
Ontem estive no Mosteiro de São Bento, no centro velho de São Paulo. O silêncio da nave mergulhada no caos paulistano foi quebrado por monges orando suavemente. Doce cantiga que remete a outras eras. O latim substituído pelo português mantém a delicadeza da “Ave Maria”, atingindo o coração de todo aquele que espera pelo aconchego materno “agora e na hora da nossa morte”.
Os monges falam pouco e entre os beneditinos há uma orientação para que se cultive o silêncio. É fascinante o modo de vida daqueles que economizam palavras, favorecendo a reflexão, a meditação. monges, eremitas ou o cidadão comum, todos os que cultivam o silêncio têm aparência calma, olhar tranquilo, semblante sereno.
E cá estou, ironicamente, palavreando excessos para enaltecer o silêncio… todavia, busco e anseio por ele.
Se comparado com o passado reduzi expressivamente o contato com jornais, televisão e similares. As razões são simples: Com chuva, congestionamento, falta disso ou daquilo ninguém está dispensado do trabalho, portanto… Sobretudo, há o negativismo de uma equivocada premissa que entende notícia boa como notícia ruim; sobram desgraças nos jornais cotidianos. Outro exercício é evitar a internet após jogo de futebol, quando rolam manifestações de gente que sempre esquece que outros jogos virão…
Difícil embate entre o excesso e a quietude onde parte da população se resolve pela fala e tantos outros entram em parafuso quando lhes é imposto o silêncio. Situação complicada onde sobram direitos e faltam deveres… Enfim, quem sou eu pra solucionar essa questão! O jeito é apelar para a poesia de Cecília Meireles e, forçosamente, cultivar o silêncio e nele, se possível, aprender alguma coisa.
Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a terra.
Onde termina o Céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso.
Até a glória de ficar silencioso.
Sem pensar.
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CÂNTICO 03
NÃO DIGAS ONDE ACABA O DIA
Cecília Meireles
In Cânticos, 1982
Até mais!