A Era do “Tempo Real”

“Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.” (*)

minha casa
“A minha pátria tem uma quentura, um querer bem…”como se fosse meu lar, minha igreja, minha rua

É tão nova, tão recente essa pátria do “tempo real”! Sou, como milhões de outros brasileiros, de um tempo em que a notícia chegava sob a ótica das grandes empresas jornalísticas – as maiores sempre comprometidas com o poder em exercício ou querendo derrubar este – ou então os fatos vinham em canções, poemas, artigos de “Pasquins” e similares. Em nossa casa, entre o fato e o receptor cultivava-se a salutar desconfiança mineira.

Mineiros amavam Juscelino Kubistchek, trabalhadores reverenciavam Getúlio Vargas e Jânio Quadros era folclórico com seu falar rebuscado, propício a piadas e chistes. Vieram os militares e o brasileiro, apesar do medo, aprendeu a pedir um chope “Castelo Branco”, referindo-se ao diminuto pescoço do finado Marechal.

Antes do final da ditadura, em 1985, o mundo já vivenciava o surgimento da Internet, uma das maiores de todas as revoluções do planeta; e a história determinará exatamente quanto tempo durará essa transição. Sim, vivemos uma transição complexa, perturbadora, que ouso chamar de “Era do tempo real”. Um tempo em que a figura do porta-voz vai sumindo, pois interessa a fala do dirigente, do responsável que mostra a cara para o mundo tentando esconder as reais sensações, o que está por trás da fala.

O Brasil ficou atento aos olhos de Dilma Roussef encarando publicamente a denúncia de impeachment, tanto quanto aos olhos e gestos de quem aceitou tal pedido, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara.  Dilma não escondeu a tensão; Cunha não escondeu o cinismo e, talvez, a prova mais contundente desse cinismo é a escassez de defesa quanto à classificação do ato do presidente da Câmara como chantagem.

Acabo de ver o pronunciamento do Governador de São Paulo anunciando retroceder na decisão da reorganização escolar. O Governador disse ter ouvido a população… Ouvidos lentos demais para uma situação iniciada em setembro e, é bom enfatizar, compartilhamos reações também em “tempo real”. Sobram insinuações de que o dirigente retrocedeu após ver despencar sua popularidade. Boa parte da população continuará discutindo a truculência policial exercida sob o comando de Alckmin.

Transição complexa essa que vivemos em tempos de Internet. A crença popular da corrupção de nossos políticos muda de esfera, concretizando-se na visão da fala trôpega, dentes trincados, olhos tensos que chispam ódio e interesses particulares. Visto que há gente boa nesse mar de personalidades duvidosas, outras palavras deverão voltar ao cotidiano para classificar os líderes necessários; estão esquecidas, pouco usadas, mas são palavras preciosas, tais como impoluto, hombridade, caráter…

Impoluto é antonímia de corrupto. Próprio de gente digna, honesta, virtuosa. Hombridade – essa tem sido cada vez mais rara – é própria de quem tem retidão de caráter, honradez; o que levaria, por exemplo, o atual vice-presidente a posicionar-se publicamente a respeito da atual situação em que foi colocada a Presidenta. – São tempos de Internet, senhor Temer! Sua postura de rato aguardando o andamento da tempestade é visível para todo o planeta!

Caráter, já nos deixou o filósofo Heráclito, é “o conjunto definido de traços comportamentais e afetivos de um indivíduo, persistentes o bastante para determinar o seu destino”.  É isso que a “Era do tempo real“ evidencia. As ações e reações de nossos dirigentes fotografadas, filmadas, testemunhadas por todos os que acessam a rede, desvendando o sujeito e dando rumo ao futuro do mesmo.

Citei Vinícius na epígrafe e penso nele enquanto tento refletir. Vejo noticiários e fico triste com o país que não é aquele que vivi na infância, nas carteiras escolares; meu país, o poeta já anunciava e eu resistia, teimava em não perceber:

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta… (*)

Essa pátria da “era do tempo real” ficará melhor. Aprenderemos e teremos a visão instantânea de quem pretender nos dirigir. Estamos vivendo tempos de adeus aos “Rodrigues”, “Civitas”, “Mesquitas” e “Marinhos” que agora perdem para o celular do jovem estudante que mostra a violência policial, assim como são meros transmissores do assassino que joga uma pedra de dois quilos assassinando o morador de rua. As famílias que nortearam e forjaram opiniões via jornal, rádio e TV, ficarão na história, incapazes de manipular a expressão do homem das ruas.

Eu sonho e acredito nas boas perspectivas que a “Era do tempo real” nos propicia. E poderei a despeito de tudo o que há por aí, continuar repetindo o poeta que amo tanto:

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”…

… Pátria minha, saudades de quem te ama… (*)

Até mais!

(*) (Vinícius de Moraes – Pátria Minha)

4 comentários sobre “A Era do “Tempo Real”

  1. Caramba Mestre, sensacional!

    A Política vive o pouco que resta de caráter, discursos carregados de pleonasmo que limitam a resposta à 0.

    Mas a Pátria ainda vive e aos poucos algumas guerras impostas por um sistema se enfraquece, houve a vitória dos estudantes.

    Saudades

  2. Walcenis

    Vivi toda essa evolução sempre com a esperança de um mundo melhor. Hoje… Impera.a desesperença. Não consigo me iludir com uma dose que seja, de otimismo.

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