“Desfaze-te da vaidade triste de falar”

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“Desfaze-te da vaidade triste de falar”, diz Cecília Meireles em “Não digas onde acaba o dia”; e a poetisa conclui:

Pensa, completamente silencioso,

Até a glória de ficar silencioso,

Sem pensar.

 

 

 

Desejo de Regresso

(Entre vidas e sonhos, a ilusão do renascer, o desejo de reviver. E a vida que penso e quero é a que expressa o verso alheio tomado emprestado nesse exercício para retornar).

eu aviao

Deixai-me nascer de novo,

nunca mais em terra estranha,

mas no meio do meu povo,

com meu céu, minha montanha,

meu mar e minha família.

E que na minha memória

fique esta vida bem viva,

para contar minha história…

Porque há doçura e beleza

na amargura atravessada,

e eu quero a memoria acesa

depois da angústia apagada.

Cecilia Meireles in ‘Melhores Poemas’

Cecília, como se fosse agora

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De tudo o que Cecília Meireles escreveu tenho especial apreço pelo “Romanceiro da Inconfidência”.  Tipo livro de cabeceira. Pela beleza dos versos, pela história da nossa terra, pelo que aprendo sempre… A aguda percepção de Cecília foi além do fato, do tempo, para entrar na alma dos homens e, talvez por isso, seja perturbadoramente atual. Exemplo? Os versos abaixo, da “Fala Inicial”:

Ó meio-dia confuso,

ó vinte-e-um de abril sinistro,

 que intrigas de ouro e de sonho

houve em tua formação?

Quem ordena, julga e pune?

Quem é culpado e inocente?

Choramos esse mistério,

esse esquema sobre-humano,

a força, o jogo, o acidente

da indizível conjunção

que ordena vidas e mundos

em polos inexoráveis

de ruína e de exaltação

Ó silenciosas vertentes

por onde se precipitam

inexplicáveis torrentes

por eterna escuridão!

E assim caminhamos para mais um 21 de abril. Nesses tempos sombrios, de podridão exposta, de vergonha no lixo, resta-nos esperar e – mesmo que pareça absurdo – aguardar por dias melhores.

Até mais.

O silêncio

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O Mosteiro guarda o silêncio 

Ontem estive no Mosteiro de São Bento, no centro velho de São Paulo. O silêncio da nave mergulhada no caos paulistano foi quebrado por monges orando suavemente. Doce cantiga que remete a outras eras. O latim substituído pelo português mantém a delicadeza da “Ave Maria”, atingindo o coração de todo aquele que espera pelo aconchego materno “agora e na hora da nossa morte”.

Os monges falam pouco e entre os beneditinos há uma orientação para que se cultive o silêncio. É fascinante o modo de vida daqueles que economizam palavras, favorecendo a reflexão, a meditação. monges, eremitas ou o cidadão comum, todos os que cultivam o silêncio têm aparência calma, olhar tranquilo, semblante sereno.

E cá estou, ironicamente, palavreando excessos para enaltecer o silêncio… todavia, busco e anseio por ele.

Se comparado com o passado reduzi expressivamente o contato com jornais, televisão e similares. As razões são simples: Com chuva, congestionamento, falta disso ou daquilo ninguém está dispensado do trabalho, portanto… Sobretudo, há o negativismo de uma equivocada premissa que entende notícia boa como notícia ruim; sobram desgraças nos jornais cotidianos. Outro exercício é evitar a internet após jogo de futebol, quando rolam manifestações de gente que sempre esquece que outros jogos virão…

Difícil embate entre o excesso e a quietude onde parte da população se resolve pela fala e tantos outros entram em parafuso quando lhes é imposto o silêncio. Situação complicada onde sobram direitos e faltam deveres… Enfim, quem sou eu pra solucionar essa questão! O jeito é apelar para a poesia de Cecília Meireles e, forçosamente, cultivar o silêncio e nele, se possível, aprender alguma coisa.

Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a terra.
Onde termina o Céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso.
Até a glória de ficar silencioso.
Sem pensar.

.

CÂNTICO 03

NÃO DIGAS ONDE ACABA O DIA

Cecília Meireles
In Cânticos, 1982

 

Até mais!

Testemunha falsa

Penso sobre a expressão “delação premiada”, recordo Cecília Meireles e tenho receios. Um bandido, tornado delator é melhor que o outro, o delatado? Nesses tempos difíceis, cheios de acusações, interrogatórios… O que pode dizer alguém para livrar a própria sorte do fim tenebroso? Do que alguém é capaz, já descoberto em seus crimes, na tentativa de ganhar menor tempo na prisão?

O Romanceiro da Inconfidência é uma das obras geniais da literatura brasileira. Todos os fatos ganham conotações riquíssimas na profunda poesia de Cecília Meireles. Gosto de todo o livro. Admiro cada poema, cada romance.

Vivemos tempos difíceis e temo, sobretudo, pela saúde do meu país, pela paz, pela garantia dos direitos constitucionais. Quero lembrar, neste momento, o “Romance XLIV ou da testemunha falsa”. Vale a pena ler e, sobretudo, refletir dentro da atual perspectiva.

Cecilia Meir

Romance XLIV ou da testemunha falsa

Cecília Meireles

Que importa quanto se diga?

Para livrar-me de algemas,

da sombra do calabouço,

dos escrivães e das penas,

do baraço e do pregão,

a meu pai acusaria.

Como vou pensar nos outros?

Não me aflijo por ninguém.

Que o remorso me persiga!

Suas tenazes secretas

não se comparam à roda,

 à brasa, às cordas, aos ferros,

aos repuxões dos cavalos

que, mais do que as Majestades,

ordenarão seus Ministros,

com tanto poder que têm.

Não creio que a alma padeça

tanto quanto o corpo aberto,

com chumbo e enxofre a correrem

pelas chagas, nem consiga

o inferno inventar mais dores

do que os terrenos decretos

que o trono augusto sustêm.

Não sei bem de que se trata:

mas sei como se castiga.

 Se querem que fale, falo;

e, mesmo sem ser preciso,

minto, suponho, asseguro…

É só saber que palavras

desejam de mim. – Se alguém

padecer, com tanta intriga,

que Deus desmanche os enredos

e o salve das consequências,

 se for possível: mas, antes,

 salvando-me a mim, também.

Talvez um dia se saibam

as verdades todas, puras.

Mas já serão coisas velhas,

muito do tempo passado…

Que me importa o que se diga

o que se diga, e de quem?

Por escrúpulos futuros,

não vou sofrer desde agora:

Quais são torpes? Quais, honrados?

As mentiras viram lenda.

E não é sempre a pureza

que se faz celebridade…

Há mais prêmios neste mundo

para o Mal que para o Bem.

Direi quanto me ordenarem:

o que soube e o que não soube…

Depois, de joelhos suplico

perdão para os meus pecados,

fecho meus olhos, esqueço..

– cai tudo em sombras, além…

Talvez Deus não me conforme.

Mas o Inferno ainda está longe,

 – e a Morte já chega à praça,

já range, na Ouvidoria,

nas letras dos depoimentos,

e em cartas do Reino vem…

 Vede como corre a tinta!

Assim correrá meu sangue…

Que os heróis chegam à glória

só depois de degolados.

Antes, recebem apenas

ou compaixão ou desdém.

Direi quanto for preciso,

 tudo quanto me inocente…

Que alma tenho? Tenho corpo!

E o medo agarrou-me o peito…

E o medo me envolve e obriga…

– Todo coberto de medo,

 juro, minto, afirmo, assino.

Condeno. (Mas estou salvo!)

Para mim, só é verdade

 aquilo que me convém.

Nota:

O Romanceiro da Inconfidência foi lançado em 1953. Ao longo do mês de março publicarei alguns textos ou parte de textos de poetas, escritores e dramaturgos que foram essenciais na minha formação. Quero dividir com os leitores deste blog trechos preciosos que, bom enfatizar, nunca é demais divulgar.

História e poesia nas Minas Gerais

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Tiradentes chegando e me deparo com uma nova edição de O Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Parte essencial da história de Minas Gerais e do Brasil, a Inconfidência Mineira é narrativa emocionada nos versos da poetisa carioca.

Ó meio-dia confuso,

Ó vinte-e-um de abril sinistro,

Que intrigas de ouro e de sonho

houve em tua formação?

Cecília Meireles conta ter sido tomada pelo tema ao caminhar pelas estradas de Minas, pelo cenário centenário de cidades como Ouro Preto, Mariana e outras tantas, com suas ruas de pedra e casario misterioso, sobrecarregadas de tempo e memória das Minas Gerais onde o ouro corria farto.

Tudo me fala e entendo: escuto as rosas

e os girassóis destes jardins, que um dia

foram terras e areias dolorosas.

O Romanceiro da Inconfidência foi feito em quatro anos de pesquisa sobre o século XVIII. Cecília Meireles conta ter ficado distante de tudo, entregue ao trabalho. Resultou em reconstituição histórica sofisticada, já que a autora baseia-se em toda uma infinidade de documentos sobre o assunto, incluindo-se nesses os autos do processo. Aquilo que a história não guardou é recriado pela sensibilidade poética de Cecília Meireles; é assim, por exemplo, que encontramos em dado momento o menino Joaquim José:

Nossa Senhora da Ajuda

Entre os meninos que estão

Rezando aqui na capela,

Um vai ser levado à forca…

.

Lá vai um menino

entre seis irmãos

Senhora da Ajuda, pelo vosso nome

estendei-lhe as mãos!

No Romanceiro da Inconfidência encontramos o Chico Rei, o Contratador Fernandes, a Chica da Silva (a Chica que manda!), personagens do tempo em que a fartura imperou e a riqueza foi tão grande quanto a terra. Do arraial do Tejuco os fatos deslocam-se para o país da Arcádia, o país da poesia onde Marília de Dirceu e Bárbara Eliodora são musas inesquecíveis. Acontece a Inconfidência e transcrevo aqui os meus versos preferidos desde a primeira leitura, desse grande Romanceiro:

Liberdade – essa palavra

Que o sonho humano alimenta:

Que não há ninguém que explique,

E ninguém que não entenda!

Entre os momentos densos recriados por Cecília Meireles há tanto a grandiosidade dos heróis quanto a tenebrosa motivação dos traidores, dos covardes. Impressionantes versos revelam a alma e as razões de uma “testemunha falsa”:

Não sei bem de que se trata:

mas sei como se castiga.

Se querem que fale, falo;

E, mesmo sem ser preciso,

Minto, suponho, asseguro…

O desfecho dessa história é bem conhecido e neste dia 21 de abril, por alguns, será lembrado. Fica aqui um convite para que revejam pela obra de Cecília Meireles;  nos versos do Romanceiro a história vive.

Vejo uma forma no ar subir serena:

Vaga forma, do tempo desprendida.

É a mão do Alferes, que de longe acena.

.

Eloquência da simples despedida:

“Adeus! Que trabalhar vou para todos!…”

.

(Esse adeus estremece a minha vida.)

.

Bom final de semana para todos!

.

.

Notas:

A edição referida é da editora Global. Os versos citados são respectivamente:

– da “Fala Inicial”;

– do primeiro “Cenário”;

– do Romance XII ou De Nossa Senhora da Ajuda;

– do Romance XXIV ou Da bandeira da Inconfidência;

– do Romance XLIV ou Da testemunha falsa;

– do primeiro “Cenário”.

A agulha do palheiro

Em 2011 foram publicados 58.192 títulos no Brasil. Desse total, 20.405 foram feitos em primeira edição. Esse mercado tem crescido e, no próximo ano, estarei atento aos novos números, sabendo que nosso livro, “Um profissional para2020”, estará entre os milhares de livros disponibilizados para o brasileiro.

Não é nada fácil estar entre vinte mil, disputando espaço na preferência de milhões de brasileiros. A tiragem inicial de um livro, no Brasil, é sempre pequena; entre um, dois mil exemplares. Então tudo fica menor ainda, ínfimo, tal qual agulha no palheiro, ou como as sementes e as idéias. E nisso, na pequenez e grandeza de uma semente ou de uma idéia que está a razão do trabalho, da ação.

A semente do livro contemporâneo surgiu lá atrás, na Alemanha, quando Gutenberg criou a imprensa moderna. De lá pra cá, muitas novas idéias forjaram livros belíssimos; outros inventores e criadores, alguns ainda entre nós, possibilitaram o “livro luz”, com a técnica que permite que você, leitor, leia este post ou a Bíblia, ou mesmo, entre milhões de possibilidades, versos de Cecília Meireles.

…As verdades e as quimeras.

Outras leis, outras pessoas.

Novo mundo que começa.

Nova raça. Outro destino…

E as idéias.

Os livros digitais estão aí e talvez, em 2020, sejam publicados em maior número que os livros impressos. Transitando entre duas eras distintas estou, ansiosamente, aguardando o exemplar em papel e, deixando para depois o livro eletrônico, o e-book. Importa-me a forma, já que necessito dela; sobretudo, importam-me as idéias. De todos os autores que gentilmente aceitaram uma primeira idéia: delinear possibilidades para o futuro profissional, o estudante de agora.

No momento nosso país esta recebendo promessas de ações que modificarão o planeta, o país, a cidade. O tal horário eleitoral é um celeiro de idéias; algumas são mirabolantes; há candidatos a prefeito que não separam as esferas de poder e prometem coisas que estão em esferas acima, onde transitam governadores e presidentes. Plantam idéias e buscam, no grande palheiro eleitoral, um único voto para somar aos tantos necessários em uma eleição.

Nesta semana chega o resultado de um trabalho iniciado há muito tempo; diferentes idéias que foram ganhando espaço, tornadas esboço de uma forma que, em nosso livro, estão fixadas, mas não fechadas. É muito bom estar em um trabalho que não promete, mas que planta; que não determina, mas que aponta, sugere. Uma semente para germinar entre outras idéias, outras sementes, colaborando nas decisões imediatas ou futuras de nossos leitores.

Comecei com os números altíssimos do mercado editorial brasileiro porque é salutar, neste momento, ter a perspectiva correta do que estamos fazendo, do espaço que ocupamos. Somos a agulha do palheiro. Nada me impede de ficar imaginando nosso “Um profissional para 2020” entre os milhares de outros livros disponíveis. Por isso fico sonhando com terrenos férteis para nossas sementes, com mentes livres onde nossas idéias sejam discutidas, refletidas, e só depois acatadas. E assim, só assim, vamos em frente!

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Boa semana para todos!

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Notas:

– Os versos de Cecília Meireles são do Romance XXI ou das Idéias.