando me lembro das dificuldades de então.

revista setimo ceu

“A mulher que eu amo” surgiu em pensamento e o conto transcrito e reelaborado em horários de almoço. Com alguma noção de público-alvo e já com a mania de escrever na primeira pessoa, narro aventuras triviais com uma moça urbana, socióloga, em contraste com o eu do discurso, um rapaz vindo do interior de São Paulo.

Voltando de Uberaba logo após as festas de final de ano retomei meu trabalho, sem muito tempo para lembrar do concurso. Era ainda principiante na vida de cuidar de casa, ganhar salário como funcionário e, nas noites e finais de semana, batalhar no teatro, sonho que me trouxera para a capital. A moça que assinava a revista prolongou férias e quando voltou, recordo bem que ainda estávamos perplexos com a morte de Elis Regina. Minha colega deixou a revista sobre minha mesa, como quem não quer nada e só na hora do almoço soube que tinha meu primeiro conto publicado. Da praia, como era comum referir-se à Baixada Santista, dias depois recebi uma mensagem de Maria Elza Sigrist, a quem considero minha primeira leitora. Alguém que, sem que eu pedisse, dedicou alguns minutos de suas férias para ler o tal conto.

a mulher que eu amo

A sucursal da Bloch, em São Paulo, ficava em uma mansão, denominada Casa Manchete, construída pelo industrial Horácio Lafer, foi moradia da família proprietária da Bloch. Segundo consta por aí, atualmente a tal casa está avaliada em R$ 96 milhões.  Isto importa, pois na época o local era tão valorizado quanto hoje. Cheguei alegrinho ao local, ressabiado com toda a riqueza da Avenida Europa, mas cheio de planos para o dinheirinho que… ironia, veio com um considerável desconto destinado ao imposto de renda!

Irritado com o desfalque, não tenho a menor lembrança do destino do tal dinheiro. Guardei a revista que depois desapareceu em uma enchente. Dona Laura, minha querida mãe, guardou um exemplar e é este, aqui registrado, documento da primeira publicação de uma carreira que, sonho ainda, venha a ser exclusivamente literária.

Até mais!

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São Paulo! Comoção de minha vida…

São Paulo é a segunda cidade de milhões de pessoas que migraram, como eu, em busca de uma vida melhor. E, de “segunda cidade” passa a ser a primeira no coração de toda essa gente. Eu, pelo menos, não consigo pensar minha vida fora de São Paulo e sei de muitos migrantes que também pensam assim. É um sentimento às vezes carregado de culpa quando se coloca a cidade onde nascemos (Uberaba, meu amor!) em segundo plano.

Pra quem vem do Triangulo Mineiro, o Pico do Jaraguá anuncia a chegada em São Paulo.
Pra quem vem do Triangulo Mineiro, o Pico do Jaraguá anuncia São Paulo.

Foi complicado conhecer São Paulo, entender a cidade. Foi difícil aceitar que Santo André, São Caetano, fossem outras cidades. Todas próximas, sem fronteiras visíveis, sem os campos que separam as cidades da minha Minas Gerais. Os primeiros foram tempos de aventura, com dificuldades, descobertas estranhas: Uma mesma rua, por exemplo, a Rua Augusta, muda de nome quatro vezes! Tive, naquele período, algumas alegrias e muita saudade.

Augusta, 

Graças a Deus,

Entre você e a Angélica

Eu encontrei a Consolação

Que veio olhar por mim

E me deu a mão.

Meu primeiro endereço foi a Avenida Paulista. Contei minha chegada, detalhadamente aqui (é só clicar!). Estava perto da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, avenida por onde passo todos os dias já que moro em uma travessa da mesma. Todavia, naquela época, durante o dia eu procurava emprego e, entre uma caminhada e outra, ia conhecendo a cidade onde, um dia, havia sido turista.

Augusta, que saudade,

Você era vaidosa,

Que saudade,

E gastava o meu dinheiro

Que saudade,

Com roupas importadas

E outras bobagens.

O primeiro trabalho foi em uma empresa que fica na Rua Abdo Chaim, uma paralela da Rua 25 de Março. Desde então mantive minha definição para o que via por lá: a imensa capacidade humana de criar objetos obsoletos. De dia trabalhava como auditor. Saia da empresa sempre correndo – aprendi rapidamente a andar como paulistano, às pressas! – para ir ensaiar peças teatrais. Nos finais de semana cantava em botecos. Foi em uma tarde, no trabalho, que ouvi pelo rádio, sem acreditar, que Elis Regina estava morta.

Tom Zé, migrante apaixonado por São Paulo, autor dos versos que colocam poesia neste post
Tom Zé, migrante apaixonado por São Paulo, autor dos versos que colocam poesia neste post

Bom ser jovem. Eu vivia comendo salgados feito por chineses, descobri o pastel de feira, o caldo de cana, milho verde em cumbuca, e, volta e meia, tomava refeição dentro de um vagão lotado do trem suburbano. Via grandes ratos transitando pelo parque D. Pedro e presenciei três assaltos em um único momento, na fila aguardando o ônibus. Dormia três, quatro horas por noite, alimentando-me mal, valendo-me da saúde obtida na vida tranquila de Uberaba.

Angélica, que maldade

Você sempre me deu bolo,

Que maldade,

E até andava com a roupa,

Que maldade,

Cheirando a consultório médico,

Angélica.

Meu primeiro apartamento ficava “nos fundos” do Mosteiro de São Bento. Tinha todas as horas marcadas pelos sinos, com uma musicalidade sóbria, grave e, simultaneamente suave. Minhas sessões religiosas aconteciam ao som do canto gregoriano dos frades beneditinos. Após grandes viravoltas, o segundo apartamento foi no bairro da Liberdade, onde aprendi a gostar de sushi, temaki, sashimi entre tantas outras comidas japonesas.

Antes de parar na Bela Vista contabilizei mais moradias que anos de vida. Vila Mariana, Higienópolis, Ipiranga, Cerqueira César… Fui atropelado, fui assaltado… Um batismo no folclore da grande metrópole.

Quando eu vi

Que o Largo dos Aflitos

Não era bastante largo

Pra caber minha aflição,

Eu fui morar na Estação da Luz,

Porque estava tudo escuro

Dentro do meu coração.

Das lembranças todas suscitadas em datas como a do aniversário da cidade, gosto de comemorar a imensa galeria de amigos. De todos os matizes, raças, origens… De agradecer pela carreira profissional múltipla, a cidade permitindo-me realizações concretas no magistério, no teatro, no jornalismo, nas artes plásticas, nas letras…

Quantas histórias similares a esta. Quantos milhões de pessoas beneficiadas pela graça do Santo, São Paulo, que nunca castigou-me por ser Palmeirense. Há mais de 30 anos por aqui, trago Uberaba no meu peito; sou Minas Gerais. Jamais abdicarei disso por crer que esta é uma condição essencial para perceber e agradecer aos céus tudo o que,como migrante, tenho recebido em São Paulo. Dia 25 sempre foi, no meu entendimento, dia pra comemorar e agradecer.

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Parabéns, minha capital querida!

Obrigado, São Paulo!

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Notas:

1 – O título deste post é o primeiro verso do poema “Inspiração”, de MÁRIO DE ANDRADE in Paulicéia Desvairada.

2 – Os versos que intercalam o texto são da música de TOM ZÉ (Augusta, Angélica e Consolação), onde o compositor sintetiza a alma de três, das principais avenidas da capital. Para ouvir a canção, clique aqui.